Os métodos tradicionais de identificação de cadáveres são através de impressão digital ou arcada dentária. Se não funcionarem, é preciso partir para uma identificação genética. É aí que entra em cena o Projeto Localizar, parceria entre universidade e polícia, para criar um banco de dados com análises de DNA de corpos encontrados que contribui nas investigações.
— O projeto consiste em levantar um banco de dados genéticos das ossadas, que é entregue à Delegacia de Homicídios, responsável pelo serviço de paradeiros. O método de identificação utilizado requer a participação de um familiar, para a realização de testes genéticos. Aí entra em ação a inteligência policial — explica Rodrigo Soares de Moura Neto, professor do Instituto de Biologia da UFRJ e um dos idealizadores do trabalho.
Segundo ele, entre pessoas que procuram por desaparecidos, são selecionados prováveis familiares para determinados cadáveres não identificados. A escolha dos candidatos leva em consideração a situação em que o corpo foi encontrado (data, local e vestimenta, por exemplo). Os testes comparam a genética dos possíveis parentes com a das ossadas.
— Por isso o projeto é a junção da genética com a investigação policial. O volume de encontro de cadáveres é grande, em torno de 1.000 ao ano no estado do Rio. Pelo tipo de situação, tenta-se localizar os parentes. Daí o nome: Projeto Localizar — constata Rodrigo.
De acordo com ele, trabalhos como esse são realizados ao redor do mundo inteiro. No Rio de Janeiro, não há projeto semelhante em colaboração com a polícia. “Essa parceria é fundamental, pois um corpo é de responsabilidade do estado”, observa o professor.
Procedimentos investigativos
O cadáver passa pelo Instituto Médico Legal (IML), onde é identificado e medido. Depois, uma alíquota do material é guardada para futuro confronto no Instituto de Pesquisas e Perícias em Genética Forense (IPPGF), laboratório de DNA da Polícia Civil. “O resto é enterrado como não identificado, porque também não se pode ficar acumulando corpos no IML”, aponta Rodrigo.
No laboratório, o processo consiste em primeiro extrair o DNA preso nas células calcificadas dentro dos ossos, que são transformados em pó. “Então podemos fazer um vínculo de linhagem: o mitocondrial. Mas ele não estabelece a certeza do vínculo de parentesco”, informa Rodrigo.
Segundo ele, com esse procedimento é possível dizer se uma família está excluída ou não. “Quando é incluída, outros membros são chamados para o teste de DNA tradicional, que estabelece o grau de parentesco”, acrescenta. A grande vantagem do projeto é ganhar tempo e poupar recursos para serem gastos no exame tradicional de candidatos com maior possibilidade de identificação.
Fase atual
Já foram feitos mais de cem exames de DNA através das ossadas e a documentação já foi entregue à delegacia de homicídios. “É um programa que não para, vamos continuar analisando as ossadas e mandando para o banco de dados. Acredito que este ano, até meados de julho, já estejam chegando famílias ao laboratório”, diz o pesquisador. De acordo com ele, apenas 1% a 2% dos homicídios são investigados atualmente, por falta de evidências. “Tudo isso é para melhorar a investigação policial”, constata.
Outra grande vantagem do banco de dados seria resolver crimes sem solução, identificando criminosos. No entanto, apesar da possibilidade técnica, ainda existem problemas de legislação. “Em tese não se pode utilizar um material genético fornecido para identificar um parente no confronto com uma ocorrência criminal. A doação não foi para esse fim”, explica o professor. Ele acredita que ainda serão feitas maiores discussões em torno da questão.
O projeto foi escrito por duas equipes: uma da UFRJ e outra da polícia civil. “Na universidade, eu e a professora Rosane Silva somos os responsáveis”, indica o professor. Para ele, a parceria também foi importante porque é a universidade que consegue financiamento para o desenvolvimento de ferramentas genéticas que contribuam na investigação.
— Há um conceito de que a perícia deveria ser uma instituição científica, já que sempre utiliza métodos científicos. Só que o acadêmico está na universidade, e não lá — expõe Rodrigo. Ele acredita que é preciso cultivar essa mentalidade, pois a polícia, no aspecto pericial, tem uma face de pesquisa, sendo inclusive chamada de Polícia Científica em alguns lugares. “Se analisarmos o plano nacional de segurança pública do atual governo, percebemos que ele pressupõe que a polícia seja mais científica que policial”, constata.
— Acho que essa parceria é essencial. Tem que haver uma aproximação entre o academicismo e a prática policial. O perito não vai ser um professor da universidade e nem o contrário, mas temos que trabalhar em conjunto — conclui Rodrigo Neto.