www.olharvital.ufrj.br
Edição 179
9 de julho de 2009
Preocupado com o aumento no consumo de drogas, o Olhar Vital trouxe à discussão este mês a dependência química. Na edição desta semana, será abordada a questão do crack, que teve seu consumo bastante elevado no Rio de Janeiro. De acordo com o Relatório Mundial sobre Drogas 2009, lançado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc), no intervalo de um ano triplicaram as apreensões de crack no Brasil.
“Em diversas cidades o consumo tem aumentado, gerando enorme preocupação. Isso tem levado a esforços no sentido de aperfeiçoar os serviços de assistência e prevenção, assim como a capacitação dos profissionais”, aponta Marcelo Cruz, coordenador do Programa de Estudos e Assitência ao Uso Indevido de Drogas (PROJAD) do Instituto de Psiquiatria da UFRJ.
Segundo ele, o crack tem um enorme potencial de desenvolvimento de dependência, e isso acontece muito rapidamente. São raros os relatos de pessoas que usaram e não ficaram dependentes. Suspeita-se de que, nesses casos, o indivíduo simplesmente não criou dependência ainda, mas vai acabar criando, caso o consumo continue.
Marcelo, que também é vice-presidente da Associação Brasileira Multidisciplinar de Estudo sobre Drogas (ABRAMD), explica que o crack é uma forma de administração da cocaína. “Quando a droga é produzida por meio de determinado processo químico, forma os cristais chamados de crack. Estes são aquecidos em uma espécie de cachimbo improvisado e os vapores resultantes são fumados”, relata.
Quando esses vapores chegam ao pulmão, a molécula de cocaína é rapidamente absorvida para a corrente sanguínea e chega ao cérebro em segundos. “Assim, a cocaína administrada produz seu efeito de forma súbita e muito intensa e, em seguida, é eliminada rapidamente”, indica o especialista.
De acordo com Marcelo, da mesma maneira que outros tipos de administração de cocaína, os efeitos no organismo incluem: sensação de bem-estar, de poder e aceleração do pensamento. E ainda: irritabilidade, agitação, sudorese, aceleração dos batimentos cardíacos e aumento da pressão arterial. “Em doses altas ou repetidas, pode levar ao surgimento de ideias paranoides de perseguição, alucinações, arritmias cardíacas, infarto agudo do miocárdio, crises convulsivas e morte”, observa.
A ação nos pulmões pode provocar o chamado “pulmão de crack”. Trata-se de uma inflamação do pulmão que produz quadro semelhante ao de uma pneumonia infecciosa, com febre, tosse, expectoração, dor no tórax e falta de ar. Também pode ser grave e levar à morte.
“A cocaína é uma substância que libera dopamina em determinada área do cérebro, e isso produz um estímulo para a repetição do uso”, expõe Marcelo. No caso do crack, como o efeito é muito intenso e súbito, e a sua cessação também é rápida, o estímulo para a repetição é ainda mais intenso. Com isso, o crack tem forte potencial de desenvolvimento de dependência.
Segundo Marcelo cruz, pessoas que usam crack negligenciam completamente todos os seus demais cuidados, inclusive com a sua saúde e segurança. “Assim, tornam-se intensamente desnutridas e enfraquecidas”, afirma o especialista. Com grande frequência, para financiar o uso da droga, são desenvolvidas atividades em que o indivíduo se coloca em risco, como prostituição e roubo.
Tratamento
Atualmente, existem alguns serviços públicos que podem atender pessoas dependentes de crack. “A política de saúde privilegia a implementação de serviços extra-hospitalares e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS são as unidades que recebem os casos mais graves. Quando há necessidade de internação, a diretriz é que ocorra em enfermarias de hospitais gerais”, aponta Marcelo.
Ele acredita que é possível um usuário de crack ter recuperação completa. “Mas as pessoas que interrompem o uso devem mudar hábitos e desenvolver habilidades para evitar as situações antes associadas ao surgimento de sua vontade de usar a droga”, adverte. De acordo com o entrevistado, os familiares devem ter postura firme de apoio, de ajuda e informação sobre os recursos de tratamento. Quando os parentes necessitam de orientação, os serviços de saúde podem recebê-los para esse atendimento.
A realidade no Brasil
“A maioria das pessoas que usa crack no Brasil é das camadas mais carentes da população, pois é uma droga muito barata. Existe enorme preocupação dos serviços de saúde e de responsáveis pelas políticas sobre drogas com essas pessoas, porque às suas vulnerabilidades sociais se somam agora os problemas trazidos pelo uso dessa droga”, constata o especialista. A preocupação é ainda maior com crianças e adolescentes, já que grande parte dos usuários de crack se encontra nessa faixa etária, vulnerável socialmente.
O consumo de crack tem aumentado enormemente no Rio de Janeiro. “Em outras cidades, ele já existe há muitos anos, mas também tem aumentado, gerando enorme preocupação. Isso tem levado a esforços no sentido de aperfeiçoar os serviços de assistência e prevenção, assim como a capacitação dos profissionais”, conclui Marcelo Cruz.