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Edição 178
2 de julho de 2009
O Hospital Universitário da UFRJ está se voltando para o Sistema Único de Saúde? Como ficam os servidores da universidade? Onde estão sendo aplicados os recursos financeiros destinados ao Complexo Hospitalar? Essas foram algumas das questões propostas por Salete Maria Polita Maccalóz, juíza federal e professora da UFRJ, na palestra “Complexo Hospitalar da UFRJ e a sua relação com a formação profissional e com o Sistema Único de Saúde – SUS”.
Para esclarecer essas e outras questões, o Olhar Vital entrevistou os diretores do Instituto de Neurologia Deolindo Couto (INDC) e do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), ambos da UFRJ.
José Luiz de Sá Cavalcanti
Diretor do Instituto de Neurologia Deolindo Couto
“A meu ver, o complexo hospitalar é uma ideia, para que, juntando os oito hospitais da UFRJ, possamos não repetir recursos. O objetivo é, também, fazer com que esses hospitais sejam complementares. A realidade é que existe um hospital muito grande, de alta complexidade, que está fazendo coisas que não deveria fazer. Deveria ater-se a problemas também de alta complexidade, utilizando todos os recursos disponíveis, ainda que as unidades estejam separadas.
O Clementino Fraga Filho é um hospital que tem uma tarefa de extensão, que deve se voltar para a comunidade, na oportunidade de gerar conhecimento. O próprio paciente é um paciente diferenciado: está para ser atendido e para ser analisado de acordo com os procedimentos que sejam aproveitáveis à pesquisa.
Analisando os custos, qualquer hospital de ensino é caro, mais que um municipal, e deve ser gerido com gestão diferente. No hospital do município, avalia-se a rotatividade e o número de leitos. O HU não pode ser assim, há programas, que exigem que as consultas sejam mais demoradas.
Quanto ao financiamento, o Ministério da Saúde acha que, para ele pagar, o hospital tem que funcionar exclusivamente a serviço da população. O Ministério da Educação alega que já paga o ensino, e que não vai pagar a assistência médica. Entretanto, até o Sistema Único de Saúde (SUS) reconhece que esses hospitais têm que receber a mais, que eles têm uma tecnologia diferenciada. Por isso, com esses altos custos, o financiamento não deve ser só desse sistema, mas geral.
Para o SUS, os hospitais de ensino devem ser, hoje, ‘100% SUS’. Antigamente, o doente do plano pago era atendido primeiro que o do sistema público. O gestor, responsável financeiro do hospital, dava preferência ao paciente que pagava mais. O SUS acabou com isso exigindo que os hospitais federais fossem dedicados a seus pacientes. Acontece que não podemos acabar com o atendimento aos planos, mas discutir quem cobraria desses planos: o Sistema Único ou os hospitais?
E o problema é que não se pode ter dois tipos de doentes no hospital: o doente SUS (do setor público) e o doente servidor ou de plano. Ele tem que ser bem atendido, independentemente de quem está pagando aquele serviço.
A atual grande dificuldade dos hospitais não é gerenciar esses pacientes. O que acontece é que eles não atendem o servidor, como não atendem o SUS, porque não há vaga. Analisando o caso da neurologia: atendemos casos específicos de doentes, mas há determinadas doenças neurológicas que não podemos tratar, e aí esses pacientes são encaminhados para outras áreas. Isso acontece também no HU. Há uma barreira porque nunca foi feita a medida de quanto o hospital pode atender e do quanto ele atende.
Quanto à visibilidade do que se gasta, hoje, os recursos que vm para os hospitais são abertos. Os hospitais podem ter renda própria, como os cursos de extensão, por exemplo. A universidade recebe recursos de três fontes diferentes: a orçamentária, de um convênio interministerial (entre o de Educação e o de Saúde, que cobre custos pequenos, de ajuda) e a terceira fonte é o SUS. Esses recursos são repassados através do Sistema Financeiro da União, que é publicamente controlado e está na transparência. O problema é que acabamos ficando amarrados com essa burocracia. É preciso se pensar num sistema que transfira para os hospitais a responsabilidade de pequenas compras emergenciais, por exemplo.
Em relação aos funcionários, hoje todos podem ser qualificados de maneira acadêmica. A especialização de mestrado e doutorado é opcional, mas se ganha mais. E eu acredito que haja treinamento sim, até durante as experiências do dia a dia A universidade é para isso: criar recursos humanos. Mas o que falta mesmo não é o treinamento dos servidores, e sim uma escola profissionalizante que formasse os técnicos necessários ao funcionamento da universidade. Nas áreas médicas e tecnológicas, por exemplo.
A qualificação dos profissionais é um ponto, a falta deles é outro, que deve ser ainda mais discutido. Permito-me dizer que falta, sim, pessoal na área da saúde. Esperar concurso é uma implicação legal. Isso é bom, mas engessa os hospitais; por isso há os extraquadros, os contratados. Estima-se que 30% dos servidores dos hospitais da UFRJ estão nessa situação.
O que falta, para que o sistema público geral funcione de forma satisfatória, é o espírito público de responsabilidade no próprio servidor, em cada um. E em relação ao problema do Complexo Hospitalar, defendo que o atendimento tem que ser igual para todos, com qualidade, independentemente de serem pacientes servidores ou provenientes do Sistema Único de Saúde.”
Alexandre Pinto Cardoso
Diretor do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho
“Em primeiro lugar, o Complexo Hospitalar não começou com a criação da unidade orçamentária proposta pelo MEC para os hospitais universitários. Ela já vinha sendo discutida no âmbito da câmara de hospitais do Centro de Ciências da Saúde (CCS) há pelo menos cinco ou seis anos, dentro do ângulo acadêmico, da integração entre as várias unidades que compõem o Complexo com todos os seus diretores. E ainda com a participação da Faculdade de Medicina, da Escola de Enfermagem, do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC), do Instituto de Nutrição, da Faculdade de Farmácia e outros que integram a câmara dos hospitais do CCS.
Era no início uma discussão de natureza acadêmica. Como integrar em rede, do ponto de vista acadêmico, essas instituições hospitalares de ensino diferentes entre si que foram criadas ao longo do tempo. A discussão estava nesse estágio quando veio a medida, devido a uma grande crise de financiamento dos hospitais universitários, do Ministério da Educação. Então, o MEC, para melhor conhecer a destinação dos recursos orçamentários ligados às atividades hospitalares, achou que um primeiro passo nessa direção seria segregar as contas hospitalares, ou seja, criar uma unidade orçamentária na qual todos os recursos destinados aos hospitais pudessem ser apropriados para saber onde está o dinheiro e onde foi aplicado.
Outra medida importante é que todos os recursos destinados aos hospitais, seja por prestação de serviço ao SUS, seja os oriundos do MEC, não são mais, desde o ano passado, repassados pela Fundação Universitária José Bonifácio, que era o procedimento legal (de contrato, convênio da universidade). Então isso iria para uma destinação específica através dessa unidade orçamentária. Assim se poderia acompanhar, como propõe a juíza e professora, mais diretamente que entraram e foram aplicados tantos recursos, comprado isso ou aquilo. Inclusive, no site do HUCFF há um ícone específico chamado ‘consulta SIAFI’ (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal), em que se pode clicar para ver onde os recursos são aplicados por essa unidade gestora.
Na realidade essa alteração veio a dar mais transparência, porque antes os recursos entravam pela Reitoria e de lá eram repassados para as unidades, enquanto agora são claramente destinados, e fica até mais fácil de acompanhar. Essa questão da transparência está garantida.
Nós temos cerca de nove unidades integrando o Complexo Hospitalar. Não faz nenhum sentido que tais unidades prestadoras de serviço ao SUS e acadêmicas da UFRJ não trabalhem integradas. Precisamos nos integrar academicamente e já há uma integração no campo da saúde mental. Então, essa é a questão básica, temos uma capacidade instalada e por onde circularão os estudantes de graduação e de pós-graduação.
Outra questão levantada pela professora é transformar em fundação. Isso nesse momento é impossível no âmbito da universidade, não que seja esse o interesse, mas porque o conselho universitário já decidiu, em uma das primeiras sessões deste ano, que os seus hospitais não serão transformados em fundação. Essa questão pode ser uma preocupação para outros; já para nós está resolvida.
Outro aspecto é o seguinte: sendo uma instituição acadêmica, as representações dos funcionários técnico-administrativos e estudantes são na forma da lei, o que diz que cada um desses colegiados deve ter uma porcentagem de representantes dos mais variados seguimentos. Os enfermeiros, que compõem a maior parte do nosso quadro junto com técnicos de enfermagem, são funcionários técnico-administrativos assim como médicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, entre outros. Então eles terão representação dentro da categoria de funcionários técnico-administrativos. Não há de fato uma representação para tais categorias, assim como os docentes também serão representados como docentes.
Acontece que os diretores das unidades acadêmicas têm representação, inclusive da enfermagem, mas são representações acadêmicas. Eles não representam os funcionários de enfermagem, representam a Escola de Enfermagem, a Faculdade de Medicina. Porque o conselho é acadêmico e todos têm a representação que a universidade promove.”