• Edição 165
  • 26 de março de 2009

Ciência e Vida

Estudo derruba mitos sobre o cérebro humano

Cília Monteiro

Quem acredita que o ser humano é privilegiado por possuir um cérebro especial está definitivamente enganado: o cérebro do homem está longe de ser excepcional em relação ao de outros primatas. Essa conclusão se tornou possível com a pesquisa realizada por Suzana Herculano-Houzel, professora-adjunta do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da UFRJ. A ideia do trabalho surgiu a partir do mito de que os seres humanos utilizam apenas dez por cento do seu cérebro. O primeiro passo de Suzana foi investigar o que as pessoas pensavam sobre isso. “Criei um questionário e descobri que sessenta por cento dos que responderam acreditavam nessa afirmação”, conta.

Segundo Suzana, os livros-texto de neurociências costumavam afirmar que os neurônios correspondem a apenas dez por cento das células do cérebro. Os humanos teriam 100 bilhões de neurônios e cerca de dez vezes mais células gliais (não neuronais). “Essa é uma das explicações possíveis para dizerem que usamos apenas dez por cento do cérebro, partindo do princípio que só os neurônios seriam utilizados”, esclarece Herculano. Ela apontou que essa teoria não é verdadeira, pois além dos neurônios, as células gliais também são utilizadas. “Todas as partes do cérebro funcionam o tempo todo”, enfatiza. Outra explicação seria o uso de dez por cento da capacidade cerebral. “Também é inviável, já que não conhecemos o que é 100 por cento dessa capacidade. Portanto, não poderíamos calcular o que seriam dez por cento”, argumenta.

A pesquisadora procurou saber sobre o trabalho que chegou aos números que eram divulgados nos livros. “Nunca o achei. Até onde sabemos, antes de fazermos nossa análise, não havia uma investigação sistematizada do encéfalo humano inteiro”, indica. Durante sua busca, ela encontrou informações sobre estruturas específicas, mas não sobre o cérebro como um todo. “E nada do que eu achava chegava perto de 100 bilhões ou de dez vezes mais células gliais”, acrescenta.

Novo método

Suzana percebeu que o problema nessa contagem poderia ser metodológico. “Me perguntei se nunca haviam pensado que em vez de contar células, o que é realmente difícil, pode-se contar os núcleos”, relata. E assim ela teve a ideia de desenvolver o novo método simples: como cada célula possui apenas um núcleo, basta contar os núcleos para se saber a quantidade de células. “Procurei o professor Roberto Lent, diretor do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), e propus a ele o método e a linha de pesquisa para avaliar a composição celular do cérebro de várias espécies, inclusive a humana”, constata.

Iniciou-se a colaboração com Lent e uma série de estudos foi realizada. “Após a análise de primatas, tínhamos condições de estudar o cérebro humano para podermos dizer, além do número de neurônios, coisas ainda mais interessantes”, avalia Suzana. De acordo com ela, é importante saber a quantidade de neurônios do cérebro para se conhecer a composição do tecido. “Se um dos grandes objetivos da neurociência é entender como o cérebro funciona, é primordial saber do que ele é feito”, afirma. Ela explicou que o neurônio é a unidade funcional do tecido, por isso a quantidade deve ser um fator limitante para a capacidade.

“Mas também existem implicações sobre saber a quantidade de neurônios que considero de extrema importância: a forma como nos enxergamos enquanto seres humanos no planeta”, observa Herculano. Bióloga de formação, ela diz que sua tendência é sempre enxergar o ser humano como apenas mais um animal.

Resultados

Com os estudos ficou concluído que o cérebro humano possui 86 bilhões de neurônios e um número equivalente de células gliais, não dez vezes mais. Ou seja, os neurônios correspondem à metade das células do cérebro. “Justamente por causa dessa composição celular podemos dizer que, em comparação com os outros primatas que estudamos, concluímos que o encéfalo humano tem apenas o tamanho esperado para um primata do nosso tamanho”, aponta Suzana. Ela ainda disse que o número de neurônios também é o esperado. “Com isso podemos questionar tudo o que era dito anteriormente na biologia, na antropologia e até na psicologia. A tradição era comparar o ser humano com outros primatas e concluir que seu cérebro é especialmente grande, o que não é verdade”, indica a professora.

Suzana atualmente está investigando se existem diferenças entre o cérebro masculino e o feminino. “A minha expectativa, pelo que estamos vendo em outros animais, é a de que não haja”, informa. Ela ainda acrescentou que a tendência é de que não exista diferença nem entre indivíduos. “Um indivíduo com cérebro maior do que o de outro da mesma espécie não possui necessariamente mais neurônios, provavelmente possui neurônios maiores”, constata a pesquisadora. Ela também está pesquisando se a idade interfere no número de neurônios. “Ainda não podemos dizer nada. Estamos estudando o desenvolvimento e o envelhecimento do cérebro. Já constatamos que cérebros adultos têm uma diferença enorme de uma espécie para outra e até de um grupo de mamíferos para outro”, finaliza Suzana Herculano.