Recentemente, médicos e pesquisadores da UFRJ se juntaram em prol de um projeto de grande utilidade pública: o grupo de pesquisa em perinatologia – estudo que engloba as áreas médicas de obstetrícia e pediatria e reúne diversas pesquisas, desde a relação mãe/bebê até o atendimento neonatal. “A ideia é ampliar a infraestrutura da Maternidade-Escola, criar um novo curso de pós-graduação e estabelecer maior integração com os hospitais públicos do Rio de Janeiro”, conta o neurocirurgião Flávio Freinkel Rodrigues, professor-adjunto da UFRJ e coordenador dos estudos.
O que é perinatologia?
Segundo o coordenador, a perinatologia estuda a mãe e a criança antes do nascimento e no período neonatal. “A criança que apresenta alguma doença ainda no ventre da mãe pode ser tratada ainda na fase intraútero – é a chamada medicina fetal”, disse Freinkel. Tanto a neonatologia quanto a medicina fetal são formas de estudo e tratamento que o grupo de pesquisa da UFRJ já realiza ou pretende desenvolver.
Um exemplo da aplicação da perinatologia em neonatos acontece em casos de mielomeningoceles. Popularmente conhecida como uma abertura da coluna, essa má-formação acontece por uma anomalia de fusão das vértebras. Nesse caso, o conteúdo do sistema nervoso fica exposto. “Se essa criança não for operada em até 48 horas, a membrana que envolve a coluna vertebral se rompe, infecta e a criança morre. Não sobrevive mais de três dias”, explica o professor, que aponta também a hidrocefalia como má-formação que pode ser revertida em recém-nascidos quando diagnosticada e tratada a tempo.
— Na hidrocefalia, o excesso do líquido cérebro-espinhal no crânio comprime o cérebro e com isso lesa neurônios e fibras nervosas, o que leva a criança a ter um atraso psicomotor muito grande. No entanto, se ela for operada a tempo, tratada com técnicas como a colocação de uma válvula, pode ter desenvolvimento intelectual e motor normal. Por isso, é imprescindível o tratamento precoce — esclarece Freinkel, destacando a importância dos estudos em perinatologia que, com o desenvolvimento das pesquisas sobre a medicina fetal, podem apresentar avanços significativos no atendimento realizado pela Maternidade-Escola.
O grupo de pesquisa
“Não existe outro grupo de pesquisa no Rio de Janeiro em perinatologia como o da Maternidade-Escola da UFRJ, estruturado com pesquisadores de alto nível e com a participação ativa dos alunos”, afirma o neurocirurgião. Formado em novembro de 2008 e credenciado no CNPq desde o início do ano, o grupo conta com dez pesquisadores das diversas áreas de saúde da UFRJ – como a Maternidade-Escola, o Centro de Ciências da Saúde e o Hospital Universitário –, além de 18 estudantes, distribuídos nas mais diversas linhas de pesquisa. “Enquanto um estudo é sobre a doença da mãe que pode acometer a criança, outra pesquisa é sobre má-formação congênita no sistema nervoso de recém-nascidos”, exemplifica o professor. No entanto, o projeto não para por aí: a ideia é ampliar o número de colaboradores e aprimorar o atendimento à população.
— O projeto é amplo e está aberto para alunos de graduação e pós-graduação dos cursos de Medicina, Enfermagem, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional, Farmácia, Psicologia e demais áreas afins. Todos podem trabalhar juntos em um dos vários projetos. Se o aluno quiser fazer uma pesquisa prática, pode procurar um dos pesquisadores no CCS (Centro de Ciências da Saúde). Se for realizar uma pesquisa clínica, fica na Maternidade-Escola — convida o professor, que coordena o grupo de pesquisa ao lado de Joffre Amim Júnior, vice-diretor da Maternidade-Escola da UFRJ.
Segundo Flávio Freinkel, a maioria dos pesquisadores orienta mais de uma linha de pesquisa sobre perinatologia, o que torna necessárias reuniões periódicas para discutir os projetos, quais serão levados à frente e as relações que existem entre um estudo e outro. Isso, no entanto, exige participação ativa de profissionais e alunos. “Esses projetos vão sobreviver, melhorar e aumentar, apenas se os estudantes e pesquisadores se propuserem a trabalhar, fazer experimentos e publicações nessa área”, explica o professor, que destaca: “Esta é uma área que está em expansão. São poucas as pesquisas em perinatologia no Brasil.”
De acordo com o médico, o grupo de pesquisa pretende, a partir de ensaios clínicos, teóricos e experimentais na área da perinatologia, “dar maior embasamento à unidade acadêmica da Maternidade-Escola, além de proporcionar melhor fundamento teórico a um trabalho muito bonito que se faz na ME”, elogia Freinkel. Com o aprimoramento da pesquisa e orientação de alunos, o médico afirma que espera atingir dois objetivos: “Melhorar a assistência médica às mulheres grávidas, ao recém-nascido e ao estudo das doenças do neonato, além do interesse de que a perinatologia se desenvolva e venha a se tornar uma pós-graduação.”
“Já estamos em condições de fazer a cirurgia neonatal”
Atualmente, a Maternidade-Escola dispõe de 15 leitos para recém-nascidos na UTI neonatal e já começa a estabelecer um serviço de Neurocirurgia Neonatal. “Trataremos as crianças após o nascimento, principalmente com doenças do sistema nervoso central – afecções como hidrocefalia congênita e mielomeningocele. Quanto antes for feita a correção da má-formação, os resultados serão melhores”, afirma Freinkel. Segundo o médico, a proposta também envolve uma futura estruturação do serviço de medicina fetal nos mesmos moldes, algo que considera impreterível. “É de grande importância fazer a correção da má-formação ainda na fase intraútero”, disse o neurocirurgião.
— Já estamos em condições de realizar neurocirurgias neonatais. Esse serviço de neurocirurgia que está sendo montado pela Maternidade-Escola é um projeto que visa aumentar a infraestrutura para o desenvolvimento da medicina fetal — afirma Freinkel, que aponta duas maneiras possíveis de a criança ser atendida pela ME em caso de cirurgia. “A primeira ocorre quando o diagnóstico é feito ainda durante a gravidez e há o acompanhamento médico até o dia do nascimento. Outra forma é encaminhar a criança recém-nascida, de hospitais que não oferecem esse tipo de serviço, diretamente para a Maternidade da UFRJ, onde será operada, cuidada e terá um leito na UTI neonatal”, explica o médico. No entanto, essa integração com outras maternidades públicas da região não tem acontecido.
— Essa parceria já está aberta para outros hospitais e teria que ser coordenada por uma área da Secretaria de Saúde do município, que não tem funcionado como deveria. Os chamados são esporádicos. Esperamos que isso melhore, pois se faz necessário um diálogo entre a ME e as diversas maternidades que não têm esse atendimento — disse Flávio Freinkel.
Integração com outros hospitais
O serviço de neurocirurgia neonatal da ME está aberto a maternidades públicas de todas as instâncias do Rio de Janeiro e inclusive de outras cidades. Por não haver uma procura muito grande por esse recurso, a ME pode atender a toda a demanda. “Temos uma boa capacidade. É possível atender os recém-nascidos um a um, não há um limite”, afirma o professor, que exemplifica: “A hidrocefalia tem uma incidência de 1 por 10 mil nascimentos vivos.”
Apesar da baixa incidência, o médico alerta para a importância desse tipo de atendimento a famílias carentes. “É muito difícil para uma mãe que não possui condições financeiras levar o filho com má-formação congênita, por exemplo, ao hospital particular, tendo que pagar vários especialistas e uma UTI neonatal, além de custear os aparelhos necessários”, descreve o médico. “Por isso estamos oferecendo esse serviço gratuito”, explica.
— É preciso englobar todos os serviços de saúde do Rio de Janeiro, para que encaminhem esses casos para um lugar que seja referência em perinatologia. Todos ganhariam com isso, com mais condições e aparelhagem, enquanto outros hospitais teriam um lugar para o paciente ser encaminhado. É uma questão de organização — acredita o especialista.
Portanto, não apenas para o serviço de Neurocirurgia Neonatal, mas também para o grupo de pesquisa em perinatologia, o que se faz necessário são pessoas interessadas em trabalhar, como afirma o neurocirurgião. “No hospital já temos tudo. O que precisamos é de equipe, de organização e apoio do SUS, do Município e da própria Universidade. A pesquisa é impulsionada pelos próprios pesquisadores, de quem tem sido o maior interesse. Nossa vontade é que esse projeto seja levado à frente e que possamos desenvolvê-lo cada vez mais, para oferecermos em, no máximo, dois anos a medicina fetal à comunidade”, finaliza Flávio Freinkel.