• Edição 211
  • 31 de março de 2010

Por uma boa causa

UFRJ 90 anos: o que o SUS mudou nas ciências da saúde

Diana Maul, graduada em 1970 pela Faculdade de Medicina da UFRJ, avalia evolução dos serviços de saúde nas últimas décadas

Thiago Etchatz


Em comemoração aos 90 anos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que serão completados em setembro, a série Por uma boa causa fará o balanço do desenvolvimento das áreas das ciências da saúde da universidade, tendo em vista a atuação do Sistema Único de Saúde (SUS). Nesta primeira edição, convidamos Diana Maul de Carvalho, professora doutora da Faculdade de Medicina da UFRJ, onde se graduou em 1970, e coordenadora do Museu Virtual da unidade, para fazer uma analise geral da evolução dos serviços de saúde no antigo estado da Guanabara nas últimas décadas.

Cabe lembrar que em setembro de 1920, mas precisamente no dia da independência, sete, foi fundada a Universidade do Rio de Janeiro, constituída pelo tripé: Escola Politécnica, Faculdade de Direito e Faculdade de Medicina – fundada pelo regente D. João VI com a chegada da Família Real Lusa em 1808. Em 1937, a principal instituição de ensino superior da então capital federal passou a ser conhecida como Universidade do Brasil, até que em 1965 ganhou a atual denominação de Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).  

Quase dois séculos depois da criação da Faculdade de Medicina, com a promulgação da Constituição Cidadã de 1988, foi fundado o Sistema Único de Saúde (SUS). A partir da integração entre o ensino e o serviço, capacitando os profissionais da saúde, a missão do SUS era democratizar o acesso a serviços de saúde de qualidade.  

Sobre esta premissa, a professora Diana conta que antes do SUS as atividades dos médicos eram desenvolvidas ou na clínica privada ou em hospitais e outras unidades de assistência públicas, sem integração a não ser informal. “O SUS trouxe a grande esperança de uma prática ética – com assistência universal; de uma prática mais eficiente – com a integração dos vários níveis de atenção e dos vários profissionais de saúde; e mais efetiva – com o uso adequado da tecnologia diagnóstica e da atenção farmacêutica”, afirma. 

A doutora conta que o Rio de Janeiro, antiga capital da República, tinha extensa rede de postos de saúde. Nestes eram desenvolvidas atividades de medicina preventiva: vacinação, acompanhamento do desenvolvimento de crianças, pré-natal, programas específicos de controle de doenças como tuberculose e hanseníase. O Estado da Guanabara administrava as emergências como os hospitais Miguel Couto, Getúlio Vargas, Souza Aguiar. E o governo federal possuía extensa rede de hospitais dos programas especiais como de Câncer, de Saúde Mental, e também rede ambulatorial da previdência social. 

“Os trabalhadores que não estavam no sistema previdenciário não tinham direito ao atendimento nas unidades da previdência. Os hospitais da Santa Casa e de outras instituições filantrópicas atendiam os ‘indigentes’, e também tinham leitos conveniados com a previdência social. A medicina privada era exercida em consultórios e clínicas e hospitais privados não havendo em quantidade significativa sistema de planos de saúde ou de seguro-saúde”, lembra Diana Maul.  

Até que nas décadas de 1970 e 1980 foram desenvolvidos vários projetos de interiorização da medicina e de organização de um sistema público de saúde integrado. “Destas discussões e projetos, como as Ações Integradas de Saúde (AIS) e o Sistema Unificado Descentralizados de Saúde (SUDS), foi se estruturando a proposta do SUS, finalmente aprovada na 8ª Conferência Nacional de Saúde em 1986, em Brasília”, conta a médica. 

No entanto, apesar de importantes mudanças na cobertura de atenção à saúde, a doutora constata que “ainda estamos longe de poder comemorar a universalização real do direito à saúde, do acesso igualitário aos serviços”. Deste modo, em vez o sistema único público não assiste a toda população, que em grande parte dependente dos planos de saúde, “que apesar de todos os sistemas reguladores deixa a desejar”, diz Diana Maul.  

O SUS e a universidade 

De acordo com a professora, movimentos anteriores à proposta do SUS, mas já de discussão da questão da universalidade da atenção e dos sistemas integrados, influenciaram o desenvolvimento de departamentos de medicina preventiva e também na formação de enfermeiros, odontólogos, farmacêuticos e, principalmente, de propostas de integração ensino-serviço. “As chamadas áreas docente-assistenciais foram desenvolvidas por muitas universidades em convênio com estados e municípios”, salienta.  

Na UFRJ foram desenvolvidos projetos na área da saúde que integravam pesquisa, ensino e assistência com equipes multiprofissionais (docentes e discentes). “Cito o Projeto de Integração Docente-Assistencial, desenvolvido pouco depois da implantação do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), que envolveu 11 unidades da UFRJ (dez do Centro de Ciências da Saúde) diretamente, e muitas outras indiretamente”, relata a professora.

Por fim, Diana Maul avalia que “o SUS, apesar da sua implantação ainda estar longe da proposta inicial. Continua sendo um modelo fundamental para a formação integrada dos profissionais de saúde e penso que, quanto mais investirmos na formação ‘dentro do SUS’, também contribuiremos mais para a efetiva implantação do SUS que queremos: aquele que permite cumprir o preceito institucional de que a saúde é um direito de todos e um dever do estado”.