Hipertensão, doenças cardiovasculares e problemas de fertilidade. Além dos já conhecidos riscos para a saúde oferecidos pelo excesso de peso, homens obesos podem encontrar ainda dificuldades em engravidar suas parceiras. Segundo um estudo realizado por pesquisadores escoceses da Universidade de Aberdeen, os quilos extras na balança influenciam a qualidade das células reprodutivas masculinas.
A pesquisa, apresentada em 2008 numa conferência sobre fertilidade em Barcelona, avaliou o Índice de Massa Corporal (IMC) de aproximadamente dois mil voluntários do sexo masculino com problemas para ter filhos. Os resultados revelaram que indivíduos com IMC saudável, isto é, entre 20 e 25, tinham maior quantidade de espermatozóides normais quando comparados aos outros.
Para falar sobre a relação entre obesidade e fertilidade masculina, o Olhar Vital convidou o endocrinologista João Régis, do Serviço de Nutrologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), e a ginecologista, responsável pelo setor de Reprodução Humana do Instituto de Ginecologia da UFRJ.
João Régis
Médico do Serviço de Nutrologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho
“Na verdade este estudo é apenas um dos muitos outros já realizados visando estabelecer uma associação entre o excesso de peso e a diminuição da fertilidade masculina. Talvez o primeiro a notar que homens obesos teriam menor capacidade de fecundar suas parceiras tenha sido Avicenna, famoso médico do oriente que viveu no século XI, cujos tratados foram adotados por várias universidades européias até meados do século XVII. Bem antes, Hipocrates já havia estabelecido uma clara relação entre a obesidade e a infertilidade feminina.
Mais recentemente, vários estudos foram desenvolvidos a fim de esclarecer a relação entre excesso de peso e infertilidade masculina. Alguns trabalhos analisaram números expressivos de casais com relação ao grau de dificuldade para engravidar e demonstraram uma pequena, mas significativa, associação entre obesidade e maior dificuldade para concepção. Outros estudos conseguiram demonstrar que a obesidade pode estar associada a uma menor concentração de espermatozóides por amostra de esperma, o que seria um indicativo indireto de redução na capacidade de fecundação por homens obesos, especialmente aqueles com deposição excessiva de gordura na região abdominal.
Alguns trabalhos conseguiram demonstrar que o excesso de peso pode interferir na integridade do DNA contido nos espermatozóides. Por outro lado, estudos que buscaram associar a mobilidade dos espermatozóides com o excesso de peso não trouxeram resultados conclusivos.
Postula-se que a redução na concentração de testosterona e o excesso de estrogênio na circulação, associados ao estado de obesidade masculina, seriam potenciais causadores das alterações de viabilidade dos espermatozóides dos homens obesos. O problema seria ainda mais pronunciado naqueles cujos distúrbios metabólicos relacionados à obesidade estivessem presentes. Neste caso, a presença de diabetes e da síndrome de apnéia obstrutiva do sono seria fator de risco adicional; a primeira condição, por estar associada a uma menor produção matinal de testosterona e a segunda por constituir fator de risco para doença vascular e do sistema nervoso e conseqüentemente interferir significativamente na qualidade da ereção e da ejaculação.
Mais recentemente, vários estudos demonstraram níveis reduzidos de inibina B em homens obesos. Essa substância é um marcador fidedigno da atividade das células de Sertoli que exercem papel fundamental na produção de espermatozóides. Em obesos, a redução da concentração de inibina B não é acompanhada do aumento da secreção de FSH (mecanismo compensatório) pelo hipotálamo, provavelmente por um bloqueio causado pelo excesso de estrogênios na circulação destes indivíduos.
Outro fator de risco levantado em alguns estudos seria um aumento na pressão e na temperatura na região dos testículos que poderia estar presente em grandes obesos, sobretudo nos sedentários que passam a maior parte do tempo sentados.
Podemos citar outras questões, como a menor qualidade de ereção, maior dificuldade para realização do ato sexual e a presença de doenças associadas a estado de obesidade que podem interferir sobremaneira na função sexual. Além das já citadas diabetes e apnéia do sono, a presença de hipertensão arterial descontrolada e também as drogas utilizadas no seu tratamento podem interferir negativamente na qualidade da ereção.
Por fim e não menos importante, algumas questões emocionais podem interferir sobremaneira na sexualidade do homem. A obesidade severa é um fator de risco para a depressão, condição que pode comprometer de forma significativa a capacidade de se relacionar plenamente com seus parceiros.”
Maria do Carmo Borges de Souza
Vice-diretora do Instituto de Ginecologia da UFRJ e responsável pelo setor de Reprodução Humana do Instituto de Ginecologia
“A infertilidade atualmente é um problema de saúde pública. Em dezembro do ano passado, participei de um Fórum Internacional da Organização Mundial de Saúde (OMS), em Genebra, cujo objetivo foi atualizar as terminologias em saúde reprodutiva. O consenso indicado, que está para sair oficialmente sob a chancela da OMS, afirmará a infertilidade como uma doença do sistema reprodutivo. Esta afirmativa modificará completamente, a médio prazo, o modo como a patologia é vista — inclusive pelos sistemas de saúde. Hoje, cerca de 50% dos casais inférteis buscam tratamento em serviços especializados, o que equivale a 5.000 casais para um milhão da população geral, sendo que 10% desse grupo vão necessitar de técnicas de reprodução assistida de alta complexidade e custo elevado, seja por indicação primária ou por falha em alcançar a gravidez após o tratamento convencional.
Estima-se que entre 10 e 20% dos casais possam ter dificuldades para engravidar. A origem do problema pode estar relacionada à causa ovariana (30%) ou a causas masculinas diretas (30%). No entanto, em 40% dos casos, a dificuldade está ligada tanto ao homem quanto à mulher. Dessa forma, é sempre importante avaliar o casal.
Como as causas para a infertilidade podem ser variadas, o médico deve realizar uma escuta cuidadosa e coleta de dados franca. A avaliação dificilmente dirá respeito apenas ao homem, sendo muito importante ter essa visão geral e global de um casal que deseja ter filhos. O diagnóstico é realizado, portanto, basicamente por meio da coleta de dados, a anamnese, levando-se em consideração fatores como: história pessoal de vida; freqüência sexual; hábitos alimentares e ocupacionais; estilo de vida; histórico familiar; uso de medicamentos e drogas lícitas ou ilícitas; antecedentes de doenças em geral e doenças infecciosas, como, por exemplo, doenças sexualmente transmissíveis; cirurgias; tratamentos específicos, como radioterapia ou quimioterapia; entre outros.
Existem muitas incertezas e até mesmo controvérsias na literatura científica quanto às causas para a infertilidade, sendo aceitável a hipótese de que as alterações ambientais possam ter relação com os inúmeros efeitos adversos na saúde humana por meio da interferência endócrina, o que inclui a capacidade reprodutiva. Além disso, fatores externos — como, por exemplo, o fumo — podem determinar alterações de número, movimento (motilidade) e forma (morfologia) nos espermatozóides. Da mesma forma, uma dieta não-balanceada e um estilo de vida sedentário também podem interferir na qualidade da célula reprodutiva. A prevalência da obesidade tem aumentado bastante no mundo todo e, mesmo no Brasil, esse aumento independe da condição social. Além do risco cardiovascular e do diabetes, os depósitos de gordura podem determinar alterações hormonais ligadas à espermatogênese no homem.
No caso de homens obesos, conforme revelou o estudo realizado por pesquisadores escoceses, a concentração de gordura em volta dos testículos aquece os espermatozóides. Conseqüentemente, qualquer condição potencial de aumento da temperatura pode determinar alterações nas células reprodutivas masculinas, como a diminuição de número, acompanhada da redução de motilidade e morfologia. Os testículos estão localizados na bolsa escrotal, determinante anatômica que faz com que sua temperatura de exposição seja menor. É exatamente por esse motivo que, numa criança do sexo masculino recém-nascida, ao se detectar o posicionamento irregular ou mesmo a ausência dos testículos na bolsa (criptorquidia), a correção cirúrgica deve ser realizada antes de dois anos de idade.
Quanto ao tratamento para a infertilidade, a intervenção cirúrgica para corrigir as condições de posicionamento anatômico dos testículos, as chamadas varicoceles (ou varizes da bolsa escrotal), tem indicação apenas em casos acentuados que apresentam alteração dos padrões seminais. Ainda assim, há controvérsias quanto a essas indicações, já que dependem da idade da mulher. Mesmo obtendo-se a melhora no sêmen, se a mulher tiver mais de 35 anos ou, principalmente, 40 anos, técnicas de reprodução assistida, às vezes, podem ser a melhor decisão. Vale lembrar também a realidade de se indicar o congelamento de amostras seminais frente a situações que certamente vão afetar a fertilidade de um indivíduo, como tratamentos de câncer com ou sem radioterapia e quimioterapia.
Além disso, existem poucas evidências de que simples terapias com vitaminas ou hormônios possam resultar em melhoras da fertilidade masculina, uma vez que apenas os antioxidantes parecem trazer algum benefício. De modo geral, a melhor garantia é a prevenção por meio de uma vida saudável, com atividades físicas regulares e dieta balanceada.”