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Edição 222
1º de julho de 2010
No início do mês de junho, o jornal queniano Daily Nation publicou entrevista com o médico Samwel Oketch, do New Nyanza Provincial General Hospital, de Nairóbi (Quênia). Nela, o doutor garante que desenvolveu um método seguro para “lavar” o sangue contaminado pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), causador da Aids, possibilitando o seu uso em transfusões sanguíneas.
Segundo o estudo do doutor Oketch, a partir de uma solução salina, que combina sal de cozinha e água, é possível realizar “a lavagem dos glóbulos vermelhos eliminando o plasma do RNA do vírus HIV, tornando o sangue seguro para transfusões”. Entretanto, o próprio Daily Nation afirma que são necessários outros estudos para comprovar o método.
Para avaliar a possibilidade de a hipótese queniana ser bem sucedida, o Olhar Vital consultou o infectologista Mauro Schechter e a hematologista Carmen Martins Nogueira.
Mauro Schechter
Professor titular de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da UFRJ
“Realmente, não li o estudo apresentado pelos pesquisadores de Nairobi (Quênia), mas tal hipótese é algo desnecessário. Mesmo que essa transfusão fosse 99% eficaz, fosse gratuita, para que precisaríamos dessa se temos mecanismos 100% eficazes? Ou seja, para que eu vou gastar dinheiro para desenvolver um novo método e colocar sob risco a saúde de pessoas, quando já temos um método seguro?
Fora que para todo problema complicado, para qual aparece uma solução simples, temos duas respostas: ou o problema não é complicado ou a solução está errada. Se houvesse uma falta completa de doadores, aí poderíamos cogitar o uso do sangue de doadores infectados. O que seria um tremendo risco, mas felizmente não é o caso dos dias atuais.
A contaminação pelo vírus HIV não tem nada a ver com os glóbulos vermelhos, eles (os pesquisadores quenianos) podem limpar todo o glóbulo vermelho. Ele não vai ser infectado pelo vírus, não tem vírus, não há importância em limpá-los. Honestamente, acho uma perda de tempo discutir essa hipótese da transfusão com sangue contaminado, ela é completamente descabida.
Atualmente, com a internet, circula um grande número de informações sem filtro, o que pode gerar desencontro de informações e publicações sem qualquer credibilidade. O crivo para a seleção de doadores de sangue é muito grande e sempre foi assim. Não há nada de novo nessa rigidez, que assim é desde os anos 1970.”
Carmen Martins Nogueira
Professora auxiliar da Faculdade de Medicina da UFRJ e Chefe do Serviço de Hemoterapia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da UFRJ
“A técnica de lavar componentes de sangue é bem conhecida, mas não é utilizada para evitar a transmissão do HIV ou qualquer outro agente infeccioso. A lavagem do sangue, em solução salina isotônica, é feita com outros objetivos, como profilaxia de reações alérgicas graves para pacientes selecionados. Não é seguro, porém, usar sangue contaminado em nenhuma hipótese, mesmo se estiver lavado.
A triagem laboratorial para detecção de vírus da hepatite B e C, HIV e sífilis é mandatória, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. Outros agentes infecciosos poderão ser testados havendo evidências epidemiológicas locais da necessidade de testes adicionais. Esse é o caso de testes para doença de Chagas nas Américas, por exemplo.
Uma transfusão de sangue segura se inicia com a correta seleção de doadores voluntários, em populações de baixo risco para exposição a agentes infecciosos, que estejam saudáveis. Esses indivíduos devem ser incentivados a doar sangue regularmente.
O trabalho dos serviços que coletam sangue é conhecer o perfil dos potenciais doadores em sua comunidade e desenvolver estratégias que facilitem o acesso aos locais de doação permitindo a construção de estoques de sangue cada vez mais seguros. Também a educação para o uso racional do sangue é peça chave para otimização desses mesmos estoques, já que sangue não é recurso ilimitado.”