Em 1906, o psiquiatra alemão Alois Alzheimer entrou para a história da medicina ao descrever pela primeira vez a doença neurodegenerativa que hoje leva seu nome. Mais de cem anos depois, ainda sem causas conhecidas, o Mal de Alzheimer afeta 24,3 milhões de pessoas em todo o mundo; pode atingir 81 milhões até 2040, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Com o objetivo de encontrar respostas e ajudar a desenvolver novos tratamentos, cientistas da Universidade de Manchester, na Grã-Bretanha, vêm estudando a possível ligação entre a doença e o vírus do herpes labial. O estudo, ainda em fase inicial, revela que o vírus HSV1 é um dos responsáveis pelas placas de proteínas encontradas no cérebro de pacientes, pode estar relacionado à formação do Alzheimer.
Para falar não apenas sobre as implicações da pesquisa como também sobre o herpes labial e o Mal de Alzheimer, o Olhar Vital convidou os professores Márcia Ramos-e-Silva, do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), e Jerson Laks, do Instituto de Psiquiatria da UFRJ.
Márcia Ramos-e-Silva
Chefe do Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF)
“O herpes é uma doença causada por um vírus, o herpes simplex vírus (HSV), dos tipos 1 e 2. O primeiro afeta com maior frequência lábios, boca, nariz, queixo e bochechas, mas pode também atingir a área genital. O tipo 2 acomete, em especial, a região genital. Essa infecção é geralmente benigna, caracteriza-se pela formação de pequenas vesículas agrupadas. Pode estar associada ou não a manifestações prodrômicas, como sensação de parestesia local e discreto eritema, entre outras.
O herpes causado pelo HSV-1, que afeta principalmente a mucosa oral, é uma doença da infância que pode também começar na vida adulta. O virus é transmitido pelo contato direto ou pela saliva, assim como pelo contato sexual ou, ainda, através de objetos, como copos e batons. O herpes é muito frequente. Em alguns países, 90% das pessoas apresentam anticorpos contra o HSV-1, ainda que sem sintomas.
Na maior parte dos casos, a infecção se manifesta uma única vez. Em alguns pacientes, no entanto, ela se torna crônica, há recorrência a cada vez que há uma baixa da imunidade. Esta queda das defesas pode ser provocada por adoecimento, estresse ou exposição solar excessiva.
Após a infecção da mucosa, o vírus se multiplica, surgem manchas vermelhas inflamadas e vesículas doloridas. O líquido das vesículas é rico em virions, o HSV em sua forma de transmissão; haverá também virions na saliva e nas secreções vaginais e penianas. Essas vesículas desaparecem e reaparecem sem deixar marca ou cicatriz. Os episódios secundários são sempre de menor intensidade e, em geral, tornam-se menos frequentes, mas o virús permanece latente por toda a vida.
Como forma de tratamento, temos medicamentos para infecção pelo herpes por via oral, de uso tópico e injetável, para casos muito graves. Para reduzir a transmissão, é preciso evitar o contato direto com pessoas infectadas quando o herpes estiver ativo e mesmo com objetos comuns, como copos, batons e bocais de instrumentos de sopro, entre outros. A abstinência sexual é importante quando o herpes genital estiver ativo. Mesmo assim, apesar do risco ser reduzido, pode ocorrer contágio.
Acredito que a pesquisa em desenvolvimento seja muito relevante, porém mais estudos ainda são necessários para qualquer confirmação. A infecção crônica pelo HSV está sendo considerada um dos fatores que contribuem para o dano cerebral progressivo da doença de Alzheimer.
Durante uma pesquisa feita no Reino Unido pela Universidade de Manchester, cientistas sugeriram uma ligação entre o vírus do herpes e o mal de Alzheimer. Os pesquisadores infectaram uma cultura de células do cérebro com o vírus HSV-1 e verificaram um grande aumento na quantidade de proteína beta amilóide, que forma placas no cérebro de doentes de Alzheimer, destruindo os neurônios.
Em experiência paralela, examinaram partes do cérebro de doentes que morreram com Alzheimer e detectaram material genético do vírus da herpes acumulado sobre as placas de proteína beta amilóide. Em pesquisas anteriores já se havia sugerido que o vírus HSV-1 era encontrado em 70% dos cérebros dos doentes com Alzheimer. Há vários importantes centros estudando essa possibilidade.”
Jerson Laks
Psiquiatra e coordenador do Centro para Pessoas com Doença de Alzheimer e outros Transtornos Mentais na Velhice da UFRJ
“A idéia de que certos vírus possam infeccionar uma célula acarretando alterações no funcionamento e lesões na estrutura celular é antiga, procurada sempre. Caso algo compatível tenha sido encontrado para a doença de Alzheimer, essa idéia pode ser mais uma das concausas e não, propriamente, a causa, ainda. Portanto, essa linha de pesquisa precisa ser continuada; que um primeiro estudo pode fornecer determinada informação e pesquisas futuras não.
Uma das principais características da doença de Alzheimer é a formação de placas amilóides no cérebro devido ao depósito progressivo de proteínas compostas por uma cadeia longa, de 42 aminoácidos no córtex cerebral. Essas placas são tóxicas para os neurônios e determinam a morte de extensos grupos de córtex. Ao mesmo tempo, a hiperfosforilação de outra proteína — a Tau, responsável por lesões intraneuronais — também ocasiona a morte neuronal e a formação de emaranhados neurofibrilares.
Embora já conheçamos esse processo, não sabemos suas causas de modo definitivo. Sabemos que existe uma interação entre fatores genéticos e outros problemas. Alguns genes candidatos, inclusive, têm sido estudados, mas os verdadeiros responsáveis ainda não foram identificados.
O Mal de Alzheimer é mais frequente, sobretudo, a partir dos 65 anos e, a cada década, a prevalência aumenta em média 5%. Entre os principais sinais clínicos, observa-se uma perda progressiva da memória (em especial de curto prazo), da capacidade de falar e de compreender o que é dito, da habilidade de desempenhar atos motores simples e complexos sem que haja lesão muscular ou óssea periférica, de reconhecer faces, locais familiares, de organizar e planejar atos ou idéias. Esses fatores afetam progressivamente a capacidade do indivíduo para se comportar normalmente na vida diária.
O diagnóstico deve estar apoiado também em exames complementares de sangue, que afastem outras causas clínicas possíveis de demência, e uma tomografia ou ressonância magnética do cérebro, que mostre atrofia hipocampal. Testes cognitivos também são aplicados para avaliar a gravidade do processo e o estadiamento.
Como a doença inicia e afeta, principalmente, o sistema colinérgico, utilizam-se hoje os anticolinesterásicos (Donepezil, Rivastigmina e Galantamina) como principal forma de tratamento para quadros leves e moderados, além da Memantina para quadros moderados e graves, associada ou não ao anticolinesterásico.
Estudos mostram que o constante aprendizado e a estimulação mental proporcionam uma reserva cerebral importante na manutenção das funções cognitivas. Entretanto, as lesões cerebrais que ocorrem desde a fase preclínica da doença de Alzheimer evoluem apesar dessa reserva. A estimulação mental pode ajudar na procrastinação do quadro clínico, mas não na evolução da doença quando já instalada. Ainda assim, é importante retardar o quadro clínico e essa estimulação deve ser sempre proporcionada.
Não há nenhuma evidência hoje para o uso de qualquer estratégia que previna efetivamente o aparecimento da doença. No entanto, uma vida saudável, a prática de exercícios e uma boa dieta são sempre importantes para a prevenção de doenças em geral.”