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Edição 260
19 de maio de 2011

Faces e Interfaces

Genéricos biossimilares: celebrar o quê?

Renata Lima e André Ribeiro

Vinte de Maio: dia nacional dos medicamentos genéricos. Apesar da data, a indústria de genéricos, sem muitos motivos de comemoração, passa hoje por uma discussão com as empresas detentoras de patentes. A tentativa de entrar no mercado dos medicamentos biológicos gera uma resistência por parte das indústrias farmacêuticas.

Os produtos genéricos feitos por processos químicos convencionais são conhecidos por conter o mesmo princípio ativo, na mesma forma farmacêutica e dosagem dos originais. Estes medicamentos, diferentemente dos biológicos, recebem o título de ser intercambiáveis, ou seja, é garantida a segurança na troca dos remédios de referência pelos seus genéricos.

Já os medicamentos biológicos, recentes no mercado e usados no tratamento de tumores e doenças autoimunes, são sintetizados a partir de substâncias produzidas ou extraídas de células vivas, o que significa que o processo de obtenção desses medicamentos é  mais complexos e relativos.

É pelo pretexto da segurança da saúde que o lado farmacêutico, dono das patentes, reivindica a realização de estudos por parte da empresa de genéricos, antes de lançar no mercado o medicamento biossimilar. Para esclarecer essas opiniões, o Olhar Vital entrevistou profissionais envolvidos com a produção e o uso de medicamentos para explicar o impasse.

Lúcio Mendes Cabral

Professor e vice-diretor da Faculdade de Farmácia da UFRJ. Responsável pelo Laboratório de Tecnologia Industrial Farmacêutica

“Quando um genérico é à base de um produto sintético, de uma molécula isolada, há um consenso de que fazendo testes de equivalência farmacêutica ou bioequivalência e garantindo a reprodutibilidade do processo de fabricação, o genérico será provavelmente equivalente terapêutico do referencial (produto com a patente).

Entretanto, para o produto biológico não há no mundo inteiro genérico similar. Cada caso é um caso. Cada empresa pode desenvolver um produto diferente. Por exemplo, o processo de fermentação é realizado numa certa condição de aeração, temperatura, tipo de reator e tipo de semente que se usa. Todas essas etapas levam à expressão de uma determinada proteína.

Se uma outra empresa deseja fazer um produto ‘similar’ ao original, ela pode até tentar reproduzir o mesmo processo que a marca de referência, mas não poderá registrar seu medicamento como genérico similar nos moldes existentes. Hoje, é exigido apenas testes de equivalência e bioequivalência para genéricos. No entanto, um produto biossimilar necessita de testes químicos.

Imagine um bioproduto, um peptídeo que se obtém por uma enzima produzida em processo biotecnológico. Qual é a biodisponibilidade e a bioequivalência? Não há como! É preciso realizar todo o teste químico de novo, pois a fabricação diferente do detentor da patente pode gerar produto e respostas desiguais, implicando riscos à saúde da população.

Medicamento biológico não é uma questão de ter ou deixar de ter vantagens. Eles são, muitas vezes, a única intervenção terapêutica possível. O grande argumento da indústria de genéricos é não fazer testes químicos, pois é muito custoso. A questão é: não se pode registrar um produto biossimilar como se registra um genérico hoje. É fundamental a reprodução de testes químicos”.

 

Eduardo Côrtes

Coordenador do Núcleo de Pesquisa em Câncer (NPC) do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF/UFRJ)

“A medicina ao longo de toda a sua existência vem se aprimorando. E cada vez mais a tendência é que os tratamentos se tornem mais efetivos. À medida que vamos conhecendo as doenças começamos a descobrir que apenas parte da doença é tratada, e isso nos dá alvos para os quais passamos a produzir medicamentos específicos.

Os remédios biológicos são, normalmente, substâncias que o próprio corpo produz como anticorpos ou até mesmo o interferon. Esses remédios são extremamente específicos e agem somente em determinada proteína de um gene, ou até mesmo em parte dela. Por exemplo, temos anticorpos contra o HR2, um oncogene do câncer de mama, causou um enorme impacto e até mesmo num índice de cura.

O sucesso destes remédios é muito grande, eles são o futuro, o que há de novo. São anticorpos, inibidores de processos metabólicos, que embora sejam substâncias químicas acabam atuando onde biológicos atuam, então temos um grande futuro. Eles são usados para leucemia, câncer de mama, de intestino.

O custo do remédio é alto, e ele é bem restrito. Mas temos que pensar muitas coisas, sobre o que é caro e o que é barato. É preciso dizer que custo de saúde não é o preço do remédio. Se eu aumento o índice de cura do câncer de mama com o [remédio] biológico, que eu vou gastar 100 mil reais talvez, eu vou economizar, mesmo falando em custos. Economiza-se evitando internações futuras, quimioterapias que não vai curar e o paciente recebe por três ou quatro anos, radioterapia, então, se eu tenho o biológico que custa dinheiro, mas aumenta a quantidade de cura fica barato.

Eu, como médico, posso falar também do benefício, da qualidade de vida, eu posso estar aumentando a cura de uma pessoa, é o bem-estar de uma sociedade inteira, a gente ganha dinheiro para levar o bem-estar para a sociedade, diminuir o sofrimento. É despesa, mas é para isso que a sociedade produz. Se a gente for computar o que se gasta em desperdício por mal planejamento e corrupção daria pra bancar esses remédios todos, nós temos que gastar no que é necessário. Os biológicos são restritos, porque a política de remédios é restritiva, nós não tratamos todas as doenças, talvez a única doença tratada neste país atualmente seja a AIDS.

Cada remédio tem uma patente que dura 10, 15 anos. Depois que essa patente acaba alguma empresa da indústria farmacêutica faz uma série de testes com o genérico produzido, que tem que ser idêntico ao remédio original e envia isso para o governo. Esse genérico, então, passa por avaliações e é aprovado ou não, então não é algo ilegal, nem uma cópia pirata. Ele sai mais barato, porque não tem o custo de criação, desenvolvimento e pesquisa.

O que está acontecendo a respeito dos genéricos de remédios biológicos é a reclamação das empresas que detém as patentes destes medicamentos. Mas aí cada um pensa de um jeito, eu penso que o genérico é algo válido, pois torna o medicamento mais acessível para a população. São dez anos de exploração do remédio, eu acho que não há prejuízo para nenhuma das partes.”

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