Medicamentos à base de nistatina são os utilizados no tratamento da candidíase oral. No mercado brasileiro, esse fármaco só existe sob a forma de suspensão oral aquosa, prescrita para bochecho. Essa fórmula costuma apresentar pouca eficácia contra a doença, devido à pequena quantidade de nistatina que fica retida na mucosa oral para atacar o microorganismo. “O desenvolvimento de novos comprimidos bucais de nistatina foi a alternativa que encontramos para resolver o problema. Foi um projeto de mestrado de Michelle Barão de Aguiar”, explica Carla Holandino Quaresma, professora da Faculdade de Farmácia da UFRJ e orientadora do trabalho.
De acordo com Carla, a candidíase oral é uma infecção causada por um fungo do gênero cândida. “A espécie que mais acomete os pacientes é a Candida albicans. Todos nós a possuímos na flora natural, mas por algum desequilíbrio ela se prolifera. A infecção pode ter origem num desequilíbrio do sistema imune ou em aspectos físicos, como uso de prótese dentária”, esclarece. São mais suscetíveis os indivíduos HIV positivos, idosos e crianças. “É o famoso sapinho”, brinca a professora.
— A suspensão é fluida e pouco viscosa, e ainda apresenta sabor desagradável. Se for substituída por uma forma sólida, como tabletes ou pastilhas, a dissolução se torna lenta, proporcionando maior contato do ativo com a mucosa — aponta a pesquisadora. O professor Lúcio Cabral sugeriu a idéia dos comprimidos bucais, contendo substâncias mucoadesivas, que aumentam a adesão da formulação à mucosa.
Logo de início procurou-se validar uma nova metodologia analítica para dosar a nistatina, utilizando o espectrofotômetro. “A matéria-prima nistatina está descrita apenas na farmacopéia americana e usa uma metodologia muito cara, que é a microbiológica. Nossa alternativa funcionou muito bem”, indica Carla Holandino.
Sucesso com pacientes
Os parâmetros farmacotécnicos do comprimido bucal foram obtidos dentro do esperado. “Isso é importante para que uma forma farmacêutica seja aprovada pelo controle de qualidade”, informa a professora. Após aprovação do projeto pelo comitê de ética da UFRJ, foi realizado um estudo-piloto em parceria com a equipe da Clínica Odontológica do HUCFF, coordenada pela professora Sandra Torres. “Foi excelente a colaboração com a odontologia, pois eles nos permitiram ter acesso aos pacientes, o que nós como farmacêuticos não temos”, observa Carla.
— Em um grupo de doze indivíduos com candidíase oral, uma metade realizou o tratamento com a suspensão de nistatina, enquanto a outra fez uso da nossa formulação — indica a pesquisadora. Três dos seis pacientes tratados com a suspensão obtiveram cura clínica, após a segunda semana de uso. Já os seis pacientes que utilizaram os comprimidos bucais ficaram curados ao final das duas semanas. “Tivemos 100% de sucesso nesse grupo”, enfatizou Carla.
A pesquisadora explicou que houve o cuidado de se desenvolver os novos comprimidos com a mesma dosagem daquela utilizada nas suspensões, que é em torno de 500mg de nistatina. Como a nova formulação apresentou eficácia clínica superior à tradicional suspensão de nistatina, talvez seja possível diminuir a quantidade de ativo por comprimido, o que reduziria os efeitos colaterais e baratearia o custo final da terapêutica.
Homeopatia
— Desenvolvemos também um outro medicamento contra a candidíase, só que homeopático. Coletamos a Candida albicans de um paciente do HUCFF — relata Carla. A partir do próprio fungo preparou-se o medicamento, pois uma das formas de se tratar o indivíduo através da homeopatia é utilizar o próprio agente causador da infecção no tratamento da doença.
Os ensaios feitos no laboratório mostraram que, quando se pré-trata a célula epitelial com o medicamento homeopático, o fungo não consegue aderir a este epitélio com a mesma taxa de adesão. “Essa taxa caiu pela metade nas células que receberam o medicamento homeopático. Esta pode ser uma nova alternativa terapêutica aos tratamentos usuais, que nem sempre apresentam a eficácia desejada”, diz Carla. Já a nistatina age diretamente sobre o fungo, não no processo de adesão, que é o primeiro passo da infecção.
Gel
No momento, uma nova formulação de nistatina em gel está sendo elaborada, sob a orientação do professor Lúcio. “Os comprimidos que desenvolvemos eram bem pequenos; nenhum dos pacientes relatou qualquer tipo de desconforto durante o ensaio clínico. Mas para o indivíduo que está com a mucosa fragilizada, uma forma sólida para desagregar nesta mucosa pode vir a representar um incômodo”, expõe Carla. Considerando que esse pode ser um fator para interromper o tratamento, a pesquisadora acredita que o gel, fórmula semi-sólida, pode ser uma boa opção.
A pesquisa
Carla ressalta que o projeto, apoiado pela Faperj, foi desenvolvido em parceria com Celuta Sales Alviano, professora do Instituto de Microbiologia Professor Paulo de Góes (IMPPG), e Sandra Torres, professora do Departamento de Patologia e Diagnóstico Oral do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), ambos da UFRJ. O professor Lúcio Mendes Cabral, da Faculdade de Farmácia, foi também orientador direto do trabalho.
— Falta agora fechar esse trabalho com o “prêmio” maior, que é a publicação em periódico internacional. É importante que extrapolemos os muros da UFRJ divulgando o trabalho para a comunidade científica internacional — aponta Carla. O artigo está em fase de revisão e em breve será submetido à publicação. Para Carla, ainda faltam testes com maior número de pacientes, inclusive utilizando placebo. “É uma inovação que permitiria uma formulação nova para o mercado farmacêutico. Sonhamos em fazer com que esse estudo possa ser útil a nossa sociedade, através de uma nova opção terapêutica ao tratamento da candidíase oral”, conclui a pesquisadora.