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Edição 255
15 de abril de 2011
No dia 7 de abril de 2011, por volta das 8h30, Wllington Menezes de Oliveira entrou na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, na Zona Oeste do Rio, e promoveu um verdadeiro massacre. Ao todo, 12 estudantes morreram e outros 12 ficaram feridos. Pânico. Indignação. Questionamentos.
O que pode levar uma pessoa a praticar tamanha crueldade? Doença mental? Infância desprovida de afeto e recursos? Intimidação? Vingança? Para tentar traçar o perfil de um psicopata, o Olhar Vital conversou com Adriana Carrijo, especialista em Psicologia Clínica e Educacional/Escolar e doutora em Psicologia pelo Instituto de Psicologia (IP) da UFRJ.
De acordo com a especialista, psicopatia é uma classificação psiquiátrica que procura descrever um comportamento antissocial crônico, caracterizado pela falência ou ausência da capacidade de construção de limites regulatórios para com as inter-relações indivíduo-sociedade. Isto acaba gerando um espectro de consequências psicológicas que desgastam e comprometem a integridade e a interação do sujeito afetado.
As primeiras manifestações comportamentais de cunho psicopático ocorrem ainda na infância, podendo ser potencializadas por ambientes familiar e escolar conturbados, por um elemento religioso que funcione como objeto de conflito obsessivo e situações de isolamento e/ou segregação social. “O isolamento me parece sempre um sintoma fundamental tendo em vista que somos seres de relação. O silêncio como consequência desse isolamento, idem”, alerta.
Bullying é um termo utilizado para descrever atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, praticados por um indivíduo ou por grupos de indivíduos com o objetivo de intimidação. A ideia de bullying associa-se frequentemente a ideia de trauma e distúrbio. No entanto, para a doutora, apesar da intimidação recorrente trazer constrangimento e embotamento psicológicos, “nem todas as crianças que experimentam o bullying têm seu desenvolvimento comprometido, o que reforça a importância da plasticidade na construção do sujeito”.
Religião e violência
Quanto a questões religiosas, Adriana Carrijo afirma categoricamente não se tratar da religião A, B ou C, mas da função simbólica do sagrado como elemento de contenção e/ou potencialização das pulsões anarquicamente dissociadas na loucura. “No caso de Wellington Menezes de Oliveira, esse elemento religioso funcionava como uma voz de orientação, de interlocução delirante, tendo sido tão somente um campo de ancoragem dentro de sua história”, explica. Para a psicóloga, aspectos como o ambiente insalubre no qual o homem vivia, seus hábitos alimentares e o uso contínuo do computador é que são relevantes para o solucionamento do caso e não a religiosidade cultivada ou o bullying sofrido. “Não acho interessante qualquer valorização de símbolos ou referências religiosas como chave para o caso. Não reduziria o crime nem ao bullying nem à religiosidade. Tentaria ver o mundo. Mundo este que nos envolve produzindo ‘Wellingtons’ e vítimas serializadas em diferentes lugares”.
O estilo de vida moderno, de ritmo bastante acelerado e de cadência individualizada, contribui para o “esgarçamento de laços sociais e para a produção de sujeitos desafetados”. Neste compasso, acabamos por banalizar a vida e espetacularizar a morte. “A nossa sociedade, capitalista por excelência, serializa modos de viver, conviver, morrer e matar. Curiosamente vivemos um momento de mortes coletivas tanto por catástrofes naturais quanto sociais. Tudo parece operar pelo princípio do ‘atacado’”, lamenta.
Primeiro mundo
“Sujeito e sociedade são elementos indissociáveis”, pontua Adriana Carrijo. Desta forma, para ela, é papel do Estado desenvolver políticas públicas em Saúde e Educação que orientem e acolham a sociedade, beneficiando-a. A Educação será sempre um vetor de agenciamento político, um dispositivo de elaboração de experiências e transformação subjetiva. Assim, a especialista percebe a escola como “primeiro sócio-palco”, ou seja, é na escola primária que nos deparamos, pela primeira vez, com uma pequena simulação do mundo, onde educadores devem promover pedagogias mobilizadoras de “uma dimensão humana adormecida”. “Falo das dimensões social e, consequentemente, política, adormecidas pela sociedade do consumo”.
Finalizando, a doutora ressalta a importância de um trabalho psicoterápico coerente, que dialogue entre o paciente e o ambiente no qual ele se insere, resgatando ou incitando dinâmicas psicológicas mais inventivas e menos destrutivas. Mesmo em se tratando de genes ou fluidos corporais determinantes para a diferença de determinados sujeitos, o acolhimento, o atendimento e a integração social somam práticas que determinam “novas formas de expressão psicopatológica”, ultrapassando quaisquer condições previamente percebidas em teorias genéticas ou pela Psiquiatra Biológica. “Certamente isso leva a minimização de conflitos e distúrbios acarretando, até mesmo, na extinção de uma modalidade de vínculo adoecido”, conclui.