A cerveja é uma bebida alcoólica enraizada culturalmente no Brasil. Prova disso é que muitos trabalhadores brasileiros criaram o hábito de tomar uma “cervejinha” após o expediente. Mas o que aconteceria se os atletas também aderissem à moda? O Conselho Superior de Investigações Científicas (CSIC) da Espanha afirmou que a cerveja pode ajudar na recuperação após a prática esportiva.
Segundo o estudo "Idoneidade da cerveja na recuperação do metabolismo dos desportistas", tese defendida pelo cardiologista e ex-jogador de basquete da seleção espanhola Juan Antonio Corbalán, os componentes da bebida ajudariam na recuperação do metabolismo hormonal e imunológico do atleta submetido a exercícios de alto rendimento. Além disso, a cerveja favoreceria a prevenção de dores musculares.
Por outro lado, sabe-se que a bebida alcoólica traz diversos prejuízos à saúde, como desordens no sistema nervoso central, doenças nos sistemas digestivo e circulatórios, além de problemas cardíacos. Para esclarecer sobre o estudo e falar sobre vantagens e desvantagens do consumo de cerveja, o Olhar Vital convidou os especialistas:
Alexandre Palma
Doutor em Saúde Pública, docente da Escola de Educação Física e Desportos (EEFD) da Universidade Federal do Rio Janeiro (UFRJ) e estudioso da área de treinamento de esportes de longa duração
“É difícil realizar uma análise aprofundada sobre esse estudo (os métodos, resultados ou conclusões) porque os textos que têm aparecido na mídia em geral carecem desses detalhes. Ademais, em que pese parecer ser uma tese defendida em uma universidade, não há na principal base de dados de periódicos científicos na área biomédica (Medline) nenhum artigo do referido autor que trate do tema. Nem tampouco foram encontrados artigos científicos, a partir do uso das palavras-chave “cerveja”, “hidratação” e “recuperação”, embora tenham sido localizadas algumas investigações que verificaram o consumo de cerveja por atletas como forma de hidratação.
Em primeiro lugar, cabe destacar que o álcool é uma substância que consta da lista de substâncias proibidas da WADA (World Anti-Doping Agency) para algumas modalidades desportivas (arco-e-flecha, caratê, pentatlo moderno etc.), quando usado em competição. Segundo, é preciso considerar que o consumo de álcool tem sido apontado como um importante problema no uso de drogas em geral.
Embora possa fornecer energia, o álcool pode também ser considerado um antinutriente, uma vez que pode interferir no metabolismo de outros nutrientes. Por outro lado, há alguma discussão, sem muita comprovação científica, sobre seus efeitos ergogênicos. Alguns sugerem que o álcool poderia reduzir a dor, auxiliar no relaxamento, reduzir o estresse. Contudo, o consumo de álcool pode vir acompanhado de alguns efeitos adversos, como efeitos depressivos.
Talvez ainda seja prematuro afirmar que o consumo moderado de cerveja possa contribuir para o desempenho e a recuperação de atletas, na medida em que muitos outros estudos deveriam ser realizados para o tema ser melhor compreendido. Porém, é bem mais aceito que doses elevadas podem favorecer desempenhos de baixo nível ou imprevisíveis.
Além disso, cabe destacar que o consumo de água, muitas vezes, não é a situação mais adequada para hidratar um atleta. Existem soluções, a depender da atividade realizada, que podem restaurar melhor as perdas ocorridas ao longo da atividade física.
Há algumas indicações de que o álcool facilite a excreção de mais água na urina, por dificultar a liberação de hormônio antidiurético, o que pode prejudicar a hidratação. Além disso, especialmente para desempenhos em climas frios, o álcool pode atrapalhar o processo de termorregulação, pois poderia provocar vasodilatação periférica e o indivíduo perder mais calor corporal do que o desejável.
Entretanto, e talvez mais importante do que tudo isso, é que atualmente os nutricionistas esportivos têm uma série de produtos confiáveis que podem oferecer aos atletas, e não parece adequado propalar a ideia de que o álcool seja mais adequado para ajudar na recuperação e hidratação desses atletas.”
Natália Ferreira da Costa
Pós-graduada em Nutrição Aplicada ao Esporte e Fitness Corporativo e mestranda em Nutrição Humana do Instituto de Nutrição Josué de Castro (INJC), da UFRJ
“A cerveja contém em sua composição nutricional aminoácidos, proteínas, carboidratos, vitaminas do complexo B, minerais (como cálcio e fósforo) e grande quantidade de água. Apesar disso, não recomendo o consumo por atletas, devido aos malefícios do etanol (álcool).
De maneira geral, o etanol atua como um irritante da mucosa gástrica no trato gastrointestinal. Pode inibir a gliconeogênese (produção de glicose), particularmente quando consumido em jejum, o que prolonga um episódio hipoglicêmico. Tem efeito diurético bem conhecido, promovendo a desidratação e, em grandes quantidades, afeta o sistema nervoso central, diminuindo sua atividade. O consumo excessivo de álcool pode causar desordens patológicas em diversos órgãos, como coração, fígado, pâncreas e rins.
Estudos mostram que o consumo de álcool em doses moderadas (no máximo três vezes no dia), incluindo a cerveja, é capaz de reduzir o surgimento de doenças cardíacas. No entanto, esse efeito seria resultado da ingestão do etanol, e não de nenhuma substância particular de bebida alcoólica específica. Contudo, assim como qualquer alimento, a cerveja pode ser benéfica ou maléfica ao consumo humano, dependendo da quantidade. Mas é preciso ressaltar que pode provocar dependência química e psicológica.
Pesquisas que avaliam o consumo de bebidas alcoólicas por atletas verificaram a ingestão em grande quantidade, e não em doses moderadas, como vem sendo sugerido. Logo, o incentivo ao consumo desse tipo de bebida não deve ocorrer.
Em relatório, o American College of Sports Medicine afirma que a ingestão aguda de álcool pode exercer efeito prejudicial em grande variedade de habilidades psicomotoras. Por exemplo: no equilíbrio, estabilidade, tempo de reação, precisão e coordenação complexa. Além disso, o consumo prejudica a regulação da temperatura corporal durante o exercício prolongado em ambientes frios, podendo também diminuir força, resistência muscular e cardiovascular e velocidade do atleta. Essas reações não só variam entre indivíduos, mas também de acordo com as circunstâncias em que a bebida é ingerida.
Tendo em vista a adaptação do organismo ao estresse pós-treino e o estado inflamado do indivíduo após uma grande competição, o consumo de bebidas, independentemente do teor alcoólico, não deve ser feito por atletas. Principalmente nos períodos pré e pós-treino.
A ingestão de álcool deve ser evitada por todos, não só pelos atletas. No entanto, o consumo de etanol em quantidades moderadas pode trazer benefícios à saúde cardíaca. Além disso, é bem conhecido o valor funcional do vinho tinto devido aos polifenóis na composição, que previnem doenças cardíacas e cânceres. Já com as bebidas destiladas é preciso ter maior atenção, pois possuem um teor alcoólico bem elevado.
Vale ressaltar que, de acordo com estudo realizado no ano 2000 pela Organização Mundial de Saúde, o alcoolismo é a terceira maior doença no Brasil. Perde somente para os males do coração e os tumores. Ainda é o principal motivo de acidentes de trânsito, que, por sua vez, estão entre as três grandes causas de morte de jovens de 15 a 24 anos no Brasil. Assim, se incentivarmos o consumo, esses índices tendem a aumentar.”