• Edição 241
  • 11 de novembro de 2010

Faces e Interfaces

No contexto social o álcool é considerado a pior droga

Estudo constata: álcool pode ser mais prejudicial que a heroína e crack

Luiza Ramos e Michelly Rosa

Normalmente, ouvimos dizer que os efeitos das drogas conhecidas como “pesadas” afetam a saúde de maneira mais grave e prejudicial. Em contrapartida, as “mais leves” e muitas vezes desconsideradas da categoria drogas, como álcool e cigarro, nos passam uma ideia de menos perigosas e por isso causariam menos danos à saúde.

Um estudo britânico, divulgado na publicação científica Lancet, analisou os danos causados aos usuários de drogas e às pessoas que os cercam e obteve a conclusão de que o álcool é mais prejudicial do que a heroína ou o crack. Os pesquisadores perceberam a heroína e a anfetamina, conhecida como "crystal meth", como as drogas mais perigosas à saúde do usuário, porém quando computados também os danos causados à família, amigos e pessoas próximas do usuário, o álcool, a heroína e o crack ficam no topo do ranking dentre as mais nocivas.

Ainda de acordo com o estudo o cigarro e a cocaína foram considerados igualmente prejudiciais também quando se leva em consideração as pessoas do círculo social dos usuários, drogas como LSD e ecstasy foram classificadas entre as menos danosas.

Para saber a opinião de especialistas a respeito dos efeitos das drogas na saúde de quem usa e de quem convive com o usuário, o Olhar Vital consultou Marilurde Donato e Marcelo Cruz, coordenadores de projetos da UFRJ ligados a drogas.

Marcelo Santos Cruz

Coordenador do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas (PROJAD) do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (IPUB/UFRJ)

“Não é que o álcool seja mais prejudicial que a heroína ou o crack. Aliás, eu não vejo a utilidade de tentar estabelecer este tipo de hierarquia estática das drogas em relação ao prejuízo que pode provocar. Os seus efeitos, riscos e prejuízos devem ser avaliados considerando o contexto, o padrão de uso, a pessoa que usa e também o tipo de droga.

Se você comparar o álcool com ele mesmo é fácil de ver que o uso moderado desta substância por um adulto numa situação social tem um risco muito menor que o uso por um adolescente ou por um adulto que esteja dirigindo. Da mesma forma quando se compara drogas diferentes. Assim, minha sugestão é que deixemos de ver a ação das drogas como coisas em si. Isto porque o prejuízo depende de inúmeras coisas, como o contexto social e familiar, a situação em que o sujeito usa a quantidade e outros fatores, não só da substância em si.” 

Marilurde Donato

Coordenadora do Núcleo de Intervenções Breves do Centro de Ensino e Pesquisa em Alcoologia e Adictologia da UFRJ (Cepral)

“O álcool é a substância psicoativa que mais causa alteração de comportamento no indivíduo. Por isso causa mais danos não só à pessoa usuária como também à sociedade, pois atinge a família, à rede social, o desempenho escolar e no trabalho.

De acordo com minha experiência, o álcool é a substância mais incidente, ou seja, mais usada nos casos que atendemos. O fato de ser lícita ajuda nessa estatística, nós atendemos muito mais pacientes com problemas com álcool do que com outras drogas.

A família torna-se co-dependente, ou seja, fica tão doente quanto a pessoa usuária de álcool. Passa a ter os mesmo sintomas do alcoolismo sem usar qualquer droga. Por isso, qualquer programa de tratamento contra o alcoolismo deve tratar também a família.

O usuário de álcool, além de mudar o comportamento com a família e a sociedade, atinge também ao trabalho. A pessoa começa a demonstrar baixo rendimento, irritabilidade, faltas principalmente às segundas-feiras durante a manhã e as sextas na parte da tarde, além de possíveis discussões no trabalho ou até agressões. Isso causa grande mobilidade do servidor entre setores de trabalho.

A família é  fundamental para o tratamento do indivíduo. Quando a família está em tratamento auxilia ao usuário de álcool a rever o seu comportamento. Por isso, é necessário que se frequente os centros de apoio à família para ajudá-lo a conseguir sua abstinência. Quem não tem família conta com a rede social. Amigos, colegas de trabalho e até chefes auxiliam o paciente nesse sentido.

A aceitação do usuário de que há uma dependência de uso de álcool é muito difícil, por isso, o Núcleo de Intervenções Breves da UFRJ motiva o servidor a reconhecer e entender que é dependente e que deve fazer o tratamento.”