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Edição 201
10 de dezembro de 2009

Faces e Interfaces

Pesquisadores alemães desenvolvem droga do prazer feminino



Especialistas da UFRJ dão o parecer sobre a substância que pretende estimular mulheres com baixa libido

Tássia Veríssimo e Thiago Etchatz

O sexo dita o comportamento do mundo contemporâneo. As relações pessoais, a moda, a propaganda e o consumo são apenas algumas marcas da sociedade permeada pelo tema, presente a todo instante na mídia. Entretanto, pesquisa realizada com 749 mulheres na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, revelou que o desinteresse sexual acometia 33,2% das entrevistadas, trazendo à tona que o Transtorno do Desejo Sexual Hipoativo (TDSH) é mais comum do que se imagina. A disfunção, descrita pela Associação Americana de Psiquiatria e pela Organização Mundial de Saúde, caracteriza-se pela ausência de desejo sexual por um período superior a seis meses.

Para combater a falta da libido feminina, o laboratório alemão Boehringer Ingelhein desenvolve tratamento a partir da droga flibanserin, já anunciada como o “Viagra feminino”. Estudada desde os anos 1990, inicialmente como um antidepressivo, ela promete modular a disponibilidade de serotonina — neurotransmissor responsável pela sensação de prazer — aumentando o nível de neurotransmissor fundamental para instigar o desejo sexual, a dopamina. Porém, a eficácia do “Viagra feminino” ainda não foi comprovada e, por conseguinte, não há previsão para a sua comercialização.

Para esclarecer o que é o TDSH, as causas da redução do desejo sexual feminino e opinar sobre essa nova droga, o Olhar Vital convidou para uma entrevista o ginecologista Renato Ferrari e a psiquiatra Magda Vaissman.

Renato Ferrari

Médico ginecologista do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho e professor da Faculdade de Medicina da UFRJ

“Classifica-se de Transtorno de Desejo Sexual Hipoativo (TDSH) uma deficiência ou ausência de fantasias sexuais e/ou desejo de ter atividade sexual. Nas pessoas atingidas pelo TDSH existe pouca motivação para a busca de estímulos sexuais, além de pouca frustração quando privado da oportunidade de expressão sexual. Essa doença pode ocorrer em associação com outras disfunções sexuais, como a Disfunção Erétil Masculina, por exemplo. Para ser classificado como TDSH o problema deve causar acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal.

É muito difícil falar sobre as causas e possíveis soluções. Uma avaliação psicológica deve ser realizada e devem ser afastados problemas clínicos que levem a esse transtorno. No caso de o TDSH ser provocado por uma doença clínica, o tratamento pode ser a solução.

A substância flibanserin, anunciada como a base para o novo medicamento e combate ao TDSH, é uma droga recente e ainda encontra-se em estudos, portanto é muito cedo para se afirmar que ela é a solução para a diminuição da libido da mulher. A flibanserin modula a disponibilidade da serotonina, que é um neurotransmissor (uma molécula envolvida na comunicação entre as células do cérebro, os neurônios). Ela altera a recaptação dessa molécula na sinapse, ou seja, no espaço que existe entre um neurônio e outro, e com isso diminui a concentração da substância fora das células, aumentando assim sua concentração dentro das células. É disponibilizada mais serotonina para agir nos neurônios.

Os efeitos colaterais observados com o uso dessa nova droga foram sonolência, tontura, ansiedade, boca seca, náusea e insônia. Não foram ainda definidas as contraindicações absolutas para mulheres saudáveis ou sem patologias relacionadas ao sistema nervoso central.

A designação de "Viagra Feminino" não é pertinente, uma vez que os dois medicamentos têm funções diferentes. O Viagra e drogas semelhantes causam uma vasodilatação peniana, que é o mecanismo da ereção no homem. Não é essa a função da flibanserin. A ação dessa nova droga seria central, e não local. Estaria relacionada com a sensação do prazer, a partir do aumento da concentração de serotonina.”

Magda Vaissman

Doutora em psiquiatria e professora do Instituto de Psiquiatria (IPUB) da UFRJ

“Não conheço essa droga (flibanserin). Atualmente a baixa libido está relacionada, nas mulheres jovens ou até antes da menopausa, à depressão. Quarenta por cento das mulheres com baixa libido têm algum transtorno relacionado à depressão ou à ansiedade. Por isso, a flibanserin, que foi sintetizada inicialmente como antidepressivo, provavelmente atuou nos neurotransmissores cerebrais das mulheres que tinham alguma disfunção nessa área, aumentando o desejo sexual, liberando maior quantidade de dopamina no círculo de recompensa (área do cérebro responsável pelas sensações de prazer) ligado ao álcool, às drogas, mas também ao sexo e ao desejo.

Não acredito nisso (num “Viagra feminino” relacionado apenas à questão da química cerebral). No caso da mulher, o desejo sexual está ligado a uma série de coisas. Há várias ideias, representações, crenças, emoções; no caso do homem é diferente porque ele tem um membro a levantar. Essa ligação do desejo sexual, do despertar na mulher, é diferente da do homem. São vários elementos que estão ligados.

É um conjunto de coisas que faz a mulher ter maior ou menor desejo sexual. A cultura, o ambiente onde ela vive, a questão hormonal. Após a menopausa há a diminuição da produção do estrogênio, os ovários involuem. Não quer dizer que as mulheres que entram na menopausa não tenham desejo, mas é um desejo mais hipoativo. Ao fazer reposição hormonal, para certas mulheres, isso reativa o desejo.

O desejo da mulher é complexo. Não está somente na ausência de hormônios. Está também no sentimento, na autoestima, uma série de coisas. Por isso é mais difícil achar um “Viagra feminino”. O masculino é só a questão mecânica. É preciso tratar não apenas da questão fisiológica, mas também psicológica. Essa possível droga teria de tratar do humor da mulher, do centro de recompensa e interferir na relação hormonal, neuroendócrina.

Ela combateria a depressão e atuaria, sobretudo, no centro de recompensa, na estimulação. Uma vez estimulada, a mulher teria prazer, e isso está relacionado à serotonina que está ligada aos outros neurotransmissores, como a dopamina, que é a que dá a grande sensação de prazer. Mas se você tem uma baixa de serotonina, não se tem uma produção adequada de dopamina. Então teria que restabelecer isso através da medicação. Porém, não significa que vá melhorar o prazer, a qualidade do sexo. Na mulher, esse problema está ligado à questão dos sentimentos e no homem à questão mecânica.

As pessoas estão muito individualistas, com mais medo de doenças sexualmente transmissíveis. E as mulheres querem maior qualidade de relacionamento, com mais afinidade, e às vezes não encontram isso nessa sociedade muito individualista, onde só se fala de sexo, sexo e sexo. Daí esse desejo hipoativo. Hoje, o mundo é mais complicado do que o de antigamente. Há uma competitividade e estresse maiores, exigência da sociedade. A própria inserção no mercado de trabalho pelas mulheres pode ser um agente na baixa da libido. A mulher consegue sublimar o sexo com muito mais facilidade do que o homem. Ela necessita que um sentimento esteja envolvido.”

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