• Edição 171
  • 14 de maio de 2009

Faces e Interfaces

 

Musculação pode dar uma forcinha para hipertensos

Igor Costa e Beatriz Cruz

Normalmente ligado à questão estética, o levantamento de peso não costumava ser recomendado a pacientes hipertensos por ser considerado possivelmente prejudicial e por não se acreditar que pudesse trazer benefício a esse grupo. Porém, estudos recentes estão colocando os exercícios anaeróbicos como aliados na luta contra a hipertensão.

Segundo o professor Henrique Murad, chefe do serviço de cardiologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), recomenda-se que exercícios aeróbicos sejam associados com os anaeróbicos, e que não se façam exercícios acima das possibilidades. “Deve haver intervalos entre os exercícios anaeróbicos. A intensidade, a duração e a frequência devem ser monitoradas por um professor de educação física e adequadas de acordo com idade, aptidão física e estado de saúde do indivíduo”, explicou o professor Murad.

Para esclarecer acerca desse assunto o Olhar Vital convidou os especialistas Ronaldo Franklin, cardiologista do HUCFF, e João Paulo Manochio, professor da Escola de Educação Física e Desportos (EEFD).

Ronaldo Franklin

Cardiologista do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF)

“Sempre foi um dogma dizer que o hipertenso não deve fazer exercício de musculação. Mas o que a gente vê hoje é que, se o paciente estiver com a pressão controlada, pode obter benefícios da musculação.

Esses benefícios são ligados à melhora na postura e ao enrijecimento da musculatura, permitindo assim que ele tenha uma vida cotidiana mais saudável. A musculação é muito ligada à estética; porém, se for feita com fins de fortalecer o arcabouço muscular do indivíduo, ela pode fazer com que ele tenha melhor qualidade de vida. Se um idoso começar a fazer exercícios gradualmente, vai ser capaz de segurar o neto, de levar uma compra para casa e terá menos dores nas costas. Tudo isso vai fazer com que ele tenha uma vida melhor.

Sempre se evitou prescrever exercícios de musculação para hipertensos, já que elevam a pressão arterial. Mas, na verdade, quando se trata um hipertenso, pode-se submetê-lo aos exercícios de musculação. Se o indivíduo tem a pressão controlada, pode fazer os exercícios. O benefício vai ser parecido com o obtido por uma pessoa não hipertensa.

É importante lembrar que exercício emagrece. Muitas vezes, o indivíduo tem pressão alta por estar acima do peso. Assim, quando começa a praticar exercício, perde o sobrepeso e normaliza a pressão. Durante muito tempo, foi difícil não considerar o efeito do peso. Existe uma pesquisa grande que ponderou que, independentemente do emagrecimento, se pode ter uma queda do nível tensional (pressão arterial), caso sejam praticados exercícios com regularidade. Alguns estudos já mostram que os exercícios aeróbicos podem diminuir de 2 a 5 mmHg da pressão arterial.

A intensidade, a frequência e a duração dos exercícios devem estar ligadas ao objetivo do indivíduo. Se o objetivo é promover a saúde, a intensidade deve estar entre 50 e 60% da sua capacidade máxima. Se o objetivo é alguma competição esportiva, você vai buscar uma intensidade maior. As formas de quantificar o exercício de musculação são diferentes dos exercícios aeróbicos. O exercício aeróbico tem um tripé tradicional: intensidade, duração e frequência. No caso do exercício de musculação, você tem que fazer uma avaliação isométrica do indivíduo, na qual você vê qual a capacidade máxima que aquela pessoa tem e a partir daí vai prescrever o exercício.

Todo hipertenso deve passar por uma avaliação médica antes de fazer atividade física, assim como qualquer indivíduo, isso é fundamental. A partir dessa avaliação é observado qual o risco de o paciente ter alguma complicação durante a atividade física. Existem várias formas de você fazer isso. Essa avaliação pode ser um questionário, mas preferencialmente deve ser feita com o médico durante uma consulta.”

João Paulo Manochio

Professor da Escola de Educação Física e Desportos e membro do Grupo de Pesquisa em Treinamento de Força UFRJ

“Indivíduos hipertensos geralmente apresentam alto percentual de gordura e baixo percentual de massa magra, condição que predispõe à chamada síndrome metabólica. Ela é caracterizada pelo agrupamento de fatores de risco cardiovascular como hipertensão arterial, resistência à insulina, intolerância à glicose/diabete do tipo 2, obesidade central e dislipidemia (LDL-colesterol alto, triglicérides altos e HDL-colesterol baixo). Estudos epidemiológicos e clínicos têm demonstrado que a prática regular de atividade física é um importante fator para a prevenção e o tratamento dessa doença.

O treinamento aeróbio isolado não é efetivo em relação a aumento ou manutenção da massa magra, enquanto o treinamento contra resistência cumpre esse papel com eficiência e segurança. Quanto maior for a quantidade de massa muscular, maior será a quantidade de tecidos captadores de glicose, dificultando o aparecimento do quadro de diabetes, além do fato de que o aumento da força realmente facilita as tarefas cotidianas, exigindo menos do músculo cardíaco em atividades como subir escadas ou carregar objetos.

Exercícios de força que englobem os principais grupamentos musculares são recomendáveis. De preferência associados à atividade aeróbia, pois ela ainda apresenta como principal benefício o fenômeno conhecido como efeito hipotensivo, que consiste em reduções agudas da pressão arterial no período pós-exercício, que podem perdurar por até 24 horas. Embora o treinamento de força também cause o referido efeito, a duração neste caso costuma ser menor.

Com relação à intensidade, normalmente associam-se cargas elevadas a grandes aumentos na pressão arterial, fato que durante muito tempo causou desconfiança quanto à segurança do treinamento de força aplicado a essa população. Porém, para ser efetivo o treinamento não necessita ser realizado com cargas muito elevadas. A recomendação é de que sejam realizadas de 8 a 12 repetições em cada exercício, de preferência em caráter submáximo, ou seja, o exercício deve ser interrompido antes que ocorra o número máximo de repetições possível. O caráter intermitente do treinamento de força também deve ser considerado como um fator de segurança, pois, embora ocorram elevações consideráveis na pressão arterial, o tempo de duração delas costuma ser muito pequeno, sendo sempre realizados intervalos entre as séries, o que reduz em muito o risco cardiovascular.

De maneira geral a frequência diária é a mais indicada tanto para exercícios de força quanto aeróbios, pois o efeito hipotensivo costuma ter duração de no máximo 24 horas (quando associado a atividades aeróbias). A duração do treinamento de força geralmente fica em torno de 20 a 40 minutos, dependendo do nível e da aptidão do praticante e da disponibilidade de tempo. Já o monitoramento costuma ser feito no início e no final da atividade, salvo em casos que necessitem de maiores cuidados, como pessoas com histórico de picos hipertensivos, ou não medicados. Em casos de PAS superior a 150 mmHg e PAD 110 mmHg em repouso, não é recomendável o início da atividade.

Os benefícios do exercício são: em curto prazo (efeito agudo), o efeito hipotensivo, já que estudos demonstram que reduções de 3 a 5 mmHg já são suficientes para melhorias na saúde. E em longo prazo (efeito crônico), os ganhos de força e massa magra que facilitam as tarefas diárias, melhoram a composição corporal, elevam o metabolismo e otimizam a utilização da glicose.

Como todo praticante de atividades físicas, os indivíduos portadores de hipertensão devem realizar exames médicos periódicos, a fim de monitorar a saúde de forma geral, de preferência com teste de esforço ergométrico. O acompanhamento médico deve ser frequente, pois em longo prazo os benefícios da atividade física podem até mesmo possibilitar reduções na medicação anti-hipertensiva.”