A dehidroepiandrosterona (DHEA) é um hormônio esteróide que vem sendo fabricado e vendido como suplemento nutricional com a promessa de combater o envelhecimento.
Uma parte da imprensa e muitos sites vendedores de suplementos alimentares e de cuidados com a saúde e o corpo vêm anunciando essa substância como a nova “fonte da juventude”. Esses veículos têm anunciado o DHEA como “a mãe de todos os hormônios”, “o super-hormônio”, a própria cura de todos os males.
Além do combate ao envelhecimento são citados outros supostos benefícios, entre eles estão a possibilidade de prolongar a vida, de auxiliar a perda ou o ganho de peso, de prevenir o câncer, doenças cardíacas e mal de Alzheimer, e de combater a AIDS e outras doenças infecciosas.
No meio acadêmico parece haver uma ressalva quanto à utilização desse hormônio. Muitos especialistas acreditam que ele pode ser perigoso para a saúde ou no mínimo ineficiente em relação aos resultados prometidos. Para esclarecer melhor os leitores sobre o uso dessa substância tão controversa e para falar mais sobre o assunto, o Olhar Vital convidou Luiz Eduardo Rodrigues de Carvalho, engenheiro de alimentos e professor da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e João Régis Carneiro, médico endocrinologista do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho.
Luiz Eduardo
Engenheiro de alimentos e professor da Faculdade de Farmácia da UFRJ
“Trata-se de um hormônio esteróide fabricado para ser vendido como suplemento nutricional, partindo da ideia que, a partir dos 30 anos de idade, há um declínio na produção do DHEA pelo corpo humano.
O DHEA está classificado como hormônio, mas a definição de hormônio parece padecer do mesmo problema das definições de ‘diet’, ‘transgênicos’, ‘orgânicos’, ‘virtude’ ou ‘amizade’. Ou seja, ele é classificado como hormônio porque se enquadra na definição de ‘como é produzido’ dentro do corpo. Mas não se conhece, perfeitamente, as suas tais ‘ações hormonais’. Uma das poucas coisas que parece ser reconhecido, na bibliografia, é que o DHEA se converte, sim, em outros hormônios, como o estrogênio e a testosterona.
No início, consta que era anunciado e vendido, sob prescrição médica, em tratamentos para perda de peso. A partir de 1994, foi enfim liberado pela FDA e passou a ser tratado como suplemento alimentar. O discurso promocional mostrou-se não muito original, apenas reproduziu e ampliou o discurso antes usado para a promoção de outros produtos milagrosos.
Vende como pílulas. Vende como drágeas. Vende como xarope. Vende como revista. E vende como Ibope de tevê. É uma avalanche insustentável. Fica muito difícil antepor argumentos contra quem vende a esperança de haver, de verdade, um ‘hormônio da eterna juventude’. De quebra, ainda promete agir tanto para o ganho quanto para a perda de peso, para prevenir o câncer, combater a AIDS e muitas outras doenças.
Parece óbvio que hormônios esteróides, que se anunciam tão potentes, não deveriam estar liberados nas prateleiras das lojinhas naturebas. E menos ainda deveriam estar sendo entregues pelo correio ou comercializados pela internet.
Como sabemos, a DHEA é um esteróide anabolizante e pode potencializar o ganho de massa muscular em atletas. Ao dizermos isso, poderemos, inadvertidamente, contribuir para o incremento do consumo. Não parece que os alertas sobre riscos e efeitos colaterais consigam se sobrepor às fantasias e promessas dos imaginados benefícios e seus decorrentes prazeres. Vale, porém, destacar que a DHEA consta da lista de substâncias proibidas pela Agência Mundial Antidopagem. Para atletas de competição, esse é um dano e um risco que deveria ser suficiente para inibir o uso.
Para os ‘preparados’ em geral, e para os ‘consumidores da saúde reificada’, deveria ser suficiente lembrar que a DHEA, segundo a bibliografia, está associada ao incremento no risco de doenças cardiovasculares e de câncer hepático. E, além disso, acarreta diversos efeitos indesejados temporários (a redução do tamanho testicular), e alguns outros permanentes (como o espessamento das cordas vocais). E mesmo a redução da fertilidade, em ambos os sexos, embora seja inicialmente temporária, pode se tornar permanente no longo prazo.
O DHEA, obviamente, pode e deve ser estudado pelo olhar da fisiologia, do metabolismo, da farmacologia, da toxicologia… Aqui no Labconss — Laboratório de Vida Urbana, Consumo & Saúde (DPNA), da Faculdade de Farmácia — o DHEA é observado pelo viés regulatório, que inclui o olhar do consumismo e suas raízes filosóficas e normativas. E, como aqui tentamos demonstrar, não estamos tratando de um caso pontual, particular, no mercado de ‘produtos para a saúde’. O caso do DHEA é apenas uma das exacerbações de um vasto e complexo conjunto de produtos que, recorrentemente, são oferecidos e anunciados para a megasaúde do consumidor.”
João Régis Carneiro
Médico endocrinologista do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho
“Vivemos em uma época em que as pessoas estão sempre em busca da fonte da juventude e da vida eterna. O alvoroço causado pelo DHEA se deve ao fato dele ser proposto como um hormônio responsável por vários benefícios, como o rejuvenescimento. Alguns estudiosos não consideram o DHEA um hormônio. Trata-se de uma substância produzida pela suprarrenal, junto com o cortisol, o hormônio do estresse. O DHEA possui fraca ação androgênica, semelhante à dos hormônios masculinos e é produzido tanto pelo homem quanto pela mulher.
Com o passar dos anos, existe uma queda da produção desse hormônio. Talvez esta seja uma característica do ser humano, mas não necessariamente significa um problema. Essa redução da produção do DHEA pode vir junto de alguns problemas, como a depressão.
Diante destas observações, desde a década de 80, muitos trabalhos foram feitos no sentido de buscar um entendimento de possíveis efeitos positivos do DHEA para osteoporose, rejuvenescimento, melhora do colesterol, controle de peso, memória e depressão, entre outros. Procurou-se saber quão interessante seria um tratamento com este hormônio. Isto levou a uma corrida em pesquisas, que resultou em trabalhos positivos e negativos. Com os positivos, as pessoas ficam muito alvoroçadas e o alvoroço alimentou o mercado de vitaminas, suplemento e reposições, que já é forte. São produtos muito procurados pelas promessas que fazem. A utilização ocorre sem supervisão médica, sem critério, e é preciso análise crítica para saber se o efeito é relevante.
Fazer suplementação de DHEA em pessoas idosas saudáveis vale a pena? Existem vários trabalhos muito conflitantes. Um deles mostrou que houve melhora na qualidade de vida, de sensações, mas não na sensibilidade à insulina e composição corporal. Foram demonstrados efeitos em homens entre 50 e 69 anos que estavam com o DHEA baixo e, sob dosagem regular e durante quatro meses, melhoraram humor, vigor sexual e sensação de bem-estar. Outro estudo falhou em demonstrar qualquer benefício do DHEA nestes fatores.
As mulheres, ao tomarem androgênios, podem sofrer com a acne e alterações na feminilidade, por isso há a necessidade de uma observação desse grupo. Existem alguns trabalhos que associam o uso do DHEA em mulheres pós-menopausa à incidência de câncer de mama. A partir disto, há uma preocupação em pesquisar mais sobre o assunto e, se houver um paciente que possa se beneficiar desse hormônio, o risco tem que ser calculado. O declínio natural da dosagem de DHEA com a idade não é justificativa para uma reposição. É preciso uma definição dos grupos que poderiam se beneficiar.
Outro uso polêmico do DHEA é na área dos esportes. O uso dessa substância como suplemento é considerado dopping em jogos olímpicos e na maioria dos esportes. Curiosamente, nos EUA, a liga de baseball não considera dopping o uso desta substância.
Por ser um precursor da síntese de esteróides sexuais, seu uso pode implicar em maiores níveis de estrogênios e androgênios na circulação. Na teoria, implicaria em um risco elevado para desenvolvimento de neoplasias em tecidos sensíveis a esses hormônios — como próstata, mama e ovário, por exemplo.”