Será que aproveitamos ao máximo os nutrientes que determinados alimentos podem nos proporcionar? Normalmente não. Exemplo disso é que temos por hábito utilizar apenas a polpa de alguns alimentos, desprezando talos e cascas, que também podem ser bastante nutritivos. “Nas hortaliças é comum consumir só as folhas. Mas o desprezo dos talos representa de 40% a 50% de desperdício em uma hortaliça. Como forma de otimizar o aproveitamento desses alimentos, desenvolvemos as farinhas de talos de espinafre e couve”, explica Maria Cristina Jesus Freitas, professora do Instituto de Nutrição Josué de Castro (INJC), da UFRJ.
Com a professora Vera Lúcia Mathias, Maria Cristina orientou dois projetos de mestrado que envolveram avaliação biológica e elaboração de produtos. Um deles utilizou as farinhas de talo de couve e espinafre no preparo de cookies (biscoitos), enquanto o outro aplicou farinha produzida com a entrecasca da melancia na preparação de um bolo simples. “Esses dois grandes projetos abordam a importância da fibra nos efeitos biológicos e salutares do indivíduo”, aponta a professora.
De acordo com Maria Cristina, para produzir a farinha, após a higienização, os talos são fracionados e secados em uma estufa ventilada, de ar quente a 45 graus, por 18 horas até ficarem desidratados. “Devido à desidratação, a quantidade fica reduzida. No final, temos de quatro a cinco por cento de rendimento da farinha. Essa margem também serve para a entrecasca da melancia”, informa a pesquisadora. A matéria proveniente da estufa é triturada em liquidificador para ser feita a farinha. Para realizar o processo domesticamente, é possível secar o material ao sol. Os talos também podem ser utilizados na forma in natura, no entanto a farinha é um meio de conservar o produto, com a vantagem de ter mais aplicação em preparações.
Experimento em animais
Parte da farinha obtida no laboratório de Maria Cristina foi aplicada na fabricação de ração para um experimento biológico. Os efeitos do produto foram verificados de acordo com as normas de um comitê de ética. “Observamos que os animais submetidos à farinha tinham o mesmo ganho ponderal que os não submetidos. Isso significa que a dieta com essas farinhas não trouxe nenhum comprometimento em nutrientes”, aponta a professora.
Segundo Maria Cristina, comparando animais que consumiram a nova farinha com os que não a tiveram incluída na dieta, constatou-se que os grupos apresentaram crescimento homogêneo. Não havia diferenças significativas quanto a peso e desenvolvimento de órgãos. “Depois verificamos a excreção fecal desses animais”, disse a professora, que pesquisava se o produto poderia contribuir no aspecto fisiológico. Como as farinhas possuem mais de 40% de fibras, poderiam ser benéficas em um caso de constipação intestinal.
— Vimos no ensaio biológico que essas farinhas, ricas em fibras, cinzas minerais, com baixo teor de umidade e pequeno valor energético, aumentavam a excreção das fezes, favorecendo um trânsito intestinal mais intenso. Está provado na literatura que isso é um benefício, pois torna menor o contato de substâncias tóxicas com os colonócitos, propiciando a saúde dessas células do intestino — relata Maria Cristina. Os animais que consumiram as novas farinhas tiveram o colesterol reduzido em 10%.
Cookies e bolos
Em comparação com as farinhas refinadas, que são as de trigo e amido de milho, as novas farinhas apresentam teor de minerais e fibras bastante superior. Decidiu-se então buscar uma aplicação prática para a descoberta. “Elaboramos um cookie. Fizemos a formulação com açúcar refinado e farinhas dos talos, além dos demais ingredientes”, disse Maria Cristina.
Foi feita a análise sensorial de consumidores para ver se o produto teria boa aceitação. “O índice de aceitabilidade foi acima de 70% , o que é considerado satisfatório na literatura”, comentou a professora. De acordo com ela, não foram apontadas diferenças de sabor entre o cookie feito com essas farinhas e o feito com as refinadas. “Fizemos ainda outras preparações e estamos avançando nessa linha”, acrescenta.
Já a farinha da entrecasca da melancia foi empregada no preparo de um bolo simples. “Trabalhamos com 100 consumidores que costumam ingerir bolo pelo menos uma vez por semana. A aceitação foi ótima. Recentemente ainda fizemos um trabalho com outros tipos de biscoito, também com índice de aceitabilidade superior a 70%”, expõe Maria Cristina.
— A ide ia é perfeitamente aplicável do ponto de vista tecnológico. O objetivo é fazer com que a pessoa que adquire hortaliças venha a aproveitar o máximo possível do alimento, enriquecendo sua dieta com fibras e minerais naturalmente presentes — afirma a professora. As fibras também ajudam no controle da glicose dos diabéticos e contribuem no tratamento da obesidade, pelo baixo valor energético. Ainda apresentam ação preventiva contra o câncer. “Se o consumidor passar a utilizar as farinhas, certamente estará melhorando a qualidade alimentar nutricional”, conclui Maria Cristina.