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Edição 192
08 de outubro de 2009
“Essas células são um barato!”: eis o que ouviu Fernando Garcia de Mello, professor do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF) da UFRJ, quando contou ao pesquisador Jean Cristophe Houzel sua descoberta a respeito das células de glia da retina (responsáveis pela visão). A reação do colega não poderia ser outra diante da novidade: estas células, se cultivadas in vitro, passam a expressar espontaneamente características de neurônios destruídos com o mal de Parkinson. Isso significava que a solução das alterações motoras causadas pela doença poderia estar numa terapia que utilizasse as células em estudo. Sendo assim, era preciso investigar a hipótese.
Jean Houzel, por sua vez, tinha o modelo experimental para testes de doença de Parkinson em camundongos. Era exatamente o que faltava para que se iniciasse a pesquisa inovadora. “A ideia era destruirmos um dos dois sítios de neurônios responsáveis pelo controle motor dos animais. Desta forma, ocorre paralisação de um lado do corpo do camundongo e, ao iniciar um movimento, ele gira em torno do próprio eixo”, explica Fernando de Mello.
Trata-se de uma simulação da doença de Parkinson no animal, para que se torne possível o teste da nova terapia. Após essa fase, as células da retina são injetadas no cérebro do camundongo, com o objetivo de repor os neurônios perdidos. Espera-se então para ver se o procedimento corrige as deficiências motoras anteriormente introduzias no animal. “Não deu outra: dos dez camundongos em que houve a inserção das células no sítio lesionado, todos ficaram curados em aproximadamente um mês e meio”, aponta Fernando. No entanto, ele ressalta que ainda é preciso observar se a cura é permanente, pois há a possibilidade de perda das novas células e regressão à falta de controle motor.
Células espontâneas
Segundo Fernando, até o momento este é o primeiro tipo de célula que adquire de forma espontânea as características que propiciam a aplicação no tratamento do mal de Parkinson. “A utilização de terapias celulares para controlar alterações motoras comuns na doença não é novidade. A vantagem das células que estudamos em relação a outras aplicadas com o mesmo fim é que adquirem o fenótipo sem serem manipuladas. Quando se utilizam células-tronco, por exemplo, é preciso inserir genes. Isso as torna passíveis de gerarem tumores. Manipulação sempre é um problema quando se trata de terapia celular”, constata.
De acordo com o professor, o defeito causado pela doença de Parkinson ocorre numa região do cérebro chamada estriato, devido à falta de produção e liberação de uma substância, a dopamina. Atualmente, o tratamento de escolha para pacientes consiste na aplicação de medicamentos que repõem a dopamina em escassez no cérebro. Porém, esta é uma terapia que apenas compensa a patologia. Sua eficácia dura em média cinco anos. Já as células de glia da retina podem representar uma esperança de cura: “Quando purificadas, passam a não apenas sintetizar a dopamina, mas também jogá-la para fora”, aponta Fernando, que conduz o estudo há dois anos no Laboratório de Neuroquímica do IBCCF.
O professor Stevens Kastrup Rehen, diretor-adjunto de pesquisa do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da UFRJ, e o doutorando Bernardo Stutz Xavier, do IBCCF, também participam do trabalho junto a Fernando e Jean Houzel, docente do Laboratório de Fronteiras em Neurociências do ICB. O estudo foi apresentado na XXXI Jornada de Iniciação Científica (JIC) da UFRJ pelo mestrando do ICB Fábio da Conceição e por Raphaelly Pereira, estudante de graduação da Faculdade de Farmácia (FF) da UFRJ.
“Temos o modelo animal funcionando, esta é uma vantagem. Mas estamos longe de dizer que, com isso, vamos curar a doença de Parkinson. O plano atual é preparar alguns animais, tratá-los e observar se não regridem à deficiência. Este é um fator fundamental para pensarmos em desenvolver células dessa natureza que possam ser usadas primeiramente em algum primata e, no futuro, em humanos”, relata o professor. Ele informou que o trabalho ainda será publicado e as células da retina estão sendo estudadas bioquimicamente, para a verificação de aspectos como tempo de duração e padrão de estabilidade. “Até agora, a coisa está dando certo”, comemora Fernando Garcia de Mello.