Durante dois dias, 17 e 18 de março, especialistas em saúde estiveram reunidos no Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza (CCMN) para discutir formas de implantação do Complexo Hospitalar da UFRJ. Formado por nove unidades acadêmicas que prestam assistência hospitalar, o Complexo Acadêmico Hospitalar da UFRJ é o maior de todas as universidades brasileiras, contando com cerca de 1.000 leitos.
O professor Aloysio Teixeira, reitor da UFRJ, abriu o evento realizado pelo Instituto de Pediatria e Puericultura Martagão Gesteira (IPPMG). Ele abordou a integração dos centros da universidade, remetendo ao Plano Diretor, e destacou o desejo de criar uma unidade orçamentária diferente das demais já existentes nos centros da universidade para o Hospital Universitário. “Há uma demanda efetiva para que se organize essa unidade orçamentária para o Hospital Universitário”, disse o reitor. “Se o projeto gerar centenas de idéias, ganhamos a oficina”, acrescentou ele, referindo-se a possibilidade de sucesso do evento.
Em seguida, os diversos membros da mesa apresentaram a importância da criação do complexo, com destaque para a integração. “Estamos trabalhando muito abaixo do possível porque não há integração entre os centros”, disse Marcos Brandão, coordenador de graduação da Escola de Enfermagem Anna Nery. “Os princípios fundamentais são a integração e a cooperação. Temos que partir da confiança, para construir convergências a partir de divergências”, acrescentou o professor Almir Fraga, decano do Centro de Ciência e Saúde (CCS).
De acordo com Nelson Albuquerque de Souza e Silva, presidente da Comissão de Implantação do Complexo Hospitalar e professor-titular de Cardiologia da Faculdade de Medicina da UFRJ, a idéia é que o complexo traga as outras unidades para um trabalho conjunto. O Hospital Universitário é o lugar onde a universidade se liga à sociedade, por prestar assistência de saúde à população como um todo.
— Como um Hospital Universitário, temos o dever de formar recursos para o sistema de saúde, para a pesquisa e avaliação tecnológica de saúde. Criamos este seminário para que nele a gente discuta a organização desse Complexo visando a fazer o seu regimento, que será aprovado pelo Conselho Universitário — disse Nelson Albuquerque.
Na terça-feira, os participantes, além de discutir diversos temas, se dividiram em cinco grupos de trabalho que trataram de diferentes assuntos: Ensino, Pesquisa e Extensão; Gestão do Cuidado; Relacionamento com o Sistema Único de Saúde (SUS); Infra-estrutura de Gestão; e Estrutura Organizacional. Os grupos se reuniram também na quarta-feira, a fim de concluir as análises iniciadas no dia anterior e divulgar os resultados.
A disciplina de graduação da Faculdade de Medicina, Bioética, estruturada em forma de conferências apresentadas por profissionais da área, foi ministrada nessa quarta-feira (18/3), por Sergio Rego, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Bioética, que abordou o tema Métodos para análise ética na clínica, no qual discutiu as melhores formas de tomar decisões éticas na prática médica.
— A questão principal da bioética é descobrir os problemas morais relacionados a determinado caso clínico — afirmou Rego. A capacidade do médico de encontrar bons argumentos que fundamentem suas decisões, ou seja, coerentes com a posição ética defendida, também seria, segundo o pesquisador, outro elemento fundamental no dia-a-dia da profissão.
Sergio afirmou que a medicina necessariamente demanda decisões morais e citou o campo da saúde pública, em que muitas vezes a escolha de uma ação gera um conflito entre o benefício de um indivíduo e o benefício de uma coletividade, entre a liberdade individual e as obrigações públicas. Como exemplo, o pesquisador mencionou um caso recente em que uma família de São Paulo, que se negava a vacinar seus filhos por esse ato ir contra seus princípios, iniciou um pequeno surto de sarampo. “Essas pessoas devem ter o direito de tomar essa decisão? Essa não é uma questão apenas de lei, mas uma questão ética suscetível de reflexão”, ponderou o palestrante.
A busca pelo que é ético foi ressaltada como algo imprescindível a qualquer estudante ou profissional de saúde, e outro caso que, segundo Sergio, merece reflexão é o do transplante de órgãos. Como existe mais demanda de órgãos do que doadores, foi implantada no Brasil a fila de transplantes, que seria a decisão mais justa. Porém, o pesquisador defendeu a idéia de que essa escolha pela fila não é realmente justa, pois o acesso ao sistema de saúde é dificultado para os mais pobres que, deste modo, acabam ficando para trás. “Neste caso o médico tem que buscar critérios que não privilegiem a condição social, política ou econômica do paciente”, disse Sergio.
Outro critério muito utilizado e defendido entre os médicos para decidir quem deve receber o transplante primeiro é levar em conta a gravidade da doença. Seguindo o raciocínio de que o paciente mais debilitado deve ser priorizado, criou-se o índice Meld, utilizado no Brasil. Medido a partir de exames de sangue, ele estabelece graus de gravidade entre os pacientes na fila de espera. Se uma pessoa que esteja em décimo lugar, por exemplo, tiver mais pontos no índice Meld que os que estão à sua frente, pode saltar para as primeiras posições. Sergio também criticou este sistema: “Esta não é necessariamente uma decisão justa, pois eu posso estar privilegiando uma pessoa que, por estar em estado mais grave, não tem chances de se recuperar da cirurgia. Assim, outros com maior capacidade de recuperação são prejudicados.” O pesquisador ainda ressaltou que pesquisas revelam que as taxas de sobrevivência com a utilização do Meld não são maiores que nas filas onde ele não é aplicado.
Sergio demonstrou que sempre se deve questionar as decisões que aparentemente são éticas e deixou clara sua opinião sobre a decisões clínicas baseadas apenas na técnica e em manuais. “A relação entre teoria clínica e bioética não é mecânica. Você pode ser um bom médico sem ter conhecimento de bioética, mas quanto mais conhecimento você tiver, mais preparado você vai estar”, disse o pesquisador, criticando os profissionais que agem somente repetindo as ações mais comuns no meio.
Segundo o palestrante, a ética deve guiar todas as decisões do médico, que não precisa se preocupar se será processado ao realizar determinado procedimento ou se tal procedimento é ilegal. Como exemplo, Sergio citou a prática comum entre os médicos de optar pela não-reanimação de um paciente. Mesmo sendo ilegal, ela é realizada quando o profissional julga apropriado. “A ética não pode se subordinar ao jurídico. O raciocínio ético é capaz de modificar o que está na lei”, concluiu.