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Edição 203
14 de janeiro de 2010
O Ministério da Saúde escolheu recentemente a vacina Synflorix para a imunização gratuita contra o pneumococo (bactéria causadora da pneumonia) no Sistema Único de Saúde (SUS). A vacina, que será aplicada em crianças de até 1 ano, não tem aprovação da FDA (Food and Drug Administration), agência americana reguladora de medicamentos e alimentos, e não possui efeito comprovado contra o tipo mais comum, porém menos grave, de pneumonia.
Novidade no setor farmacêutico, a Synflorix – produzida pela GSK (GlaxoSmithKline) – protege contra dez sorotipos do pneumococo, prevenindo doenças como pneumonia invasiva (mais grave), meningite pneumocócica, infecção generalizada e otite média aguda. Em março de 2009 o produto foi liberado pela Emea (European Medicines Angency) e em junho foi aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aqui no Brasil.
Atualmente, a imunização infantil contra o pneumococo é feita no Brasil com outra vacina, a Prevenar 7-valente (da Pfizer, laboratório que comprou a Wyeth), que combate sete sorotipos, disponível na rede pública apenas para crianças com quadro clínico diferenciado (HIV, câncer, asma, problemas renais e síndrome de Down) ou em clínicas particulares.
O Brasil foi o primeiro país a incluir a Synflorix em sua política nacional de saúde pública. O acordo entre o ministério e a fabricante, GSK, prevê transferência de tecnologia para a Fiocruz. Até 2017, a fundação, por meio da Bio-Manguinhos, produzirá integralmente a vacina.
Outro problema é que a Pfizer recentemente lançou Prevenar 13, eficiente contra 13 sorotipos. A nova vacina recebeu em dezembro do ano passado a aprovação da Emea e está aguardando a aprovação da FDA e da Anvisa ainda este ano.
Qual é a melhor vacina? Por que o governo brasileiro optou pela Synflorix e não pela Prevenar 13, que já tem eficácia comprovada e protege contra mais sorotipos? Para esclarecer essas dúvidas o Olhar Vital conversou com os doutores Edimilson Migowski, professor da Faculdade de Medicina (FM), e Marcos Lago, médico do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG) .
Edimilson Migowski
Professor da Faculdade de Medicina (FM) e chefe do Serviço de Infectologia Pediátrica da UFRJ
“A vacina Prevenar (7-valente) protege contra sete tipos diferentes de pneumococos, os principais. Quando se compara a 7-valente com a 10-valente, que é a Synflorix, observamos que a segunda protege contra mais três tipos de pneumococos, que são extremamente prevalentes no Brasil (trata-se dos mais envolvidos em pneumonias com quadros de maior gravidade).
A Prevenar é uma vacina muito boa, no entanto, protege apenas contra sete pneumococos. A proteção da Synflorix, contra dez, acaba sendo melhor. E há outro fator: a vacina Synflorix foi conjugada com outro tipo de proteína, e também protege contra hemófilos influenza não tipável, um dos grandes vilões da otite, que também pode causar meningite. Essa vacina é aplicada por via intramuscular aos 2, 4 e 6 meses de vida, e novamente após 1 ano de idade. É uma opção mais interessante do que a Prevenar em termos de saúde pública.
Para se provar que uma vacina é eficiente, é preciso realizar um estudo submetendo um grupo de pessoas à aplicação e outro não. Acompanha-se para ver se quem teve infecção invasiva foi vacinado ou não. Na época em que a Prevenar foi lançada nos Estados Unidos, não se sabia se funcionaria ou não. Houve uma cobertura vacinal muito boa e diversos aspectos foram descobertos depois de esta vacina ser lançada. Viu-se sua eficiência.
Com a comprovação de que existe uma vacina eficiente contra pneumococos, não seria ético submeter um grupo a uma nova vacina (Synflorix) e o outro não receber nada. Então a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que liberava outras vacinas com a mesma finalidade da Prevenar, desde que fossem tão imunogênicas e seguras quanto ela e que não tivessem efeito com outras vacinas. Foi mostrado que a Synflorix era tão imunogênica quanto a Prevenar e concluiu-se que essa nova vacina está fazendo os anticorpos funcionarem, no mesmo nível da 7-valente. Constatou-se que as vacinas seriam igualmente eficazes, com base em níveis de anticorpos semelhantes. Houve uma mudança de critério para se aprovar esta vacina.
Foi estudada a Synflorix para até dois anos de idade, pois, quando se amplia a faixa etária, o estudo sai mais caro e leva muito mais tempo. Então há um foco no grupo de maior risco, que são crianças de até dois anos. Caso haja interesse, estudam-se outras idades depois. No entanto, se o estudo realizado fosse para avaliar realmente a eficácia, e não só a capacidade de induzir resposta imune, seriam necessários de quatro a dez anos.
Concordo com a liberação da Synflorix pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Canadá, Austrália e países europeus e da América Latina já introduziram a vacina. A Synflorix funciona da mesma forma que a Prevenar, sendo que sua vantagem é ter dez componentes e, além disso, uma combinação com a proteína de hemófilos não tipável. Então, quanto antes for disponibilizada, melhor.
Neste ano de 2010, a Synflorix passa a ser importada e disponibilizada no Brasil. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) está incorporando a tecnologia e, dentro de alguns anos, passará a produzir a vacina e a distribuí-la. Isso é bastante interessante, pois não ficaremos à mercê das flutuações do mercado externo.”
Marcos Lago
Pediatra e infectologista do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG)
“Essa bactéria pneumococo é a responsável por várias doenças que colocam as crianças em risco de morte. Existem 90 tipos diferentes de pneumococos e variam muito de país para país quais são os mais comuns. A Prevenar, lançada em 2000, foi a primeira vacina realmente eficiente contra esse tipo de bactéria, e mesmo combatendo apenas sete sorotipos ela tem uma tecnologia que protege muito bem contra os pneumococos.
A vacina que o governo está lançando, com dez sorotipos, tem a mesma tecnologia da Prevenar, mas não são iguais. A vacina Prevenar já tem anos de uso com uma eficácia excelente e efeito colateral baixo.
Foi feito no Brasil um estudo realizado em Goiana para mapear os tipos de pneumococos mais comuns aqui. O estudo mostrou uma cobertura da Prevenar 7 em torno de 80%. Com a vacina de dez sorotipos esse número aumenta um pouco para algo em torno de 84%. É um aumento parcial pequeno, mais é um aumento.
A vacina com dez sorotipos (Synflorix) já foi estudada com relação à segurança e ela é muita boa nessa questão, porém não possuiu um estudo de eficácia em população, até porque ela nunca foi usada numa população. Em relação à Prevenar 7, a Synflorix tem a vantagem da maior cobertura, porém a desvantagem é que não sabemos se ela terá a mesma eficácia. Os dados apontam para uma grande eficiência da nova vacina, mas ainda não temos como saber.
O segundo ponto é o mais polêmico e conflitante. É que a Prevenar 7 é da indústria Pfizer, que recentemente comprou a Wyeth, e quem produz a Synflorix é a GSK. Ambas são indústrias grandes e confiáveis. O problema é que Pfizer já lançou uma nova vacina que faz a cobertura de 13 sorotipos. Essa é exatamente igual à 7, só que em vez de cobrir sete, vai cobrir 13 sorotipos. A briga das empresas é que causa a polêmica.
Com a Prevenar 13 a eficiência sobe para pouco mais de 90% e a confiabilidade da Prevenar já é garantida. O que não quer dizer que a Synflorix não vá adquirir a mesma confiabilidade, mas a da primeira já existe. O ponto principal é que o governo está comprando uma 10 quando já existe no mercado uma 13. A Europa já liberou o uso da 13, os EUA estão aprovando e aqui na América do Sul o Chile já liberou também o uso da nova vacina.
O que vai acontecer daqui pra frente? O que vai acontecer é que a partir do ano que vem toda a população brasileira vai ter um benefício enorme, porque vai ser vacinada contra o pneumococo e isso é um ganho muito grande. Mas a população mais abastada vai continuar vacinando na clínica particular, porque quem tem uma melhor condição não vai tomar a 10, e sim a 13. E isso vai criar uma situação de conflito.”