Quem acha que escovar os dentes é um hábito que evita apenas cáries e outras doenças na boca e gengiva, como doença periodontal e câncer bucal, está enganado. De acordo com Sonia Groisman, professora da Faculdade de Odontologia da UFRJ, o hábito de escovar os dentes pode evitar até mesmo infarto. “Isso acontece porque a boca faz parte do organismo. Dentro do dente existe uma polpa, que é o nervo, que está ligada à corrente sanguínea. Então se você tem uma cavidade cariosa ou uma lesão não tratada, as toxinas produzidas pelas bactérias que se acumulam na boca penetram na corrente sanguínea e se espalham pelo corpo podendo ocasionar, por exemplo, problema no joelho”, explica a professora.
Para as grávidas existe ainda outro risco. As toxinas bacterianas, ao penetrarem na corrente sanguínea, provocam uma defesa do organismo que libera um mecanismo de Interleucina C, que faz com que haja microcontrações na placenta. “Já foi provado cientificamente que gestantes com doença na gengiva sofrem mais risco de ter bebê de baixo peso e prematuro do que as que fazem uso de drogas”, alerta Sonia.
Ainda assim, para grande parcela da população brasileira, escovar os dentes não faz parte da rotina. Segundo Sonia, isso ocorre devido às questões social e econômica. “A escova de dente, por exemplo, custa 3,14% do salário mínimo, o que equivale a um quilo de feijão. Para que a pessoa possa fazer a higienização utilizando pasta, escova e fio dental, ela tem que gastar 29,30 por mês, o que acaba sendo muito oneroso. Assim, ela prefere comprar arroz e feijão para colocar na mesa”, aponta a dentista.
Apesar de ter sido verificado o aumento no consumo de produtos de higiene bucal no país, ele não foi homogêneo. Segundo a professora, metade do volume de pasta de dente vendida no país se concentra em ¼ dos domicílios. Por isso, problemas bucais acometem com maior frequência a população de baixa renda.
Campanha
Para combater esse problema o Ministério da Saúde está preparando uma campanha de conscientização da população que inclui a distribuição de escova e pasta de dente. O anúncio da entrega da primeira parcela dos 40,6 milhões de kits de saúde bucal, que serão distribuídos para todo o Brasil durante o ano, foi feita hoje (26/3). Do total de kits, 32,4 milhões serão entregues para as Equipes de Saúde Bucal (ESB) em 4.597 municípios. O restante (8,2 milhões) será enviado para escolas públicas com baixo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). A primeira parcela corresponde a 17,8 milhões de escovas e pastas de dente. Em 2008, foram distribuídos 32 milhões de kits.
A estratégia faz parte do Programa Brasil Sorridente que inicialmente será concentrada em locais com menor índice de desenvolvimento social, começando pelo nordeste. “Não será uma mera distribuição, de escovas e pastas, mas sim um projeto que visa ensinar como escovar os dentes corretamente e explicar a importância de criar esse hábito, que deve começar desde cedo”, relata Sonia.
O projeto pretende ainda ensinar como escovar os dentes corretamente e explicar a importância de criar esse hábito, que deve começar desde cedo. A partir do surgimento do primeiro dente a escovação já pode ser feita, porém sem pasta. “O recomendado é que a criança comece a usar pasta com flúor a partir de um ano de idade. Mesmo assim de 1 a 6 anos, a pasta deve ser colocada no sentido transversal, e não como as propagandas mostram, em toda extensão da escova, porque se a criança engolir pode ocorrer a fluorose, que são manchas na gengiva”, ressalta a dentista.
Fio dental e flúor
Uma boa higiene bucal consiste na escovação dos dentes e no uso de fio dental, que é item essencial, pois a cárie e a doença periodontal se iniciam próximas à gengiva. A placa bacteriana é incolor, então pode passar despercebida. Porém, as bactérias liberam toxinas que fazem com que a gengiva reaja contra esse agente agressor. “Quando há sangramento é porque o acúmulo de placa já dura 21 dias”, afirma Groisman. Segundo ela, para que isso não ocorra é preciso que o uso do fio dental seja habitual. Ele é importante não apenas para a saúde da gengiva, mas para a saúde de todo o organismo, já que doenças gengivais aumentam o risco de infarto e problemas pulmonares, além de potencializar a diabete.
Já a necessidade do uso de flúor varia de acordo com os hábitos alimentares de cada um. Como as pastas de dente já possuem flúor, se a pessoa não tem alto consumo de sacarose e possui boa higienização, a pasta com flúor é suficiente. Mas para os que adoram doces, comem bala o tempo todo ou consomem comidas aderentes, fazer uso do flúor no bochecho complementa a higiene e dá ao esmalte do dente mais resistência no combate à perda de mineral, que é como começa o processo de cárie.
Escovar a língua é também bastante importante e pouco lembrado. A especialista explica que a língua é composta de microvilosidades, onde podem acumular-se restos bacterianos e também o produto liberado pelo metabolismo das bactérias, que gera halitose. “A visão de que a falta de higiene bucal não traz consequências orgânicas maiores é equivocada. Além de o dente ser importante socialmente, esteticamente e funcionalmente, ele está ligado a todo o sistema orgânico”, conclui Sonia.