• Edição 226
  • 29 de julho de 2010

Faces e Interfaces

A Esquizofrenia pode ser evitada?


Carolina Mazzi

A Esquizofrenia é  uma doença psiquiátrica que acomete cerca de 1% da população mundial ao longo da vida. Apesar dos avanços científicos no tratamento, a doença ainda é um grande mistério para os especialistas e as medicações, atualmente disponíveis, continuam limitadas.  

Uma recente pesquisa da Universidade de Tel Aviv (UTA), em Israel, levantou novamente o debate em relação à prevenção e controle da patologia. Segundo a professora Ina Weiner, do Departamento de Psicologia da UTA, foi possível determinar, através de experimentos com ratos, que, em caso de detecção precoce da doença, uma das medicações atualmente utilizadas para atenuar os sintomas, funcionaria também na prevenção da doença.  

Para tentar entender a doença e saber se realmente ela pode ser evitada, o Olhar Vital ouviu o psiquiatra Nelson Goldenstein, do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicopatologia e Subjetividade, do Instituto de Psiquiatria (Ipub) da UFRJ e transcreveu a opnião de Elie Cheniaux também psiquiatra do Ipub em entrevista a esse boletim sobre o assunto.

Nelson Goldenstein

Professor do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicopatologia e Subjetividade, do Instituto de Psiquiatria (Ipub)

“A pesquisa em questão deve ser vista com muita cautela. Hoje, o mais promissor campo de pesquisa em Psiquiatria é o uso de estratégias para identificar indivíduos que podem desenvolver a esquizofrenia, instituir intervenções que impeçam a abertura do quadro clínico pleno, ou que reduzam a gravidade de sua manifestação.  

Ainda não é possível determinar quais indivíduos se situam em vias de real adoecimento, o que dificulta o reconhecimento precoce da esquizofrenia. A rigor, as atuais abordagens de reconhecimento precoce só permitem afirmar estados de risco mental, sem qualquer antecipação de diagnóstico preciso da esquizofrenia. É um tema muito complexo, e deve ser lido de maneira cuidadosa, as características da esquizofrenia só podem ser determinadas com total segurança quando o paciente já apresenta o quadro clínico bem definido.  

Uma das hipóteses atuais é a de que a esquizofrenia pode estar relacionada com uma alteração no neurodesenvolvimento, ou seja, à época em que as ligações entre os neurônios estão sendo estabelecidas, possivelmente no primeiro trimestre da gestação. Intervenções em período pré-mórbido poderiam retardar ou impedir a continuidade do processo que leva ao desenvolvimento de estados de riscos mentais. 

Os dados que corroboram esta hipótese são os estudos que têm mostrado de forma consistente que intervenções precoces podem melhorar o prognóstico e evolução da doença. 

A doença pode ser o resultado final de várias causas. Entre diferentes fatores associados, por exemplo, há 22 genes reconhecidamente implicados no aparecimento da esquizofrenia e estes não são os únicos fatores determinantes para a manifestação da doença.  

Atualmente, trabalhamos com a hipótese de vulnerabilidade versus estresse. Muitas pessoas que são suscetíveis à doença não vão desenvolvê-la. A dificuldade na detecção precoce e na determinação das causas, são os motivos pelos quais a pesquisa da Universidade de Tel Aviv, apesar de extremamente relevante, não deve ser vista com tanto otimismo.  

As pesquisas em relação à esquizofrenia já atravessaram diferentes etapas até os dias atuais. Os estudos controlados, que buscam explicar possíveis mecanismos da doença, começaram entre as décadas de 1940 e 1950. Nesta época, os fenômenos psicopatológicos eram estudados pelo viés psicológico, privilegiando hipóteses de mecanismos psicológicos.  

Hoje, as pesquisas buscam articulações entre os conhecimentos oriundos dessas diferentes áreas. Afinal, somos psicológicos, biológicos e sociais. A rigor, não podemos afirmar quais fatores são causa, ou consequência, mas sabemos que estão interligados. Por isso, estudamos suas correlações, evitando preconceitos entre as diferentes áreas”.

Elie Cheniaux

Psiquiatra do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro

“Ninguém sabe se a esquizofrenia de fato existe. Na verdade é um conceito, pelo fato do desconhecimento das causas e da realização de diagnósticos por meio de sintomas.

Nas décadas de 60 e 70, surgiram protestos que contestavam a existência de doenças mentais, sob a alegação de que as pessoas consideradas loucas na verdade teriam uma verve revolucionária, pessoas que se oporiam ao sistema. No caso da esquizofrenia especificamente, até hoje é comum confundir os sintomas com rebeldia, crises existencialistas e também com uso de drogas.

É importante a divulgação não só da esquizofrenia, mas da doença mental como um todo, pois existe um preconceito muito grande. A doença mental é muito estigmatizante; por isso, quanto mais informação as pessoas tiverem, melhor. Assim, de forma mais saudável, podem lidar com quem sofre da doença.

Geralmente o esquizofrênico tem uma vida social pobre: poucos amigos, dificilmente namora ou se casa, é sustentado pela família, quase não sai de casa, dificilmente trabalha ou, quando isso acontece, exerce funções simples devido às dificuldades de cumprir responsabilidades.

Apesar disso, temos o exemplo da vida do matemático americano John Nash, popularizada pelo filme Uma Mente Brilhante, lançado em 2001. Nash, que chegou a receber um prêmio Nobel, apresentava uma inteligência incomum a quem sofre da doença. O filme também teve contribuição para a divulgação da doença, porém apresentou-a de forma distorcida da realidade. O personagem de Russel Crowe tinha alucinações auditivas acompanhadas de visões.

Na realidade isso não acontece, pois as alucinações são unissensoriais: ele ouve ou ele vê, uma coisa de cada vez. Mas isso é detalhe diante do conteúdo principal baseado em fatos reais da vida de John Nash, que serve como fonte de entusiasmo àqueles que pensam que a esquizofrenia é totalmente incapacitante.”