• Edição 218
  • 02 de junho de 2010

Faces e Interfaces

Médicos do Hospital Universitário avaliam relação entre câncer na boca e sexo oral

Pesquisadores britânicos concluem que o aumento de casos de tumores bucais se deve à difusão do vírus HPV através do sexo


Thiago Etchatz

Em março, a equipe do doutor Hishman Mehanna, médico do Hospital Universitário de Coventry, na Inglaterra, publicou um artigo de opinião no periódico “British Medical Journal” onde concluía que o aumento dos casos de câncer na base da língua, na amídala e até em partes do pescoço está relacionada à prática do sexo oral. Os pesquisadores argumentam que a mudança do comportamento sexual, desde o período pós-guerra, foi responsável por disseminar o HPV (papilomavírus humano) através do aumento da incidência do sexo oral e sua prática com diferentes parceiros, principalmente entre os jovens.

Sabidamente, as lesões provocadas pelo vírus são responsáveis por tumores no pênis, ânus e colo do útero. E o grupo de Mehana aponta que o HPV também é o causador do câncer na boca, um problema que já não é mais raro. O artigo menciona estudo realizado na Suécia por quase 40 anos. Ele procurou pelo HPV em biópsias de tumores retirados da orofaringe. Nos anos 1970, o vírus foi encontrado em apenas 23% dos tumores. Já em 2006 e 2007, foi achado em 93%.

No entanto, em geral as pessoas infectadas pelo papilomavírus não apresentam qualquer problema grave, as lesões regridem naturalmente. E as pesquisas sobre a relação entre HPV e câncer na boca não estão totalmente consolidadas.

Para avaliar essa ligação entre o sexo oral e o câncer na boca, o Olhar Vital consultou o oncologista Carlos Eduardo Nogueira e o ginecologista Renato Ferrari, ambos do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF/UFRJ).

Carlos Eduardo Nogueira

Chefe do Serviço de Oncologia do Hospital Universitário Clementino Fraga (HUCFF/UFRJ)

“Pode-se dizer que é factível a associação entre o aumento da prática de sexo oral e o aumento da incidência de câncer de cavidade oral, orofaringe, base de língua, entre outros. Há muito tempo é sabida a associação entre HPV e estes tumores e dado que merece ênfase é que na maioria das vezes os tumores relacionados ao HPV geralmente acometem pacientes mais jovens e sem outros fatores de risco para a doença, como tabagismo e etilismo (consumo de álcool). Interessante também é que o curso clínico da doença é diferente em relação aos tumores de cabeça e pescoço não associados ao vírus.

Ratifico que é possível a associação entre o aumento da prática de sexo oral e o aumento na incidência destes tumores uma vez que um fator de risco bem conhecido para a gênese deles é a infecção por HPV, que tem na via sexual sua principal forma de transmissão. Outro dado interessante é que nos países desenvolvidos, apesar do tabagismo ter reduzido nas últimas décadas a incidência destes tumores não reduziu, indicando que outros fatores de risco estão atuando.

Não tenho informação quanto ao rigor estatístico para a realidade brasileira, mas o que percebo na prática diária é que a incidência destes tumores persiste alta. Cabe ressaltar que no Brasil os hábitos do tabagismo e do etilismo não reduziram como em alguns paises desenvolvidos e isto pode contribuir para o quadro.

Faz-se necessária uma documentação fundamentada em estudos com maior rigor metodológico, mas esta associação entre HPV e tumores de cavidade oral, orofaringe, língua e etc. já e robusta. A infecção por HPV é comum, mas nem todos os pacientes apresentam problemas relacionados a ele, indicando que outros fatores podem contribuir para o desenvolvimento das doenças, como os fatores genéticos e imunológicos. A forma mais segura de prevenir a transmissão do vírus é a utilização de camisinha”.

Renato Ferrari

Professor Adjunto do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFRJ e ginecologista do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF/UFRJ)

“É uma análise (da relação entre o aumento dos casos de tumores na boca e o sexo oral) que deve ser levada em consideração, apesar de que é necessário um maior número de estudos que comprovem uma relação direta do coito oral com o aumento no número de câncer de boca e a infecção pelo vírus do HPV. O aumento na incidência do HPV se deve a uma maior liberdade dos jovens para a vida sexual, pelo seu início mais precoce, pela multiplicidade de parceiros e pela aversão pelo sexo protegido com o uso da camisinha.  

A disseminação do vírus se deu muito mais pelo sexo vaginal e anal do que pelo sexo oral, eu diria que o vírus HPV se multiplicou muito na vulva, na vagina, no colo do útero, no ânus e no pênis nesses últimos anos. E o coito oral permite o contato do vírus com a mucosa da boca desencadeando alterações celulares que levam ao câncer da boca.  

Eu não generalizaria dizendo mucosa genital (numa comparação com a mucosa da boca), pois a vulva e o pênis são cobertos por um epitélio escamoso ceratinizado não sendo chamado de mucosa. Apenas a vagina, o colo do útero e por dentro da uretra é que o epitélio se chama mucosa. A mucosa da boca pode ser considerada de certa forma muito parecida com a mucosa do trato genital. Aí sim o comportamento do vírus pode ser semelhante. 

No entanto acredito que no trato genital a fricção que ocorre no ato sexual favoreça a infecção pelo vírus do HPV com mais facilidade do que no coito oral nas lesões ditas sub-clínicas, pois ocorrem pequenas fissuras no epitélio permitindo a entrada do vírus. Nas lesões sub-clínicas o vírus se encontra nas células mais profundas do epitélio. No entanto na presença de verrugas algumas vezes não visíveis pelos portadores, o vírus pode ser transmitido mais facilmente, pois as células infectadas se encontram mais superficiais não necessitando tanta fricção . 

Concordo plenamente que para se concluir que o sexo oral esteja levando ao aumento do câncer na boca são necessárias provas mais bem fundamentadas, mais estudos. A maioria das infecções pelo vírus do HPV ocorre de uma forma silenciosa e não causa qualquer problema de saúde.

Quanto a se fazer sexo oral com camisinha, pergunto: os leitores fazem sexo oral com camisinha? Seria como se diz “comer bala com papel”. Fazer sexo com camisinha debaixo d’água seja no chuveiro, banheira ou piscina é quase impossível. Portanto é complicado! Já é difícil fazer com que as pessoas usem camisinha no sexo vaginal e anal, no sexo oral é mais difícil ainda”.