• Edição 167
  • 09 de abril de 2009

Microscópio

Adolescência e violência: a recusa de crescer

Sofia Moutinho – AgN/PV

O Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica do Instituto de Psicologia (IP) da UFRJ em parceria com a Université Paris Descartes e o Collegé International de l’Adolescence (CILA) realizam, nos dias 16 e 17 de abril, o colóquio franco-brasileiro Destinos da Adolescência: corpo e subjetivação. O evento acontece no Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ e tem por objetivo discutir as diversas questões ligadas a essa fase da vida que, segundo a coordenadora Marta Rezende Cardoso, não é apenas a transição da vida infantil para a adulta, mas “uma importante crise que faz com que o sujeito cresça e consolide um processo de identidade”.

O colóquio foi inspirado no livro Destinos da Adolescência, uma coletânea de artigos organizada por Marta Rezende e François Marty, resultado do intercâmbio entre psicanalistas brasileiros e franceses. Muitos dos autores presentes nesse livro irão participar do evento, inclusive Marta, com a palestra Transgressão pulsional e geracional: a perpetuação da adolescência.

Em sua comunicação, a professora irá abordar a violência na adolescência. Para ela, a violência que pode aparecer através dos atos do adolescente é determinada pelo seu mundo interno conturbado. “A própria adolescência constitui em si uma situação traumática e esse traumático, constitutivo da própria adolescência, pode também assumir um caráter mais extremo”, diz Marta, referindo-se aos atos violentos praticados por jovens.

Além da violência, Marta também tratará da perpetuação da adolescência, tendência observada pela psicóloga hoje em dia. Os jovens estariam demorando cada vez mais para sair dessa fase e, dentre os diversos sintomas dessa realidade, estão os jovens que não conseguem sair de casa e constituir autonomia. Além desse exemplo prático, há os jovens que, do ponto de vista interno, ainda se comportam como adolescentes e possuem dificuldade de assumir a posição adulta.

— A gente pode ver hoje que há uma tendência de se ultrapassar o limite que seria o garantidor da diferença entre gerações — explica Marta. Para ela, muitos jovens não conseguem deixar a adolescência devido à grande proximidade entre a sua geração e a de seus pais. O diálogo aberto entre gerações dificultaria o que a especialista chama de “diferença geracional”, ou seja, a marcação da diferença entre o universo dos pais e o dos filhos.  “Na atualidade a gente observa que há uma espécie de neutralização dessa diferença, até pelos próprios hábitos que os pais e filhos têm. A conversa entre pais e filhos, a liberdade que se abriu, foi muito positiva, mas também acabou recaindo na neutralização dessa diferença.”

Marta explica que essa aproximação entre gerações pode atuar como desencadeadora do processo de prolongação da adolescência. “O desejo de ser jovem dos adultos e dos pais, a questão do culto ao corpo próprio da atualidade, faz com que os pais cultivem um ideal de juventude eterna. E como fica com os jovens que têm que sair da juventude e entrar na idade adulta? Eles não têm um modelo identificatório adequado na medida em que os pais também querem ser jovens”, argumenta a psicóloga. O desejo de juventude eterna da sociedade impediria os jovens de terem um modelo de adulto a seguir e desse modo dificultaria a saída da adolescência.

A vontade de permanência na vida infantil e a recusa da vida adulta contribuem para o aumento de algumas patologias típicas da nossa sociedade, como a bulimia, a compulsão por sexo e o vício em drogas. As adicções em geral são comuns entre os jovens que permanecem na adolescência. “Se a gente pensar no uso de drogas, ele mantém uma onipotência quase infantil do prazer absoluto. O ingresso na vida adulta cortaria com a onipotência infantil, fonte da busca de um prazer ilimitado. Impor limite ao prazer também é tornar-se adulto.”

Mas o problema pode se manifestar de outro modo. Em vez do vício e da compulsão, o adolescente pode desenvolver estados depressivos. “O estado de depressão provoca uma paralisação subjetiva, o jovem não consegue estudar, não consegue ingressar no mercado de trabalho, realizar seu estágio ou fazer uma escolha profissional mais consciente. Não consegue lidar com a imposição da realidade e como saída patológica pode haver essa tendência à inércia psíquica. Isso é uma resposta, apesar de ser inércia, é uma resposta no sentido de uma recusa de trabalho psíquico.”

Segundo Marta, a violência está na base da atividade psíquica e de toda a organização social, mas os sujeitos a domesticam para viver em sociedade. Na adolescência, período de grandes transformações psicológicas e físicas, o jovem é “vítima” dessa mudança que não pode controlar. “Há uma espécie de potencialização de todos os excessos que pareciam ter sido ultrapassados, elaborados. As vivências da puberdade não permitem que o sujeito possa viver as mudanças corporais e organizar o seu mundo da mesma maneira como o fazia quando criança”, explica a psicóloga.

Em meio a profundas transformações, o adolescente correria o risco de não se diferenciar do outro e escolher como saída para toda a violência que passa dentro de si o ato de violência propriamente dito. Um exemplo dessa violência atuada seria o caso acontecido em 2007, quando cinco jovens de classe média espancaram, sem motivo aparente, a empregada doméstica Sirlei Dias de Carvalho Pinto.

Diante de casos com esse, Marta critica a tentativa de resolver os problemas através da lei, como por exemplo com a mudança da maioridade penal. “A gente pensa que a lei pode resolver, quando na verdade a questão da lei tem que ser secundária ao que está acontecendo internamente. Antes de dar uma solução na lei, vamos ver o que está acontecendo internamente com os sujeitos que estão cometendo atos violentos.” Segundo ela, não há uma resposta única que dê conta de explicar os problemas relativos à adolescência, mas seria necessário analisar os diversos fatores relacionados à sociedade e à vida psíquica desses jovens.

A psicóloga insiste para que os casos de violência na adolescência não sejam banalizados e conclui: “Tem um sofrimento muito grande nisso, tem um preço muito alto sendo pago por muito jovens. A recusa de crescer não é uma recusa consciente, é fundamentada em aspectos que ultrapassam essas pessoas, estando fora de seu controle, gerando, de fato, uma insatisfação muito intensa e tendo em sua base um estado de angústia, muitas vezes, insustentável.”