• Edição 194
  • 22 de outubro de 2009

Faces e Interfaces

Depressão: qual o tratamento mais adequado?

Psiquiatras e psicólogos divergem quanto ao uso de medicamentos no tratamento da doença


Marina Lins - AgN/PV

É de conhecimento geral que a depressão é uma desordem psíquica e se assemelha à tristeza, mas surge sem motivo. Seu tratamento, no entanto, vem gerando grandes divergências entre psiquiatras e psicólogos: remédios ou terapia?

Psicólogos, principalmente os clínicos, têm denunciado a prescrição excessiva de antidepressivos por parte dos psiquiatras. Eles defendem o uso da terapia como tratamento principal. O psicólogo da Univesidade de Hull Irving Kirsch acaba de lançar o livro The Emperor's New Drugs (As Novas Drogas do Imperador), relatando sua descoberta de que o uso desses medicamentos se equipara ao placebo.

O comitê redator do Manual de Diagnósticos e Estatísticas (DSM) completará a quinta edição da obra daqui a dois anos, o que tem aumentado a pressão para mudar o tratamento da depressão. Apesar das diferentes abordagens, não são todos os psiquiatras que defendem o uso generalizado de medicamentos nos casos de depressão. Para falar mais sobre o assunto, o Olhar Vital convidou a psiquiatra Sílvia Jardim e a psicóloga Maria Elisa Couto, ambas pesquisadoras do Instituto de Psiquiatria (IPUB) da UFRJ.

Sílvia Jardim

Psiquiatra, psicanalista e pesquisadora do IPUB

“A depressão existe desde a antiguidade. É a famosa melancolia que acometia artistas. Ela se caracteriza por uma tristeza profunda e, é importante frisar, sem motivos. É como um luto, que tira a vontade de fazer qualquer coisa. Porém, não tem o motivo da perda. Hoje, está dividida entre a depressão séria mesmo, com D maiúsculo, e outras gradações menores. Acho que esse excesso de subdivisões atrapalha o diagnóstico da depressão em si, fazendo com que uma simples tristeza seja confundida com a própria doença.

Há uma divergência entre os profissionais da área acerca da origem da doença. Muitos a consideram unicamente biológica. Outros olham para o contexto e avaliam que a depressão é também um produto cultural da sociedade. Não se sabe a resposta certa, mas é provado que, nos últimos anos, vem aumentando bastante a incidência da doença. E uma pesquisa estimou que, em 2020, a maioria dos “dias incapacitados”, aqueles nos quais a pessoa não tem forças para trabalhar, será causada pela doença.

O uso de antidepressivos no tratamento da doença é realmente necessário quando o caso é grave, aquele da depressão com D maiúsculo. A pessoa não vê sentido nem em tomar banho. Às vezes, é preciso dar também antipsicóticos para o paciente. Esses remédios funcionam para aliviar os efeitos da doença e não fornecem cura.

Eu acredito que o tratamento da depressão deve ser feito tanto com antidepressivos quanto com terapia. Contudo, vejo que há um uso excessivo de remédios. Eles não curam. Podem aliviar, mas é só acontecer alguma coisa na vida da pessoa que a depressão volta, e, muitas vezes, gera uma crise aguda.

A nossa cultura prega que todos devem estar felizes o tempo todo. Isso e mais essa nova classificação que aumenta os níveis de depressão também colaboram para o erro no diagnóstico da doença. Ou seja, é só a pessoa se sentir triste que corre logo para um consultório achando que é a mais anormal das criaturas por não se sentir alegre. Alguns médicos indicam logo um remédio, alimentando o erro.”

Maria Elisa Couto

Psicóloga, psicanalista e pesquisadora do IPUB

“Existe uma cultura, um discurso de que a depressão, considerada o mal do século, precisa ser tratada pela via medicamentosa. Por vezes, a medicação pode ajudar sim. Não existe nenhuma contraindicação, não deveria haver um combate a ela. A grande diferença da posição de um psicólogo, psicanalista, para a de um psiquiatra é que este acha que o uso de medicamentos será a solução, enquanto o psicólogo vê que não é, não considera que a causa real do sofrimento possa ser curada assim. Eu considero até que ela seja a causa de algo do sofrimento.

A melhor definição que existe para depressão é o sofrimento psíquico, é você se sentir impotente diante do mundo, das coisas. Se colocar na, como chamamos, posição de objeto diante do grandioso.

A psicanálise e a psicologia apostam no tratamento pela palavra, na cura pela palavra. O tratamento é essa relação que esse sujeito tem com o mundo. Então, acho que o maior problema do psicanalista não é a medicação, mas a crença de que a medicação vai solucionar o caso. Como se uma palavra mágica fosse resolver o problema.

Para o tratamento, efetivamente, não faz diferença. Qualquer psicólogo sabe que existem pessoas que tomam remédio e as que não tomam. Nada disso vai afetar o tratamento. Mais uma vez, o que afetará é a crença de que a medicação vai solucionar o problema, sem olhar de fato para as questões internas do paciente.”