• Edição 116
  • 06 de março de 2008

Por uma boa causa

Catarata pode ser mais comum do que você imagina

Priscila Biancovilli

Este mês, o Por uma Boa Causa aborda as doenças dos olhos. Começaremos hoje discutindo um dos problemas que mais atinge pacientes de todas as idades: a catarata. Esta é uma doença que provoca a opacificação do cristalino, uma lente natural que se localiza dentro do olho e é responsável pela focalização dos objetos. “Com o tempo, naturalmente ela tende a se opacificar, escurecer. Chamamos isto de catarata. O processo natural de escurecimento é chamado catarata senil, o tipo mais comum. Ela acomete uma em cada seis pessoas acima dos 40 anos e metade das pessoas acima dos 75 anos”, explica o doutor Ricardo Lamy, do serviço de oftalmologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho.

Além de senil, a catarata pode ser congênita, metabólica, secundária a um processo inflamatório e traumática. “Na congênita, a criança já nasce com a catarata, e deve ser operada imediatamente. Se ela tem a doença em apenas um dos olhos, o ideal é que opere até as seis semanas de vida. Caso a catarata se manifeste nos dois olhos, deve-se operar até os três meses”, afirma Ricardo.

A catarata metabólica é provocada especialmente pelo diabetes. Se não controlado, pode levar a uma perda visual mais rápida que a senil. “A secundária, por sua vez, é causada por um processo inflamatório que desencadeia a doença. Já a traumática faz parte de uma reação do organismo a algum acidente que perfura, sacode ou traumatiza o cristalino, fazendo com que a lente se torne opaca”, enumera o doutor.

Desenvolvimento e fatores de risco

A catarata pode ser percebida através da perda progressiva da visão, podendo também ser acompanhada por uma diminuição na percepção das cores e opacidade. “Diferente de doenças como miopia ou astigmatismo, que acarretam problemas na focalização de imagens, a catarata consiste em um escurecimento gradual”, atesta.

A forte incidência da luz do sol nos olhos acelera o processo da catarata. Alguns estudos chegaram a relacionar a catarata a outros fatores, como o cigarro, por exemplo. “Entretanto, não existe nenhuma medicação que retarde este processo de envelhecimento do cristalino natural. O que se pode fazer é utilizar um óculos com proteção ultravioleta, que retarda a aceleração do envelhecimento do olho, e evitar o fumo. Para prevenir a catarata metabólica, a melhor solução é controlar o diabetes”, explica Ricardo.

Outro fator de risco é o uso prolongado de corticóides, presentes em medicamentos anti-inflamatórios e colírios. Por isso é muito importante não se auto-medicação. Se alguém fizer uso constante de um colírio com esta substância para desinflamar os olhos, pode também desenvolver a catarata.

Tratamento

O tratamento desta doença difere entre crianças e adultos. “A criança recém-nascida está em uma fase acelerada de crescimento. Nos primeiros meses de vida o cérebro desenvolve a capacidade de fixar o olho nos objetos. Se a catarata não for operada rapidamente, o bebê não consegue mais desenvolver esta fixação, adquirindo um balanço no olhar que é muito difícil de ser reparado. Já no adulto, ela é uma cirurgia eletiva. Não há pressa para sua execução. O único problema é que, quanto mais madura a catarata, mais difícil se torna a cirurgia pela técnica moderna”, esclarece Ricardo.

Como é feita a cirurgia

A cirurgia de catarata é um processo rápido e sem muito efeitos colaterais. Introduz-se uma caneta muito fina, com um ultra-som que vibra na ponta, quebrando a catarata dentro do olho e a aspirando. O furo, menor que três milímetros, pode ser feito na córnea ou na esclera. Em seguida, coloca-se uma lente dobrável, que passa por aquele pequeno orifício e se abre dentro do olho. O processo dura em média 10 minutos, e caso tudo corra bem o paciente recebe alta no mesmo dia.

- Apesar de rápida, esta não é uma cirurgia simples, pois demanda de muito preparo do cirurgião. O índice de complicação é muito pequeno, porém os problemas podem existir. Alguns pacientes podem desenvolver uma infecção ou hemorragia, por exemplo”, afirma o doutor.

Histórico

500 anos antes de Cristo, e durante 20 séculos, a cirurgia da catarata consistia em introduzir um alfinete no olho e empurrar o cristalino para trás, numa técnica chamada tombamento. Esta estrutura “caía” dentro do globo ocular e permitia às pessoas enxergar ao menos as diferenças de luz no ambiente, os vultos. Afinal, a catarata madura provoca perda total da visão. “Estamos falando de uma época em que não havia anestesia. Temos ilustrações de pessoas amarradas nas cadeiras, por causa da dor”, comenta Ricardo.

Depois, passou-se a retirar o cristalino como um todo, numa cirurgia chamada intra-capsular. O cirurgião introduzia uma ponteira congelada e extraía esta estrutura por completo. Como conseqüência, o paciente necessitava utilizar óculos de lentes muito grossas, que recuperem o foco da imagem.

Na seqüência, surgiu a técnica extra-capsular, em que se faz um rasgo no saco de apoio onde está a lente, ela é retirada e introduz-se uma nova, artificial. Esta nova técnica foi justificada pelo desenvolvimento de uma lente artificial, que não exigia a substituição de toda a estrutura do cristalino.

-  O processo de criação desta lente também é interessante. Um médico da força aérea inglesa percebeu que alguns pilotos acidentados nos olhos, por fragmentos da cápsula da cabine, não apresentavam nenhum tipo de inflamação. Logo, chegou-se à conclusão de que o organismo não reage a ele, e as primeiras lentes foram desenvolvidas exatamente com o mesmo material -, explica o doutor.

Hoje, a cirurgia de catarata evoluiu de tal forma que o processo se tornou rápido e tranqüilo para o paciente. Antes, fazia-se uma incisão de sete a oito milímetros no olho. Hoje, é possível operar com incisões de três milímetros ou menos, sem necessidade de dar pontos ao final.

O Hospital Universitário realiza cirurgia de catarata pelo SUS e também a pacientes conveniados. “Nosso hospital é público e o SUS funciona plenamente aqui, mas também temos um setor de convênios. As pessoas podem procurar este setor e ficarão hospedadas em um quarto especial, com maior privacidade. É importante frisar isso, pois muitos não sabem que nosso hospital também oferece serviços a conveniados. No entanto, nosso foco principal é o SUS, em que tudo é gratuito”, finaliza doutor Ricardo.