Ao observar os casos cada vez mais recorrentes de pessoas que buscam as cirurgias plásticas como soluções para suas vidas e dos médicos que perdem sua ética profissional em prol do lucro, estudos comprovam que se trata de um problema que precisa ser analisado em profundidade. Phrygia Arruda, professora-doutora do Instituto de Psicologia (IP) da UFRJ, afirma que a questão da beleza versus sociedade contemporânea decorre da instauração da nova sociedade de consumo, quando o novo corpo entrou no rol das mercadorias vendáveis.
A sociedade contemporânea vive uma busca – ou vontade – excessiva de perfeição. Essa falta de limites para atingir o padrão estética. Para dar prosseguimento à discussão, o Olhar Vital ouviu a opinião de mais duas especialistas no assunto: Luciana Sander, psicóloga-clínica e pesquisadora do Instituto de Psiquiatria (IPUB) da UFRJ, e Talita Franco, professora titular de cirurgia plástica da Faculdade de Medicina da UFRJ.
Luciana Sander
Psicóloga-clínica e pesquisadora do Instituto de Psiquiatria (IPUB) da UFRJ
“Como psicóloga e pesquisadora na área psiquiátrica, o meu objetivo é analisar o comportamento dos indivíduos segundo a ação padrão da sociedade. Na verdade, procuro discursar sobre imagem e subjetividade. Nesse sentido, acredito que grande parte da formação subjetiva das pessoas se dá, na maioria das vezes, devido a ações gerais e uma pressão no que diz respeito à cultura.
A sociedade contemporânea vive uma busca – ou vontade – excessiva de perfeição. Essa falta de limites para atingir o padrão estético pode ser considerada um sintoma de desequilíbrio psicológico. Ainda mais se considerarmos que esse ideal de perfeição é, razoavelmente, impossível ao ser humano. Somos todos construídos na diferença.
A esse culto exagerado à beleza (e à perfeição), podemos atribuir, de certa forma, uma parcela de culpa não só do sujeito, como de toda uma cultura do consumo, que valoriza o narcisismo e a imagem. Nossa cultura acentua os mecanismos neuróticos quando exclui os sujeitos que fogem ao ‘padrão’ de perfeição (que não existe).
Seguindo essa lógica de busca pela beleza e perfeição, encontramos como prova as diversas e cada vez mais crescentes cirurgias plásticas. Os indivíduos recorrem cada vez mais às técnicas científicas e da medicina para poder alterar a sua imagem, a ponto de deixá-la como deseja. As motivações para essas cirurgias são singulares, o pano de fundo é que é a cultura. Cada um sente necessidade de aperfeiçoar o ‘seu’ imperfeito (que para cada um é uma coisa diferente).
Essa massificação da cirurgia plástica pode ocasionar diversos problemas psicológicos, que alteram e estão relacionados à autoestima e autoimagem, por exemplo. Nesse contexto, observamos o desenvolvimento de variadas neuroses, como a histeria, presente, curiosamente, em diversos pacientes do sexo feminino.
No entanto, para analisar essa busca à beleza e as consequências, primeiro teríamos que definir o que é beleza. Beleza ou juventude? Parece-me que as pessoas buscam perpetuar a juventude – que é passageira, como a vida –, e se esquecem de cultivar a beleza. Acabam deformados e sem construir o que de fato é belo no humano: os valores.
A mídia aparece como grande motivadora da prática de cirurgias plásticas, em relação ao culto à beleza, às celebridades etc. O problema é que ela é quem alimenta o padrão a ser consumido. É a mola do consumo neste capitalismo avançado. Talvez pequenas ações isoladas sirvam de exemplo, como a maior reflexão ao que vem acontecendo na sociedade, em relação ao aumento de casos de cirurgia plástica e pessoas cada vez mais insatisfeitas.
Ao psicólogo cabe auxiliar o indivíduo a melhorar sua autoestima, habilidades sociais, conhecer a si mesmo e suas reais motivações. O limite, para que se perceba quando o paciente está com problemas psicológicos em relação a esse problema com sua imagem, se dá quando começam a ser percebidos certos excessos e isso se torna uma angústia incontrolável. Para avaliar a necessidade de um real tratamento psicológico, somente analisando caso a caso. De forma geral, todo cuidado é pouco para não virar um boneco do capitalismo.”
Talita Franco
Professora titular de Cirurgia Plástica da Faculdade de Medicina da UFRJ
“Não é que a plástica esteja banalizada, esse termo é um pouco ruim, pejorativo. Ela está, em algumas áreas, sendo feita por pessoas que não estão habilitadas, o que é diferente. O fato de existir a mentalidade de se fazer cirurgia plástica é uma coisa boa, porque é algo cada vez mais seguro e possibilita a resolução de uma porção de problemas estéticos que incomodam as pessoas. A cirurgia plástica em si é muito mais que a cirurgia estética, tem uma parte reparadora que é também muito grande. O que às vezes acontece é a mentalidade de normalidade no sentido de fazer a cirurgia. No entanto, se a pessoa possuir indicação e condições clínicas, não há por que não fazer. Deve-se, porém, ter cuidado com os procedimentos que não são corretos.
É uma questão de bom senso, prudência e ética realizar o procedimento apenas caso haja indicação. Nada precisa ser feito em termos de estética. Mas pode ser feito, no caso da lipoaspiração, por exemplo, se for uma gordura localizada. Às vezes a moça é magra, mas tem um culote que não vai sumir mesmo que ela emagreça, pois é característica do biótipo dela. A lipoaspiração não é indicada para pessoas gordas; é indicada para quem tem um peso mais ou menos próximo do normal ou um pouco acima, mas nunca para um obeso. Para o obeso é preciso emagrecer, fazer uma cirurgia bariátrica ou outro procedimento, mas não lipoaspirar.
Avaliação psicológica não adiantaria porque é uma coisa demorada. Quem faz cirurgia estética quer resolver o problema de forma rápida. A indicação de avaliação psicológica é para quando a pessoa vê uma coisa que não existe, como é o caso de bulimia e anorexia. Chama-se dismorfofobia, quando a pessoa se vê diferente do que é, então quer fazer um procedimento que não precisa. Nesse caso cabe ao médico dizer ao paciente que ele não tem indicação. Eu até digo à pessoa que, se ela procurar, até vai encontrar quem faça, mas eu recomendo que não faça. Um exemplo típico é o Michael Jackson. Chega um momento em que se questiona por que continuaram a operá-lo.
Quem está habilitado a fazer cirurgia plástica é aquele que possui título de especialista e é afiliado à Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP). Na maioria dos casos em que ocorrem problemas, trata-se de profissionais que não possuem esse título de especialista. No Brasil, após a graduação em Medicina, a pessoa pode atuar em qualquer área, mas se houver complicação e o profissional não for especialista, a penalidade é muito maior. Estamos tentando batalhar para que o médico só possa trabalhar na área em que é especialista. Por enquanto isso ainda não existe, é apenas uma recomendação, mas que tem implicação médico-legal.
É importante também que a clínica esteja capacitada a receber aquele tipo de procedimento, seguindo as normas do Ministério da Saúde, que determina o que pode ser feito em cada local. Há cirurgias sendo feitas em local inadequado. Existem dermatologistas que fazem a lipoaspiração por setores para usar anestesia local no consultório. Isso é um absurdo total, mas há paciente que aceita. Por incrível que pareça, muitos decidem pelo menor preço. A medicina e a cirurgia não são um supermercado. Você pode escolher um bom profissional com preço mais alto e um com preço mais baixo, mas tem que ser um bom profissional, que seja capacitado. A melhor maneira de verificar isso é checar se ele é especialista e se está filiado à SBCP. Isso não quer dizer que não possa haver complicações, mas nesse caso o paciente vai ter mais garantia e, se houver alguma complicação, o médico vai estar habilitado a resolver. Dentro do universo das cirurgias feitas em condições adequadas, por médicos capacitados, as complicações são mínimas.
Nos casos extremos das pacientes que colocam mais de 1 litro de silicone no seio, por exemplo, trata-se de imperícia, pois é um procedimento que obviamente não está indicado. A pele nem aceita aquilo, vai distender e fazer estria. A saúde é um estado de bem-estar físico, mental e intelectual. Se você tem um desconforto com algum aspecto da sua estrutura corporal, então aquilo está repercutindo de alguma maneira no seu bem-estar emocional e por isso está justificada a cirurgia. Mas cada pessoa tem que saber até que ponto algo está incomodando a ponto de fazer um procedimento cirúrgico. É a decisão do paciente. Até que ponto o desejo do paciente pode ser seguido já é uma decisão do médico. Deve haver a negociação entre o que o paciente quer e o que o médico pode oferecer.”