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Edição 206
25 de fevereiro de 2010
A sibutramina é um composto utilizado no tratamento da obesidade e funciona impedindo que a serotonina e a noradrenalina sejam levadas para fora das células nervosas do cérebro. A alta quantidade destes neurotransmissores no cérebro ajuda os pacientes a sentirem-se satisfeitos após uma refeição, reduzindo, assim, o consumo de alimentos.
Em 2002, a Agência Européia de Medicamentos (EMEA) requisitou um estudo sobre os efeitos da sibutramina em pacientes com risco de doenças cardiovasculares. Feito ao longo de 6 anos com mais de 10 mil usuários, o estudo indicou o aumento do risco de morte nessa população. Assim, a EMEA proibiu a comercialização da substância na União Européia.
Já no Brasil, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) reiterou a liberação do uso da droga, apenas incluindo na bula um alerta sobre os possíveis efeitos colaterais que o estudo demonstrou.
Para discutir a validade da liberação da sibutramina no Brasil, o Olhar Vital convidou os especialistas João Régis Carneiro e José Egídio de Oliveira, ambos do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho.
João Régis Ivar Carneiro
Endocrinologista do Programa de Cirurgia Bariátrica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho
“A sibutramina é uma droga que está disponível no mercado há um bom tempo. Ela age no sistema nervoso central diminuindo a recaptação da serotonina e da noradrenalina, fazendo com que os níveis dessas substâncias aumentem nas terminações nervosas. Isso gera uma sensação, em determinados locais do hipotálamo, de saciedade. Em algumas pessoas tem efeito melhor, em outras a tolerância é maior, assim como toda medicação.
É uma droga que já foi exaustivamente testada e utilizada no decorrer desses últimos anos e se mostra útil no combate à obesidade. Se levarmos em consideração o número de medicamentos hoje disponíveis - medicamentos sérios, éticos e que tenham algum efeito que possa ser aproveitado do ponto de vista terapêutico -, nos restam pouquíssimas opções. Existem promessas, mas remédios com um bom custo-benefício de uso a longo prazo para o tratamento da obesidade, nós temos uma lista muito pequena.
O que aprendemos no decorrer dos últimos anos com a obesidade é que não adianta usar remédios por dois ou três meses. Assim como no tratamento da hipertensão ou da diabetes, não há como curar tomando um medicamento por pouco tempo. Daí a necessidade de abrir os olhos para estudos que são feitos em longo prazo.
Esse estudo, o SCOUT, foi o que apontou um problema no uso prolongado da sibutramina. Mas ele foi feito com um grupo específico, que é um grupo que já tinha risco para doenças cardiovasculares. O resultado foi um aumento de 16% de mortes nos pacientes que usaram a substância, comparado aos que não usaram. Mas o estudo tem que ser interpretado de forma correta, porque ele se propôs a avaliar o custo-benefício nos pacientes com risco de doenças cardíacas. É uma população a quem eu, na minha prática clínica, normalmente já não prescrevo essa droga. Já não era a população típica para utilizar a droga, porque esta não é a melhor escolha para esse grupo.
Mas houve um interesse de estudar pra ver se poderia se ampliar o espectro de ação dessa droga, ou seja, aumentar o número de pessoas que poderiam se beneficiar dessa medicação. O que aconteceu foi: aqueles que usaram a sibutramina tiveram um desfecho menos favorável que aqueles que não utilizaram. Eu interpreto isso como um reforço da não indicação para este grupo de pacientes. Não posso pegar esses resultados e passar para toda a população, pois eles foram conseguidos através da análise de uma população específica. Eu não posso colocar todo mundo no mesmo saco.
Na minha prática, esse resultado não muda muito, pois eu já não prescrevia a sibutramina para um paciente que julgo desfavorável. Mas acho que partir desse resultado para tirar dos outros pacientes os benefícios que esta droga tem é uma decisão equivocada. Ainda mais se levarmos em conta a escassez de medicamentos para tratar a obesidade.”
José Egidio de Oliveira
Chefe do Serviço de Nutrologia do Hospital Clementino Fraga Filho
“Nós aqui no Hospital Universitário usamos a sibutramina para o tratamento da obesidade naqueles casos em que o paciente não consegue perder peso com as medidas higieno-dietéticas. Estas são um programa alimentar adequado, pouco calórico e balanceado, associado à atividade física. Quando o paciente não responde a esse tipo de tratamento e se ele não tem doenças cardiovasculares, hipertensão ou qualquer riscos, ele pode receber a sibutramina. Então, é nessa situação que a gente tem feito a indicação desta droga, desde o princípio, já seguindo as recomendações do bom uso do remédio.
Eu reconheço que no tratamento da obesidade, como é um problema de saúde pública, muitas vezes o obeso é tratado por outra pessoa que não o especialista. Não é um endocrinologista, ou um diabetólogo, ou um especialista em obesidade. Então esse médico pode não ter muito precisos os limites de indicação de drogas e pode acabar prescrevendo determinadas drogas em condições e situações em que não deveriam ser prescritas.
Provavelmente foi isso que aconteceu na Europa. Possivelmente alguns pacientes que não deveriam ter sido indicados a sibutramina usaram a droga. Então o EMEA acaba tendo que fazer estudos e proibir a substância. Aqui, no Brasil, a Anvisa toma certas precauções, então nós temos usado dentro das indicações precisas. Assim, evitamos o uso da sibutramina em pacientes portadores de hipertensão arterial, portadores de doenças cardiovasculares. Isso evita qualquer efeito colateral que a droga possa acarretar.
Eu não concordo com a proibição na Europa. Acho que o medicamento existe e deve ser bem indicado, porque nós sabemos que os medicamentos, mesmo que contra indicados para algum tipo de paciente, ainda têm sua terapia, seu valor. Temos que pesar o custo-benefício do tratamento para cada paciente, analisando bem, usando o medicamento em condições específicas; assim, diminuímos as possibilidades de risco para o paciente. Ou seja, tomando os devidos cuidados, a droga deve ser utilizada.
Então, eu acho essa uma media arbitrária. O que existe é o estudo com os pacientes com alto risco de doença cardiovascular, a quem realmente não deve ser indicado. Pode ser até que amanhã ou depois saia um ensaio clínico com a sibutramina que, dentro dos critérios adequados, mostre que o medicamento traz problemas a todas as pessoas. Aí, sim, teremos dados confiáveis para tirar a droga do mercado, mas até esse momento isso não existe.”