Um estudo desenvolvido por pesquisadores da UFRJ trouxe surpreendentes e promissoras descobertas no campo da neurologia. A pesquisa, que foi capa da revista Experimental Neurology de Janeiro deste ano, apontou através de experiências com animais que a supressão de uma proteína chamada galectina-3 contribui para acelerar o mecanismo de regeneração de lesões em nervos periféricos. Esses nervos são feixes de fibras nervosas responsáveis pela sensitividade e por ativar músculos.
De acordo com a doutora Ana Maria Blanco Martinez, coordenadora do projeto e professora do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da UFRJ, o projeto teve início há aproximadamente quatro anos a partir da ideia de testar se animais knockout (geneticamente modificados para terem um gene inativado) para a proteína galectina-3 teriam os processos de degeneração e regeneração do nervo ciático atrasados. “Essa proteína, de acordo com a literatura, medeia os processos de fagocitose (limpeza) de restos axonais e mielínicos, evento crucial na degeneração Walleriana e consequente regeneração do nervo”, afirma a médica.
O resultado foi surpreendente, já que os pesquisadores não esperavam que a degeneração e a regeneração do nervo ocorreriam de forma mais rápida quando comparados aos animais selvagens (que possuem a galectina-3).
Após uma lesão traumática em um nervo periférico, ocorre um processo conhecido como degeneração Walleriana. “Neste processo a parte distal do nervo (a que ficou ‘separada’ do corpo celular) é completamente desintegrada e os restos celulares são removidos pelas células de Schwann (células da glia do Sistema Nervoso Periférico (SNP), bastante ‘plásticas’ e formadoras da bainha de mielina) e por macrófagos provenientes do sangue periférico”, explica a neurocientista do Laboratório de Neurodegeneração e Reparo.
Enquanto isso, conforme relata a pesquisadora, a parte que permaneceu ligada começa a gerar brotamentos de fibras nervosas que crescem e podem se reconectar ao músculo (ou a outro alvo) e devolver a conexão sináptica, restabelecendo a função perdida. Os mecanismos de degeneração e regeneração dessas lesões ainda estão sendo estudados, mas sabe-se que a regeneração de nervos do SNP depende de certas condições ideais.
Embora o nervo seja capaz de se regenerar naturalmente, esse processo é lento e pode ser dificultado em alguns casos, como na perda de um segmento, quando há grande distância entre o nervo lesado e o músculo, ou ainda quando este atrofia. “É importante acrescentar que o processo de regeneração ocorre a uma velocidade aproximada de 1 mm/dia, mas se o percurso é muito longo essa velocidade tende a diminuir”, aponta Martinez.
Por isso a especialista avalia que é importante estudar os mecanismos que regem a degeneração e a regeneração no SNP e procurar métodos que possam acabar com tais problemas e agilizar a recuperação. Além disso, esse conhecimento pode abrir caminho para o avanço também na área do tratamento de lesões do Sistema Nervoso Central (SNC).
— Existem várias estratégias para otimizar a regeneração no Sistema Nervoso Periférico. Entre elas podemos destacar o uso de enxertos de um segmento de nervo do mesmo indivíduo, pontes de tubos biodegradáveis ou não, enxerto de células-tronco e utilização de drogas que inibam o processo de degeneração — esclarece Ana Maria.
Ela acredita que no futuro os resultados de sua pesquisa poderão servir de base para o desenvolvimento de fármacos que venham a ter o papel de otimizar a reconstrução de fibras nervosas tanto no SNP como no SNC.
Próximos passos
— No momento estamos procurando entender de que forma a ausência da galectina-3 favoreceu a aceleração dos processos de degeneração e regeneração dos nervos. Estamos também avaliando se o mesmo processo ocorre no Sistema Nervoso Central.
A pesquisadora conclui frisando que os estudos ainda estão sendo feitos em animais de laboratório e que é necessário um tempo maior até que os resultados obtidos possam ser transformados em aplicações em humanos.