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Edição 180
16 de julho de 2009
Dando continuidade à série do Por uma boa causa deste mês, sobre dependência química, abordamos nesta edição o alcoolismo. No Brasil, trata-se de um problema de saúde pública. “Mesmo com todas as consequências do álcool que conhecemos, como acidentes de trânsito e trabalho, violência, além de doenças como cirrose e miocardiopatia, temos um número muito grande de pessoas ameaçadas pelo alcoolismo. Isso precisa mudar”, expõe José Mauro Braz, diretor do Hospital-Escola São Francisco de Assis (HESFA/UFRJ).
“Nosso país, como muitos outros, tem uma cultura de beber muito forte. Por outro lado, temos menos controle da propaganda de bebida. Comerciais de cerveja deveriam ser controlados no horário comercial. Há uma concepção errada de que a cerveja é uma bebida fraca, e ela não é”, enfatiza José Mauro.
Segundo ele, o álcool, como qualquer substância psicoativa que atua sobre o cérebro, tem efeito analgésico e anestésico. Seu consumo traz como resultado o alívio, sensação buscada pelos usuários. “A busca pelas drogas tem uma base psicocomportamental mais do que orgânica, é uma situação engendrada dentro do chamado mal-estar, que envolve os incômodos”, relata.
José Mauro explicou que, atualmente, tem-se uma visão baseada nas neurociências e estudo da linha cognitivo-comportamental. Através dessa linha de pensamento, é mais aceitável entender o uso de álcool e drogas como instrumento para fugir do desprazer, e não como algo buscado para obtenção de prazer. “Por isso também vemos tanto o uso do álcool que não chega à dependência, mas fica numa relação de abuso. Muitas vezes até por alterações sociais: o indivíduo sai com um grupo de pessoas no qual todos bebem. Se ele não beber também, pode ser discriminado. Ele vai fugir disso e consumir a bebida”, aponta.
“É preciso entender a extensa gama de problemas ligados ao alcoolismo e drogas não apenas em relação às suas consequências, mas também em relação à causa”, constata José Mauro. De acordo com ele, a causa pode ser encontrada no fato de que o ser humano, por princípio, está sempre vulnerável a situações de estresse, que ameaçam a qualidade de sua sobrevivência. Isso o torna susceptível ao uso das drogas.
Braz acredita que o grande papel do álcool, um depressor do sistema nervoso, é tirar a capacidade de julgamento do indivíduo, o que pode trazer comportamentos agressivos. “Naturalmente, essa tendência é muito a expressão da agressividade de cada um. No geral, homens são mais agressivos, mas isso varia de caso para caso. O álcool é um agravante. Casos de violência contra mulheres e crianças são muito comuns dentro do alcoolismo”, afirma.
Crise de abstinência
A característica das substâncias psicoativas é causar dependência, fenômeno bioquímico e comportamental ao mesmo tempo. “A dependência já é a consequência de uma relação com as drogas em nível celular. Em determinada fase, o indivíduo pode estar tão dependente que, quando as drogas faltam, entra num quadro clínico mais grave, variando de grau”, explica José Mauro. Ele informou que muito tempo de abuso do álcool resulta na chamada síndrome de abstinência, caracterizada por alterações orgânicas, cardiovasculares, neurológicas e psiquiátricas. “É bem conhecido o quadro do delírio, em que o indivíduo tem alucinações e escuta vozes”, observa o especialista.
A fase mais inicial da crise de abstinência é marcada por ansiedade, angústia e impulsividade, decorrentes da sensação da falta de álcool. “Na busca pela bebida alcoólica, o indivíduo começa a sofrer alterações, com confusão mental, podendo ficar um pouco desorientado e com a memória afetada. Isso vai caminhando para alterações neuropsiquiátricas, como tremor, alterações cardiológicas, como taquicardia, e às vezes respiração ofegante, sudorese e transpiração”, indica José Mauro.
O quadro pode se agravar, resultando em crise convulsiva. Na fase aguda, as alucinações são muito características, até com sentimento de perseguição. “Às vezes, o paciente se queixa de estar sendo atacado por animais peçonhentos, como baratas e lagartixas, ou então acha que está enrolado por fios. Isso é muito curioso, porque tem uma tendência repetitiva”, observa o especialista.
Se não houver consumo de bebida alcoólica para superar a abstinência e sem tratamento, o desenvolvimento do problema pode levar a uma confusão mental mais forte. Caso surjam crises convulsivas e elas não parem, a situação do indivíduo pode chegar ao torpor e ao coma, de acordo com José Mauro.
Tratamento
O especialista acredita que não existe uma forma exata de tratamento para o alcoolismo. “É preciso disponibilizar o acesso a serviços especializados, com uma equipe multidisciplinar. É difícil que apenas um profissional dê conta; são necessários médico, enfermeiro, psicólogo e assistente social. Ou seja, pessoas dedicadas ao tratamento. Nos quadros mais graves, isso tem de ser buscado”, aponta o especialista.
Segundo ele, o tratamento também depende muito do paciente. “A família é fundamental no fator de convencimento e apoio. Medicamentos ajudam, mas não existe um remédio específico para o alcoolismo. Alguns melhoram a condição geral do paciente e seu comportamento”, destaca. Outro aspecto importante são os grupos de ajuda mútua, como Alcoólicos Anônimos (AA). “E há casos em que o indivíduo resolve até sem tratamento, embora isso seja muito difícil”, destaca.
Para o aprofundamento do assunto, José Mauro Braz indicou seu livro: Alcoologia: o alcoolismo na perspectiva da saúde pública. “A questão do álcool não pode ser vista somente pelo prisma da doença, é muito pouco. Temos que olhar pela perspectiva da saúde num espectro biopsicossocial”, conclui José Mauro Braz.