• Edição 227
  • 05 de agosto de 2010

Faces e Interfaces

Projeto de Lei veta palmadas em crianças e adolescentes

O castigo físico é necessário na educação?


Bruno Motta

O Projeto de Lei (PL) número 7672/2010, em discussão na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, proíbe pais, professores e educadores de utilizar castigos corporais, como empurrões, beliscões e palmadas, com a intenção de corrigir crianças e adolescentes.

A proposta altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído em 1990, incluindo a definição da expressão “castigo corporal” como “ação de natureza disciplinar ou punitiva com uso de força física que resulte em dor ou lesão”. 

Outra medida é  a proibição de submissão do menor a tratamento cruel e degradante, determinado no PL como “conduta que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize a criança ou o adolescente”.

Para discutir o tema, o Olhar Vital convida as professoras da UFRJ Hebe Signorini, do Instituto de Psicologia (IP) e Regina Celi da Cunha, da Faculdade de Educação (FE).

Hebe Signorini

Professora do Instituto de Psicologia da UFRJ (IP) e pesquisadora do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas sobre a Infância e Adolescência Contemporâneas (Nipiac), vinculado ao Programa de Pós-graduação do IP

“A quase totalidade dos pais com os quais já conversei a respeito admite o uso da palmada como recurso educativo; no Brasil, essa constatação é uma unanimidade entre os estudiosos. Trata-se além do mais do motivo que levou à formulação do Projeto de Lei, um indício de que o consenso acerca do uso generalizado da palmada como recurso educativo não está restrito à academia, mas presente também entre os legisladores e gestores públicos.

O recurso à palmada como método educativo está ancorado em tradições culturais. O brasileiro tende a lidar com as relações sociais como relações de hierarquia e de dominação; em todas as esferas: na família, na rua, nas relações de trabalho e na esfera política, pensamos nossa participação social como uma luta calcada na imposição da vontade de uns sobre os outros; raramente nos propomos a relações não-hierárquicas, horizontais, comportando a escuta do outro.

Neste sentido, a adoção da palmada como recurso educativo ganha sentido – ainda que não se justifique – na nossa formação social. Do ponto de vista da família, é um comportamento que não destoa de tudo aquilo quanto ela já aprendeu, assistiu e ainda vivencia no seu dia-a-dia. A razão é, portanto, uma razão cultural, invocada na história de cada um e na tradição cultural da qual nenhum de nós é capaz de abrir mão impunemente.

Apesar das razões culturais a que me referi, o que tenho observado é que os pais tendem a submeter a um crivo crítico as punições a que foram submetidos na sua própria infância. Esse exame os tem levado a reduzir a intensidade punitiva ao longo das gerações: as surras violentas, aplicadas muitas vezes com objetos, hoje dão lugar à palmada; assistimos, portanto, ao que tenho chamado de um abrandamento punitivo, de geração a geração.

Além disso, mesmo os pais que defendem o uso da palmada como recurso educativo afirmam que ela só se justifica quando sucede outras estratégias educacionais: a admoestação verbal, o castigo, e a própria ameaça da punição física. Esse regramento cultural, indício adicional do abrandamento punitivo, mostra outros caminhos que não a regulação da lei para a redução da palmada, para a eliminação dos castigos físicos de qualquer intensidade, para o banimento da tortura da crueldade do seio de nossas relações sociais – em qualquer nível."

Regina Celi Oliveira da Cunha

Professora do Departamento de Didática da Faculdade de Educação da UFRJ (FE)

“O Projeto de Lei tem um aspecto positivo e um negativo: o positivo é que chama atenção para o fato de que a educação tem que ser diálogo, não violência. A palmada é uma violência não só física, mas também para a auto-estima da criança.

O aspecto negativo é que a proposta interfere na intimidade da família. Apesar de reconhecer que é uma ingerência do Estado na vida privada, é  mais importante difundir a cultura da não-violência. Sou favorável à proposta, ponderando os dois lados.

A palmada é um hábito muito disseminado, mas há pais que já não educam seus filhos com esse costume. Se eles conseguiram formar cidadãos de bem empregando somente o diálogo, por que os outros não conseguem seguir a mesma fórmula? Os pais precisam ter a prática do diálogo e saber que a violência não pode fazer parte da educação”.