• Edição 193
  • 15 de outubro de 2009

Saúde e Prevenção

A hanseníase em detalhes

Especialista esclarece aspectos da doença que ainda hoje é alvo de preconceito

Thiago Etchatz

Antigamente conhecida como lepra e motivo de discriminação por mais de 20 séculos em razão do isolamento dos enfermos e da associação com o pecado na Idade Média, “a lepra também é a prova corporal do pecado: a corrupção da carne manifesta a da alma” (Schmitt, 1990). Hoje, a hanseníase ainda atinge cerca de 30 mil brasileiros, índice acima da meta, de um doente por dez mil habitantes, proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1991.

A lepra era a designação dada a doenças de pele em geral, como a psoríase, o eczema, além da própria hanseníase, que passou a ser nomeada oficialmente assim em 1976. A doença é causada pelo bacilo de Hansen, o Mycobacterium leprae, um parasita que, após o contágio através do ar pelas vias áreas superiores, costuma atacar a pele e nervos periféricos, mas também pode afetar órgãos como o fígado, os testículos e os olhos.

– A hanseníase é uma doença infectocontagiosa de caráter eminentemente imunológico. Não basta ter contato com o bacilo para adoecer, é preciso ser geneticamente susceptível ao adoecimento. De cada 100 pessoas, apenas 5 a 10% são susceptíveis a adoecer quando em contato por tempo prolongado com um paciente que nunca se tratou – esclarece Maria Kátia Gomes, mestra e doutora em Medicina, especializada em dermatologia e professora da Faculdade de Medicina da UFRJ.

O contágio tem relação com os aglomerados urbanos, a forma de moradia e o fato de ainda existirem pacientes sem diagnóstico. Geralmente, a primeira manifestação da doença consiste no aparecimento de manchas dormentes, de cor avermelhada ou esbranquiçada, em qualquer região do corpo. Outros sintomas são a presença de placas, caroços, inchaço, fraqueza muscular e dor nas articulações. “Há dois tipos de hanseníase, o paucibacilar, que apresenta ate cinco lesões de pele e se cura em seis a nove meses de tratamento, e o multibacilar, que apresenta mais de cinco lesões e se cura entre 12 e 18 meses”, afirma Maria Kátia.

Com o avanço da doença, o número de manchas ou o tamanho das já existentes aumenta e os nervos ficam comprometidos, podendo causar deformações em regiões como nariz e dedos. Segundo a doutora, “a prevenção ocorre através da detecção precoce de todos os casos, com instituição imediata do tratamento. O grupo de maior risco são os contatos intradomiciliares”. A medicação é garantida pelo Estado e pode ser encontrada nos postos de saúde, assim como a vacina BCG, principal método de prevenção da hanseníase.

Muitas vezes o procedimento cirúrgico é necessário para a correção de “garras móveis em dedos das mãos e pés, pés caídos ou descompressão cirúrgica dos nervos para casos de neurites (dor nos nervos) que não foram resolvidos com o uso de corticoide ou em que se exigiu tempo prolongado desse medicamento”, relata a dermatologista. Desta maneira, “a cirurgia trata ou previne sequelas, garantindo aos pacientes qualidade de vida e a reinserção no mercado de trabalho”, afirma.

Por fim, a doutora Maria Kátia faz uma constatação: “À medida que a medicina foi evoluindo, se esclareceu que, devido à hanseníase, não se cai pedaço, há cura e não existe relação com o pecado. Entretanto, é preciso ainda hoje dar muita informação para superar o preconceito”.