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Edição 249
18 de fevereiro de 2011
Esquenta a cada dia o debate sobre a Medida Provisória 520, que autoriza o Poder Executivo a criar a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). Assinada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e publicada no Diário Oficial da União de 31 de dezembro, a medida cria uma empresa que pode contratar temporariamente pessoal para os hospitais universitários por meio de seleção simplificada.
Prejuízos aos hospitais universitários, com perdas na área de pesquisa, quebra da autonomia universitária e precarização das relações de trabalho ao contratar funcionários em regime temporário e descartando a realização de concurso público são algumas das preocupações que surgem com a criação da EBSERH. Confira o que os professores Amâncio Carvalho, ex diretor do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), e José Mauro Braz, diretor do Hospital Escola São Francisco (Hesfa), acham da medida provisória.
Professor Amâncio Paulino de Carvallho
ex-diretor do HUCFF
“A edição da Medida Provisória 520 no último dia de gestão do governo Lula não foi uma coincidência. Na verdade, desde 2004 existe um movimento dentro do Ministério do Planejamento para rever a organização institucional do Estado, quer dizer, da força de trabalho, em função das características de cada área. Por exemplo, houve uma definição daquelas carreiras típicas de Estado como os procuradores, os juízes, os advogados-gerais da União, os integrantes das agências, que são grupos pouco numerosos e que tem uma função precípua do Estado e que não admitem nenhuma atividade de mercado. Para isso, foram elaborados planos de carreiras com salários generosos, basta ver o que aconteceu nessas áreas.
A preocupação que deteve mais o governo foi com as carreiras de prestação de serviços à população, que têm muito mais profissionais, como a Educação e a Saúde. O que fazer? Houve a formulação por parte do Ministério do Planejamento de que os processos de trabalho da administração direta e da indireta autárquica, os mais habitualmente usados, não eram adequados para prestação de serviços em áreas que têm a concorrência do mercado, como é o caso da Saúde. Falta dinamismo suficiente e não garante as condições básicas para o funcionamento adequado. Num primeiro momento, isso redundou na proposta das fundações estatais de direito privado, apoiada pelo Planejamento, encaminhado pelo Ministério da Saúde e que o Congresso Nacional engavetou. Agora, o Ministério da Educação tomou a frente, por ter o problema mais imediato que é a crise de pessoal nas universidades públicas federais. E, provavelmente, essa forma de trabalhar um pouco mais escondida, decorre da observação de que o mecanismo habitual de encaminhar como anteprojeto de lei seria bloqueado de novo, como ocorreu com o Ministério da Saúde.
A edição da medida carecia e ainda carece de um debate público. Acho que o governo não quer abrir mão desse debate, não é uma característica dele. Houve apenas uma opção por mudar o momento do debate, fazer com que ele ocorra no processo de regulamentação, de estabelecimento daquilo que realmente importa que é o estatuto social. Acredito que esse debate haverá e esse é o momento para ele.
A MP 520 está desenhada para resolver o problema dos tercerizados, mas a formulação que existe na medida não é suficiente para garantir isso. Na verdade, o fato de se poder fazer uma seleção simplificada que valorize o currículo, a experiência profissional – o que é uma coisa importante para pessoas que já trabalham há mais de dez anos por aqui – e permite o contrato por dois anos dá uma vida a essas pessoas que trabalham em situação irregular. Mas legalizar custa. E não vai custar só o que essas pessoas hoje recebem pelas fundações, pois muitas delas têm isenção da parte patronal do INSS, o que a nova empresa não terá. Assim, será preciso entrar mais dinheiro e definir de onde ele virá. Eu diria que a proposta da MP 520 é necessária para o problema, mas não é suficiente, pois é preciso mais clareza e detalhes nas fontes de recursos.
O grande debate que deve haver no momento sem premissas de prejulgamento é se a discussão vai se fazer no âmbito da proposta da MP no sentido de tornar uma lei adequada, ou seja, entra na discussão e procura com que ela tenha o melhor resultado possível, ou ficar fora e tentar derrotá-la. Acredito que o correto diante das décadas de problemas graves nos hospitais universitários que nunca foram resolvidos é entrar no campo da MP e discutir. É uma oportunidade de ouro, é uma iniciativa que está dentro da legalidade e parte de experiências prévias. Ela não surgiu do nada. Por exemplo, não há nenhuma possibilidade de privatização, a empresa pública Sociedade Anônima só é S.A., para permitir a distribuição de ações entre várias empresas públicas. Pode ter uma empresa pública de saúde que se associe a ela para realizar uma atividade em determinada região, mas não há possibilidade de capital privado. Isso só ocorreria se fosse uma empresa de economia mista, o que não é o caso.
Em segundo lugar, na medida está dito que 100% do capital é da União. Em terceiro, só entra no processo quem tiver 100% de atendimento no SUS. Então, vamos afastar esse fantasma da privatização. A MP seria ruim para o movimento sindical? Complicado dizer isso, porque eu quero saber qual é o funcionário de empresa estatal que quer sair, pois todos querem ficar devido a uma série de vantagens importantes. O que precisa ser bem estabelecido é o financiamento, pois vai custar mais, principalmente na parte de encargos sociais não pagos.
Há necessidade também de uma reserva para contencioso, o que é inevitável. Depois, é preciso definir a governança, que é o que assusta os reitores e muitos dos sindicatos de funcionários. A governança é algo delicado, significativo, mas não é difícil de encontrar a fórmula. A gente pode partir da seguinte fórmula: a maioria do Conselho Deliberativo deve ser de reitores e representantes do MEC no Ministério da Saúde, até uma representação dos funcionários e de professores também. Se a gente tiver uma sólida maioria dessa natureza, garante que essa estatal vá representar os interesses das universidades e que não vai invadir a autonomia de cada uma delas.
Segundo aspecto importante na governança é que certamente o presidente da República nomeará o presidente da empresa, mas pode ser estabelecido no estatuto social que uma lista será submetida ao presidente para a escolha do nome indicado pelo Conselho. Outro aspecto ainda é que cada hospital que faz o contrato para ser gerido pela empresa pública tenha na sua governança um Conselho Deliberativo também de maioria acadêmica e que defina as diretrizes, os programas as prioridades a serem seguidos. A única coisa que precisará negociar é o orçamento, mas isso vai continuar fazendo com o SUS, a universidade, com o MEC. Pode discutir com a empresa também, mas não é ela que vai determinar o orçamento. A empresa terá o caráter executivo em que evidentemente terá influência, mas a governança será colegiada e ligada à universidade.
É ainda preciso deixar mais claro qual é o escopo da empresa, porque a redação da medida admite a possibilidade de a empresa realizar convênios, faça contratos, preste serviços diretamente. É preciso definir melhor, o objetivo são apenas hospitais de ensino, sendo este o escopo nem todos têm instituições de ensino superior vinculadas, mas poderá ser considerado para esse efeito? Acho que preocupações com perdas na área de pesquisa, quebra de autonomia universitária e precarização das relações de trabalho devido a contratações temporárias e sem concurso público não têm base na letra da MP.
Precária é a situação dos 26 mil que até hoje continuam na ilegalidade e sem nenhum tipo de garantia, muitos deles nem contrato de trabalho pela CLT têm, como os cooperativados ou com vínculos que não podem ser estendidos por muito tempo. Toda e qualquer instituição hospitalar precisa ter um quadro mais dinâmico de trabalhadores transitórios para responder epidemias, necessidade de licenças, de férias. O importante é sempre ter os concursos e isto está previsto.
O Hospital das Clínicas de Porto Alegre tem uma experiência muito boa, pois quando precisa de trabalhadores temporários recorrem à lista de concursados. Essa é uma regra que funciona e deveria ser adotada. Quanto à perda de autonomia universitária, com governança adequada isso não acontecerá, pelo contrário, a empresa pode ser um poderoso instrumento das universidades para o desenvolvimento de uma política pública em relação à pesquisa, em relação ao estabelecimento de diretrizes clínicas entre outras. Quanto à fonte de financiamento de pesquisa, a rigor a MP não entra nesse terreno por que ela diz que as atividades são de apoio. Isso significa ter um ambiente adequado para pesquisa, funcionários administrativos que apoiem, mas a diretriz e o financiamento da pesquisa na estrutura brasileira hoje é fundamentalmente das agências de fomento e assim continuará sendo.
Os hospitais têm um dinamismo próprio e os concursos públicos apenas não dão conta disso, não se pode, por exemplo, prescindir de um plantonista de ar-condicionado, pois se o equipamento de um centro cirúrgico parar sem conserto as atividades serão paralisadas. Além disso, existe uma demanda social crescente por saúde que afeta os hospitais universitários, se o Estado tem um problema de transplante e quer captar mais doadores, ele conta com os hospitais universitários, que têm interesse também. É tudo uma mistura de aumento de demandas e novas pessoas entram sem concurso para tentar atendê-las. Essa situação que é pouco controlada facilita um planejamento mal feito, pois é relativamente fácil negociar com a própria fundação as contratações que não vão redundar em um processo autossustentável.
Frequentemente, os hospitais jogam apostando em financiamentos futuros que, muitas vezes, não se fecham. Se tiver um sistema em que o orçamento tem de bater com o programado em contratações e há uma empresa profissional para fazer isso é possível ajustar em um modelo razoável de sustentabilidade. É o fim daquele voo de galinha, daquele melhora e piora que envolve as instituições. Embora tenha sido diretor do HUCFF até 2005, estive fora da universidade e não acompanhei a discussão do Complexo Hospitalar.
O que me preocupa é o problema da governança. Sei que o MEC e o Ministério da Saúde reconhecem apenas quatro unidades, o HUCFF, a Maternidade Escola, o IPPMG e o IPUB, que têm seus prédios organizados com suas funções. Acho que cada um deveria ser uma unidade orçamentária independente. Eu nunca entendi porque todos têm de caber no mesmo orçamento. Só para atender ao MEC, a exigência do ministério? Autonomia universitária vale para isso. Se a gente tem quatro hospitais que funcionam cada um deles deve ter a própria unidade orçamentária. Os outros institutos que não têm essas características têm de buscar uma articulação com essas instituições no sentido de criar modelos que viabilizem o funcionamento com autonomia.
A primeira coisa que acho que deveria mudar é isso. Os quatro hospitais, que são reconhecidos como tal, devem ter cada um deles unidade orçamentária própria. E a colaboração deve ser por meio de um Conselho formado pelos quatro estabelecendo planos de ação comuns. A ideia de uma articulação eu sou a favor, mas sou contrário a colocar em uma camisa de força todos os hospitais em torno de uma única unidade orçamentária”.
José Mauro Braz
Diretor do Hospital Escola São Francisco de Assis (Hesfa)
“Uma MP dessa magnitude com essa complexidade ser estabelecida no último dia do governo Lula, em 31 de dezembro, representa um produto que vem sendo desenvolvido e articulado. É de conhecimento geral que o Ministro Temporão já vinha apresentando propostas, sendo discutidas e na Câmara e no Senado Federal, mas bloqueadas. A ideia já tinha sido ventilada, discutida, como proposta de ter uma organização social para administração de hospitais. Até na época, eles usaram o termo ‘choque de gestão’, o que, em minha opinião, de quem vive há 35 acompanhando os hospitais universitários como docente e médico, acho a implementação de uma organização social não se deve necessariamente à má gestão. Há outros predicados, outras convenções prévias que levam à situação que vivemos hoje.
Aliás, são mais ou menos 20 anos de crise crônica dos HUs. É uma história com vários episódios, mas o que é marcante neles é a incompetência dos hospitais universitários de corresponder ao atendimento com condições satisfatórias da demanda social. Os HUs ficam em uma situação delicada, pois além da assistência têm de fornecer ensino. Há um conflito, não só de gestão, mas de interesses, de perspectivas, de objetivos dos hospitais universitários. Eu fui um dos fundadores da Abrahue (Associação Brasileira dos Hospitais Universitários de Ensino), criada nos final da década de 1990, pouco depois da promulgação da Constituição.
Em 1988, foram estabelecidas diretrizes muito boas do ponto de vista teórico, mas que pegavam os HUs na contramão. Eles antes não tinham compromisso com a assistência em termos de produção, de atendimento. Isso foi um choque, que motivou até uma monografia minha apresentada na Fiocruz sobre o conflito HU e SUS. Há duas décadas, os HUs vivem uma situação crítica, mal definida, uma situação em que o conflito se estabelece nessa dicotomia da ação docente e ação assistencial e não conseguimos dar uma resposta. Chegou ao ponto de, nos finais da década de 1990, eu ter a impressão, ao fazer parte de reuniões, de que as universidades queriam se livrar dos hospitais por serem fontes de problemas. Acho o enredo todo que resulta na MP 520 tem uma história que precisa ser analisada, debatida, diagnosticada para se definir o que se quer hoje. O que se pretende com isso.
Então, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares é resultante de outros encaminhamentos, que não foram adiante devido ao Congresso, aos sindicatos e aos funcionários não enxergarem isso com bons olhos. Há grupos da sociedade que veem isso como proposta interessante, outros que enxergam de uma forma maniqueísta, de uma privatização do serviço público, da saúde. Há visões destoantes e que geram, sem dúvida, a necessidade de um debate. Mas o que vejo nesses anos todos é que o debate que precisa ser feito não é sobre o tema da MP, mas, sim, outro. Deve ser feito um debate de forma corajosa e clara sobre o Sistema de Saúde Pública no Brasil. O que a gente quer? O que a gente oferece? Esse debate deveria preceder a MP, deveria ter ocorrido há 20 anos, a partir das cláusulas pétreas de que saúde e educação são direitos de todos e deveres do Estado. Com esse conceito foi criado o SUS, que, no papel, é muito avançado.
A gente pode se mirar no projeto de saúde pública da Inglaterra, Canadá e outros países. Nosso projeto de SUS é bem avançado, é de primeiro mundo. Ele foi criado com as melhores intenções, mas a realidade é outra. Na prática, o que fazemos não está no nível nem de terceiro mundo. Chegamos ao ponto, o que é não difícil de constatar, que as pessoas olham para o SUS como coisa de terceira categoria, ‘coisa de pobre’, relegada a uma situação de menos valor, menos digna de atenção. E aí, com esse conceito de saúde pública, o Brasil foi se desenvolvendo e abrindo espaço para o sistema privado de saúde, que são os planos de saúde que pegam mais de 40 milhões de brasileiros. Um contingente incrível.
Agora, o debate é tardio, que mexe com outras questões. Não existe apenas um culpado, um perverso responsável por tudo. A própria sociedade, a própria cultura brasileira e os agentes ligados, médicos, políticos, autoridades que se acostumara com o SUS sendo coisa de baixa categoria e pagam planos de saúde para ter melhor atendimento no serviço privado. Acho que falta esse debate. E a UFRJ, que tem sete hospitais no seu campo de saúde, como outras instituições de ensino superior não abriram o debate para essa discussão. A própria imprensa não abriu. Pode-se até usar a MP 520 para esse debate tardio, mas ele tem de ser entendido como um debate da saúde e da outra paralela, que é a educação. O que a gente vê as duas como um problema de Estado.
Se a gente não mudar essa forma de olhar saúde e educação, as coisas vão continuar como estão. Quando se fala que essa é uma oportunidade de ouro, quero saber para quem. Para o povo ou para o sistema que vai captar mais ouro? A criação de uma empresa, com essa gerência, é de algo que terá muito recursos. Isso não é uma ilusão? Achar que fazer uma empresa vai se resolver o problema básico de cultura desse país que é a necessidade de dar maior relevância à saúde e à educação. Investir só um pouco mais de 2% do PIB em saúde e 1,2% do PIB em educação já dá o retrato do que elas representam para os governos.
Nos anos 1960 e 1970, havia diversos hospitais públicos como o da Lagoa, Ipanema, Bonsucesso, Andaraí e outros que davam bom atendimento. Os HUs davam atendimento também de boa qualidade. Hoje, há carências enormes e não se pode dizer isso. A demanda social aumento demais, éramos 90 milhões em 1970 e, hoje, somos 190 milhões. A população mais do que dobrou, assim como a complexidade. É o momento, sim, de discutir essa saúde. O que a gente quer.
A MP surge como uma questão pontual para discutir. O Estado não pode transferir as responsabilidades dele previstas na Constituição para uma empresa. Pode transferir petróleo e gás, com a Petrobras; aço e usinas, como a Vale e a CSN, a parte de telefonia, como fez também permitindo um celular para cada cidadão. Agora, eu acho que saúde e educação é um dever do Estado, como segurança também é. Estamos falando de coisas a que assisti, de um conflito e eu já estou terminando a minha carreira profissional. Orçamento é fundamental, mas não é tudo. E não adianta só MBA, choque de gestão, se não houver reflexão e conscientização e de responsabilidade. A culpa não é só do governo. É da sociedade e dos próprios trabalhadores da área de saúde, sobretudo os servidores públicos, por isso é comum a imprensa criticar. Está na hora de conscientizar.
Agora, nesse momento está ocorrendo uma ‘limpeza’ na Polícia Civil. É fato. Agora, a gente devia fazer também uma reflexão em 2011 para não continuar com a saúde precária do jeito que está e deixando milhões de brasileiros com enorme dificuldade de acesso à saúde e sem condições de se tratar. E não é por falta de técnica e de competência, mas de reflexão sobre o sistema que se quer e de realmente investir nele. Não se pode pensar em um equipamento de ressonância magnético, quando eu tenho o programa de saúde da família, um programa de atenção básica.
O Hesfa, por exemplo, tem a proposta de ser de atenção básica, para atender pacientes com hipertensão arterial, diabetes em nível inicial. Oferecer condições de tratar gente com custo baixo, mas com alto resultado. Mas a hegemonia do modelo médico é o hospital de alta complexidade, o Centro de Tratamento Intensivo com diários de R$ 3 mil e exames sofisticados para realizar. Eu acho que temos na UFRJ a Coppead, uma das maiores escolas de gestão, existe a Fundação Getúlio Vargas.
A gestão é importante, pois há carência de planejamento estratégico, de uma estruturação. Agora, quando você chega, encontra muitos profissionais que não são considerados pela capacitação, pela sua atualização. Encontro pessoas sérias, dedicadas, que vestem a camisa sob um estresse enorme e até choram porque não conseguem encaminhar ou dar cabo de uma tarefa, pois há medidas e outros obstáculos. Acho um absurdo cobrar das pessoas sem prepará-las para saber e lhes é negada também a oportunidade de saber. Isso gera um estresse enorme, contínuo e constante por causa da demanda e da complexidade da demanda que recaí sobre o funcionário.
Na parte administrativa, há profissionais de 10 a 15 anos que não foram preparados para as coisas mais complexas e nem foi dada a oportunidade de aperfeiçoamento. Tinha de ter uma preparação por parte do poder central, do governo ou da universidade, de capacitar esse pessoal, como acontece em outras áreas. Na Justiça, existe uma preocupação de atualizar o funcionário para ele fazer frente às situações novas. Nos hospitais, com honrosas exceções, não vejo isso. Acaba-se gerando estresse e desmotivação. Deve haver agências de controle e fiscalização, mas o Estado brasileiro tem de dar a chance de a pessoa se adaptar.
Como cobrar um procedimento que ela desconhece. São questões estruturais na gestão pública deste país, sobretudo nas áreas da saúde e da educação, que são as menos privilegiadas. Por que ocorreu a terceirização? Por não ter ocorrido concurso público. Não há entrada de novos profissionais. Na UFRJ, um docente de 40 horas ganha menos que um médico com a mesma jornada. É uma inconformidade. No caso de mestrado e doutorado, um docente também é menos beneficiado do que o médico que fez o mesmo. Há um desequilíbrio e não há gestão que dê jeito nisso, porque a cultura está tão impregnada que é difícil mudar. Precisa de lideranças e um processo de conscientização muito profundo e uma reflexão sobre responsabilidades, direitos e deveres, pois se isso não ocorrer, a saúde ainda vai continuar muito precária em um país que se diz rico, que quer eliminar a pobreza, mas é injusto por não permitir o acesso de mais de 100 milhões ao sistema de saúde melhor que deveria ter.
O cidadão trabalha de quatro a cinco meses para pagar imposto, mas ainda tem de pagar por fora plano de saúde ou escola particular de bom padrão. O Estado não tem de se meter em tudo, mas em saúde, educação e segurança sim! Se nós pensássemos estrategicamente, em nível governamental, como fez a Coreia do Sul, em saúde e educação. É o que sustenta um país de primeiro mundo. De nada adianta pré-sal, empresas como a Petrobras, se eu não tenho política básica de valorização da vida, das pessoas. A discussão tem de ser feita de maneira clara, sincera e transparente para enxergar outras falhas que vêm de outro tempo e não pensar que a solução virá através de uma MP, pois estaríamos mais uma vez tapando o sol com a peneira.”