O transplante bilateral de mãos é um procedimento que vem sendo realizado atualmente, no intuito de amenizar o sofrimento de muitas pessoas. Trata-se de uma esperança a indivíduos que tiveram ambas as mãos amputadas. Cláudia D. Vargas, professora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF) da UFRJ, realizou um trabalho para acompanhar a reação do cérebro a esse transplante.
— O procedimento consiste na reconexão cirúrgica de nervos e tendões de um doador no coto do paciente recipiente. Os ossos são também unidos por intermédio de parafusos — explica a professora. A cirurgia leva em torno de 15 horas no total.
Os pacientes biamputados passam por uma bateria de avaliações físicas e psicológicas antes de serem considerados aptos ao transplante. Cláudia acredita que, após a operação, um dos maiores desafios seja contornar os aspectos da rejeição do órgão.
O objetivo principal do trabalho da pesquisadora foi buscar, nos cérebros de dois pacientes que receberam o transplante de mãos, as representações motoras correspondentes à mão do doador.
Recuperação dos movimentos
— Mostramos que os pacientes são capazes de realizar movimentos finos com as novas mãos, após alguns meses de árduo trabalho fisioterápico. Isso indica que o córtex motor se adapta ao novo contexto — revela a pesquisadora. De acordo com ela, essa capacidade é chamada de plasticidade cerebral.
Os dados de Cláudia Vargas indicam que as representações dos movimentos finos da mão, assim como a reversão da reorganização sensoriomotora induzida pela amputação, são menos robustas na região motora do hemisfério esquerdo. “Esse é o lado do cérebro que controla a mão dominante em pacientes destros”, especifica.
A pesquisadora apontou que existem pelo menos duas hipóteses para explicar esse efeito. Ambas ainda precisam de confirmação experimental. A primeira é que o uso de próteses funcionais, antes mesmo do transplante, poderia ter provocado uma reorganização precoce das representações. “Isso teria tornado o córtex motor contralateral à mão dominante menos ‘plástico’”, aponta a professora.
A segunda hipótese é que essa assimetria na capacidade de reorganização seja derivada da própria preferência manual. “Ou seja, do fato de que os circuitos relacionados com o controle da mão dominante fossem ao mesmo tempo mais especialistas e menos flexíveis, em relação aos da mão não dominante”, constata a especialista.
Responsáveis
Os responsáveis pelo transplante fazem parte de uma equipe de médicos especialistas do Hospital Edouard Harriot, de Lyon. “Todo o aspecto de recrutamento de pacientes, testes neuropsicológicos, acompanhamento psicológico e medicamentoso é feito por este grupo”, expõe Cláudia.
— Há muito tempo se sabe que a amputação de membros induz reorganização das representações sensoriomotoras. O grupo de Lyon pensou então que o transplante poderia ser o indutor de uma nova reorganização. Só que agora pela reconexão das mãos na periferia corporal — relata a pesquisadora.
O laboratório responsável pela avaliação das modificações cerebrais induzidas pelo transplante é o de Neuropsicologia da Ação, do Instituto de Ciências Cognitivas, liderado pela doutora Ângela Sirigu. “Erika Rodrigues e eu fomos financiadas pelo acordo Capes Cofecub, que custeou nossas idas à França durante o decorrer do projeto”, aponta Cláudia.
Andamento do trabalho
Segundo Cláudia, já foram avaliadas as reorganizações motoras após o transplante, por meio das técnicas de ressonância funcional e estimulação magnética transcraniana. “Concluímos que as mãos do doador são incorporadas ao esquema motor da pessoa que passa pelo procedimento”, informa.
.No momento estão sendo feitos novos transplantes e os pacientes continuam em avaliação, através dos mesmos métodos. “Até agora, o que está mais bem estabelecido são as reorganizações motoras induzidas pelo transplante. Menos se conhece sobre os aspectos sensoriais, mas sabemos que os pacientes voltam a ter sensações bem localizadas nas mãos”, relata a pesquisadora. Segundo ela, o trabalho deve prosseguir na investigação de novos pacientes.
— A amputação traumática dos dois membros superiores é extremamente desabilitante para uma pessoa. Para mim, o mais importante é o fato de que os pacientes podem voltar a utilizar os membros — conclui Cláudia.