• Edição 210
  • 25 de março de 2010

Faces e Interfaces

Produtos para emagrecer que ativam o olfato em xeque

Substâncias “enganariam” o cérebro propiciando sensação de saciedade


Marlon Câmara e Thiago Etchatz

Ganham cada vez mais espaço nos mercados europeu e norte-americano produtos que prometem o emagrecimento a partir da ativação do olfato. Em forma de grânulos ou pós, que são adicionados a pratos e lanches prontos, adesivos ou canetas com aroma, tais produtos apresentam o mesmo mecanismo para a perda de peso, um truque para “enganar” o cérebro.

Assim que comemos, receptores de cheiro e paladar enviam mensagens ao cérebro que libera hormônios que indicam que é hora de parar de comer. A ação dos produtos “emagrecedores” incrementaria a atividade olfativa, tornando mais rápida a sensação de saciedade e levando o indivíduo a comer menos.

Segundo nutricionistas, substâncias que compõem o produto não oferecem risco, mas também não auxiliam na redução da gordura corporal.

Mesmo com certificação científica, não foram divulgados artigos em revistas médicas indexadas sobre tais produtos que prometem o emagrecimento sem maiores dificuldades. E nem seus resultados vieram à tona em congressos da área médica.

Diante dessa polêmica, para opinar sobre a eficácia do mecanismo de “enganar” o cérebro a partir da ativação do olfato, tendo em vista a ação de tais produtos que prometem redução de peso, o Olhar Vital consultou o neurologista José Luiz de Sá Cavalcanti e o otorrinolaringologista Geraldo Augusto Gomes.

José Luiz de Sá Cavalcanti

Diretor do Instituto de Neurologia Deolindo Couto (INDC) da UFRJ

“O olfato e o paladar estão implicados no desencadear da sensação de saciedade, mas não exclusivamente, pois a região do cérebro responsável por essa sensação (hipotálamo) tem outras conexões.

Qualquer objetivo que uma pessoa esteja envolvida com um firme propósito de alcançar, como, por exemplo, querer emagrecer, faz com que mecanismos psicológicos atuem, independentemente do método empregado para alcançar aquele objetivo.  

Mesmo nos ensaios terapêuticos  duplos cegos randomizados, quando nem o pesquisador, nem o paciente sabem se estão em uso de um produto ou não, pacientes que fazem uso da substância inativa podem apresentar bons resultados, por efeito placebo.  
Alguns odores e sabores podem provocar, além da sensação de saciedade, náuseas, vômitos e desconforto. Quem consegue se alimentar com prazer num ambiente fétido?

A maioria desses produtos é invenção de marketing e não necessariamente passam pelo rigor científico. Por isso seus autores não se expõem em publicações ou discussões em reuniões científicas.” 

Geraldo Augusto Gomes

Otorrinolaringologista do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF/UFRJ)

“É possível, sim, que a ativação do olfato acarrete a sensação de saciedade da pessoa e, consequentemente, seu emagrecimento. O olfato, assim como os outros sentidos, causa uma reação no sistema límbico, que é responsável pelas emoções do corpo humano. Ao sentir um cheiro forte que remeta a memória do indivíduo ao alimento, ela pode se sentir de várias maneiras, inclusive saciado.

Parte da reação que leva à sensação de saciedade vem também do sistema endócrino, cujas glândulas levam informações ao cérebro baseadas na informação olfativa. Acontece o mesmo no caso dos feromônios, substâncias químicas naturais que são liberados por diversos animais, inclusive pelo ser humano e que, segundo acreditam alguns estudos, despertam estímulos sexuais nos indivíduos do sexo oposto, através do cheiro da substância.

Da mesma forma que o cheiro de algum doce que se tenha comido demais durante a infância possa dar a sensação de enjôo ou trazes um incômodo atualmente, o olfato pode trazer diversas sensações diferentes, muitas ligadas ao paladar e à alimentação. Os experimentadores de vinhos, por exemplo, não só sentem o gosto da bebida, como também a cheiram, pois aquilo complementa a degustação.

Até o momento, não há  qualquer evidência científica de que as substâncias utilizadas para a fabricação desses produtos para ativação do olfato, como a hortelã, o milho maltodextrina ou o fosfato tricálcico possam causar algum dano ao nariz ou à função olfativa.”