• Edição 181
  • 23 de julho de 2009

Por uma boa causa

Cocaína: do vício à morte

Cília Monteiro

Cocaína: alcaloide presente numa planta sul-americana de nome científico Erythroxylon coca. Essa é a definição de uma droga responsável por inúmeras mortes no Brasil, tanto por consumo como pelo tráfico. É arrasador o poder da substância: em pouco mais de um mês a maioria dos usuários tem o organismo devastado. Alertando para o problema social, a série do Por uma boa causa sobre dependência química traz como tema da semana a cocaína.

“Coca, como é conhecida a planta, significa arbusto. É originária dos altiplanos andinos e o consumo por povos locais data de 2000 a.C. A partir da década de 80, a cocaína retornou sob a roupagem chique dos yuppies (como eram chamados os jovens bem-sucedidos financeiramente)”, relata Marcelo Migon, médico-psiquiatra e doutorando do Instituto de Psiquiatria (IPUB) da UFRJ.

Marcelo explicou que há diferentes formas de consumo da planta: as folhas de coca podem ser mascadas ou originar um chá. Também pode ser feita a pasta de coca, que é refinada, resultando em um pó, o cloridrato de cocaína. “Ele pode ser inalado ou utilizado por via endovenosa. Ainda há o crack, que é a cocaína em sua forma purificada de base livre, e é fumado”, observa.

Causas da dependência

De acordo com Migon, o mecanismo da dependência da cocaína se inicia com o consumo da substância, que atuará em sistemas de recompensa pertencentes ao sistema nervoso central. “A ação ocorre através do neurotransmissor dopamina, que provoca uma sensação de euforia e de bem-estar. Isso leva a uma propensão a se repetir o consumo, para que se atinja novamente esse estado”, explica.

Em torno de 10% dos indivíduos que experimentam qualquer substância tornam-se dependentes, segundo o psiquiatra. “Isto ocorre também com a cocaína. Existem teorias biológicas, psicológicas e sociológicas, que buscam explicar essa propensão ao desenvolvimento da dependência por alguns indivíduos”, aponta. No Rio de Janeiro, aproximadamente 2% da população são de usuários frequentes de cocaína. Esses índices correspondem à estatística nacional e o uso é mais comum entre homens jovens.

Efeitos no organismo

Nas doses iniciais, os efeitos da intoxicação pela cocaína são aumento discreto da frequência cardíaca e euforia, com sensação de bem-estar. “Doses elevadas levam a comportamentos estereotipados, bruxismo, irritação e hipervigilância, com ou sem sintomas paranoides. Além de hipertermia, convulsões e delírio”, explica Migon. Em caso de overdose, o quadro leva à falência aguda de um ou mais órgãos.

Segundo Marcelo, a deterioração do organismo varia conforme a via de administração da droga, embora as diferentes formas de uso tragam algumas consequências em comum. “Se inalada, o indivíduo pode ter lesões nasais, sangramentos e escassez dos pelos nasais. Se fumada (em forma de crack), o usuário pode ter sintomas pulmonares importantes, como tosse e pneumonias. Quando usada por via endovenosa, podem ocorrer flebites e transmissão de doenças por compartilhamento de seringas”, indica.

“Independentemente da via de consumo, o indivíduo passará a estreitar seu repertório, reduzindo sua atuação ao consumo”, afirma o especialista. Ele informou que o uso pode trazer danos físicos, como problemas cardíacos e hepáticos, ou mentais, como psicoses e transtornos depressivos ou ansiosos.

Tratamento

Marcelo acredita que o usuário de cocaína possa ter boa recuperação, mas jamais pode voltar a consumir a droga, uma vez que ele é um dependente químico. O tratamento deve ser feito com técnicas específicas para cada indivíduo. Os caminhos para a recuperação variam entre terapia cognitivo-comportamental, prevenção de recaída e entrevista motivacional. Há ainda a terapia racional emotiva, a redução de danos e grupos de ajuda mútua.

“O importante é identificar qual a melhor abordagem para cada usuário. Os familiares também devem procurar suporte técnico para entenderem a doença, podendo assumir uma postura colaborativa com o tratamento”, conclui Marcelo Migon.