• Edição 194
  • 22 de outubro de 2009

Microscópio

Ouvidorias são ferramentas para a construção de cidadania

Vanessa Raposo - AgN/PV

A lei é de 6 de abril de 2001, mas ainda existe muito a ser feito. Essa é uma das ideias a serem levadas em conta no lançamento do livro “Novos sujeitos de Direito: as pessoas com transtornos mentais na visão da bioética e do biodireto”, da Ouvidora-Geral Luciana Barbosa Musse. Trata-se de uma discussão sobre a lei 10216/01, que dispõe dos direitos e proteções referentes a pessoas com transtornos mentais. O evento do lançamento, organizado pela Ouvidoria-Geral da UFRJ e pela recente Ouvidoria do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (IPUB), será realizado no dia 30/10 e debaterá o tema.

A lei e sua aplicação

A estimativa é de que a norma legal afete cerca de 12% dos brasileiros. Suas disposições indicam uma positiva busca pela inserção social desta parcela da população. Dentre as conquistas estão a especificação de que a internação em sanatórios deve ocorrer apenas em última instância (preferindo-se, desta maneira, o serviço imediato nos Centros de Atendimento Psicossociais), a defesa da igualdade de tratamento independentemente de cor, sexo, religião ou opção sexual, e o estabelecimento de direitos fundamentais, como o livre acesso aos meios de comunicação e o sigilo médico.

Apesar da esfera ampla, a lei 10.216/01 demorou 12 anos para ser promulgada. Hoje, passados 8 anos de sua vigência, com o desconhecimento generalizado de suas diretrizes, ainda existe necessidade de divulgação.

Existe ainda a questão do preconceito e do descaso a que muitas vezes estão submetidos os que necessitam de atenção especial em matéria de saúde mental. Segundo dados colhidos pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) juntamente com o Datafolha em 2006, 8% das pessoas que compareceram ao Sistema Único de Saúde (SUS) requerendo tratamento mental sequer foram atendidas. 47% conseguiram, mas com dificuldades.

O ponto em que o livro de Luciana Musse toca é justamente no da inclusão dessas pessoas, que na maioria das vezes são mais contempladas em matéria de direito criminal que no de inserção à cidadania. É neste ponto que o trabalho das Ouvidorias se faz necessário.

Remédio contra a apatia política

Por vezes tomadas erroneamente como um canal de “Fale Conosco”, as ouvidorias vêm se tornando cada vez mais uma ferramenta de formação de pontes entre a sociedade e o poder público. Seu conceito apareceu pela primeira vez na Suécia no início do século XIX, através da figura do Ombusdsman – a voz da sociedade frente ao Estado.

Segundo afirma a Ouvidora-Geral da UFRJ, Cristina Ayoub Riche, a função da Ouvidoria é principalmente servir como um meio acolhedor para a proliferação de assuntos do interesse público, sem dar espaço para a apatia política. “A Ouvidoria pode favorecer soluções coletivas ao estimular o cidadão a abandonar a atitude de resignação, face ao desempenho insatisfatório da instituição pública, tornando-o, assim, protagonista da mudança,” afirma Cristina. Além disso, diz ela que também é função da Ouvidoria contribuir para a percepção de que a solução das questões de seu interesse imediato – baseada nos princípios de eficácia e de justiça – é indissociável da melhoria, em benefício de todos.

Desse modo, a principal função do canal é ser um remédio constitucional, contribuindo para a manutenção de direitos assegurados pelos instrumentos legais. A grande missão da ouvidoria é tratar o acesso à informação como direito e não como serviço. Por isso mesmo, diz Cristina Riche que, a seu ver, “a função de um ouvidor , seja no serviço público, seja na empresa privada, é sempre pública.”

Ouvidoria do IPUB garante auxílio especializado para a área

Criada há pouco mais de um mês, a Ouvidoria do IPUB tomou forma não por causa de alguma demanda momentânea, mas sim por ser uma resposta a interesses públicos relevantes. “Ouvidoria não é modismo,” diz Cristina Riche, “é uma realidade que se impõe na medida em que a sociedade passa a exigir do Estado ações que priorizem e contemplem o interesse público.”

O Instituto de Psiquiatria da UFRJ nasceu em 3 de agosto de 1938, sendo transferido para a então, Universidade do Brasil. Desde essa época atua na prevenção e tratamento de patologias ligadas à saúde mental de adultos, crianças e idosos.

Apesar de a Ouvidoria-Geral ser a responsável, segundo consta em seu regimento interno, pela orientação da atuação das demais Ouvidorias da UFRJ (art 4º, XIII), Riche lembra que era necessário um olhar diferente a respeito das áreas de saúde, daí o porquê da criação de uma unidade específica.

Ainda que o tratamento requeira diferenciação, a essência é a mesma: não reduzir a “clientes” aqueles que necessitem de auxílio no momento de fazer valer seus direitos. Reduzir o déficit de cidadania estimulando a participação e a inclusão social. Eis a sua função.

Tratar o cidadão como cidadão, independentemente de ter ou não transtornos, usando como instrumento de trabalho o convencimento para efetuar as mudanças necessárias à sociedade, é que acaba sendo o grande mote desses dispositivos legais.