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Edi��o 246
06 de janeiro de 2011
Desde 2007, o Projeto de Lei 478/07, que proíbe e criminaliza a manipulação para fins de pesquisa de embriões humanos, está em discussão na Câmara dos Deputados. O texto é de autoria dos deputados Luiz Bassuma (PT/BA) e Miguel Martini (PHS/MG). Eles consideram que estudos que utilizam embriões humanos, in vitro ou não, são atentados ao direito à vida e ferem princípios religiosos.
No último mês de maio, a Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara aprovou o substitutivo da deputada Solange Almeida (PMDB-RJ) ao Projeto de Lei 478/07. A nova regulamentação cria o Estatuto do Nascituro, que é definido como o ser humano concebido, mas ainda não nascido. O que inclui os seres humanos concebidos in vitro, mesmo antes da transferência para o útero.
De acordo com a Agência Câmara, o texto original proíbe a manipulação, o congelamento, o descarte e o comércio de embriões humanos, com o único fim de serem suas células transplantadas para adultos doentes. O substitutivo retirou a proibição e garante ao nascituro direito à vida, à saúde, honra, integridade física, alimentação e à convivência familiar. O Projeto de Lei 478/07 ainda será votado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e pelo Plenário da Câmara para poder entrar em vigor.
Assim, permanece a regularização dos estudos com embriões humanos através da Lei de Biossegurança, criada em 2005 e aprovada em 2007, que permite estudos com óvulos fecundados há mais de três anos em congelamento, portanto inutilizáveis para gestação, mediante permissão dos genitores. A lei permite diversos avanços na ciência resultantes das pesquisas com células-tronco embrionárias de forma fiscalizada e organizada.
Para fazer uma análise sobre o atual estágio das pesquisas com células-tronco embrionárias e sobre a relação entre a ciência e a religiosidade, o Olhar Vital convidou os professores Stevens Rehen, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB/UFRJ), e Eliane Brígida Falcão, do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde (Nutes/UFRJ).
Stevens Rehen
Professor do Laboratório de Neurogênese e Diferenciação Celular do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB/UFRJ)
“A ciência vem avançando de forma legítima. A Lei de Biossegurança é clara em relação ao controle das pesquisas com células-tronco. Em dez anos de pesquisa, nós utilizamos dois ou três embriões apenas, seguindo os padrões estabelecidos pela Lei, ou seja, após três anos de armazenamento e com o consentimento dos genitores.
Desde 2007, já é possível desenvolver células extremamente semelhantes às embrionárias a partir de outras fontes, que não os embriões humanos. São as células Pluripotentes Induzidas, desenvolvidas a partir da reprogramação de genes de células da pele, por exemplo, podendo criar células semelhantes às embrionárias sem utilizar embriões.
As células Pluripotentes Induzidas trazem diversos avanços como a possibilidade de testar medicamentos em pessoas doentes, com células idênticas a do organismo sem tocar na pessoa. Porém, traz também polêmicas, como a possibilidade de desenvolver gametas de uma pessoa através da pele, sem sua autorização.
As polêmicas na sociedade diante dos avanços na ciência e tecnologia são naturais. Todo avanço traz consigo um lado negativo. O avião, por exemplo, pode ser usado para o benefício da sociedade, mas também para o prejuízo. Por isso, é necessário o controle dos avanços com células-tronco embrionárias, que já existe no Brasil através da Lei de Biossegurança.”
Eliane Brígida Falcão
Professora do Laboratório de Estudos da Ciência do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde (Nutes/UFRJ).
“Em se tratando de religião e ciência, não há como estabelecer uma hierarquia, visto que são dimensões distintas da cultura, pertencentes a um mundo plural. A liberdade de interpretar o mundo e adaptar-se a ele tem uma infinidade de formatos. No entanto, sabemos que em ambos os lados há pessoas que pensam que a crença religiosa vale mais que a ciência ou que a ciência vale mais que a crença religiosa.
Neste aspecto, é importante ter em mente que ciência e religião não existem para se confrontar; ambas têm seu campo específico e legitimidade. Portanto, não há que haver disputa; é possível aceitar bem as explicações da ciência sem abrir mão de uma crença religiosa. Por outro lado, se não existe uma compreensão da distinção desses dois campos da cultura, muitos conflitos desnecessários são produzidos, gerando algo que não é desejável na vida acadêmica: o negar-se a falar sobre o assunto. A ciência não precisa negar as crenças religiosas para se apresentar.
Em relação aos valores da moral, embora tradicionalmente a religião tenha tido grande influência, os cientistas, hoje, não podem se abster de pensar sobre tais assuntos. É importante que aceitem participar de debates junto a outros grupos sociais, inclusive os religiosos, claro. Os resultados da ciência interessam à sociedade como um todo. É necessário que o pesquisador pense sobre isso e esteja apto a participar de discussões específicas. O cientista não pode assumir uma posição tecnicista; ele precisa desenvolver uma consciência mais elaborada sobre o que está produzindo e sobre o que isso pode causar.
A esse respeito, a pesquisa com as células-tronco cabe como um bom exemplo: trata-se de uma investigação espetacular da ciência, que traz esperança para a qualidade de vida, cujos resultados interessam a uma série de grupos sociais, mas que exige uma série de reflexões, que devem partir tanto da comunidade científica, quanto dos diversos setores da sociedade.
Então, o pesquisador dessa área não pode simplesmente desenvolver uma pesquisa a qualquer custo; ele deve ouvir as outras vozes da sociedade e incorporá-las a seu pensamento como matéria de reflexão junto a colegas e junto aos outros grupos interessados. Estar apto e disponível a debates sobre os diferentes aspectos de pesquisas que afetam a todos é também um dever profissional. Por outro lado, nunca é demais lembrar que as pesquisas são financiadas pelos recursos coletivos e públicos e portanto a todos devemos satisfação e consideração.”