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Edição 240
04 de novembro de 2010
O Fórum de Ciência e Cultura (FCC) da UFRJ, em parceria com a Sociedade de Pediatria do Rio de Janeiro (Soperj), realizou, no último dia 29, a "III Jornada sobre Violência Familiar contra Crianças e Adolescentes", que teve como tema “A abordagem na Estratégia de Saúde da Família”.
Pela manhã, aconteceu a palestra da professora Heloísa Brasil. A psiquiatra e coordenadora do Serviço de Psiquiatria da Infância e adolescência (SPIA) do Instituto de Psiquiatria (Ipub) da UFRJ falou sobre as etapas do desenvolvimento infantil e a forma como a compreensão delas pode ser uma oportunidade de prevenção da violência.
A professora realizou uma triagem com 983 crianças, na qual identificou que 45% delas haviam sofrido maus tratos; 25% foram vítimas de negligência; e 16% sofreram abuso sexual. Heloísa constatou que havia grande associação das mães com drogas e álcool e contextos familiares disfuncionais nos casos citados. “Muitas crianças vivenciam experiências traumáticas mesmo sem violência física. Dos relatos, 82 foram feitos espontaneamente pelas crianças”, relatou.
Outro convidado foi Mário José Ventura Marques, pediatra do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPMG) da UFRJ e do comitê de segurança da Soperj. O professor apresentou modelos de compreensão de violência e como funciona o atendimento dos agentes de prevenção do Núcleo de Atenção à Violência (NAV) que investigam a existência de violência doméstica, negligência e prestam assistência antes mesmo do nascimento da criança. “Deve-se discutir o papel do pai e estratégias educativas e disciplinares com as famílias”, disse Marques, segundo quem, deve-se criar uma rede de proteção às crianças desde a concepção.
Fernanda Prudêncio da Silva, da secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, aprofundou as mesmas estratégias apresentadas por Marques com relação ao planejamento, estímulo ao pré-natal e inserção paterna no acompanhamento da gravidez. O especialista ressaltou o conceito de vulnerabilidade social para pautar a discussão, citando o desemprego, gravidez não planejada, uso de drogas e álcool, e criação violenta dos pais como fatores que podem explicar o grande numero de casos de violência na família. “A violência está onde nós perdemos a palavra”, enfatizou Fernanda, destacando a necessidade e importância da existência do diálogo entre pais e filhos.
A última palestrante da manhã, Paula Mancini Ribeiro, do Núcleo de Atenção à Violência (NAV), falou da importância de escutar a situação e o caso de cada família e de cada criança. “A gente não vai resolver o problema, mas dar um pouco de atenção específica a cada caso já ajuda bastante”, afirmou a especialista, que se disse a favor do atendimento ao agressor. “E preciso entender o motivo dos maus-tratos pelos pais, responsáveis ou familiar autor e ajudá-lo, quando possível”, concluiu.
Na tarde da última sexta-feira (29/10), aconteceram as palestras e debate previstos na última mesa-redonda da III Jornada sobre Violência Familiar contra Crianças e Adolescentes, com o tema “Possibilidades de intervenção da Estratégia da Saúde da Família (ESF) frente a situações de violência familiar contra a criança”. O evento teve como objeto de discussão a abordagem no âmbito da ESF, ressaltando o importante papel dos profissionais na prevenção, detecção e acompanhamento das vítimas de violência nesse frágil e vulnerável grupo etário. Pedro Rocha, do medico do Programa de Saúde da Família (PSF) de Niterói, falou sobre as dificuldades presentes no dia-a-dia das equipes na abordagem da violência familiar. Segundo ele, o profissional encontra dificuldade em questionar uma situação que acontece na esfera privada da família, e, muitas vezes, o diagnóstico do abuso não é evidente, como acontece com o abuso sexual. Por sua vez, “o abuso psicológico, além de não trazer consigo marcas físicas da agressão, tornou-se banalizado na sociedade e não encontra a devida atenção”, diz ele.
Outra questão destacada por Rocha foi a diferenciação entre negligência e pobreza extrema. Segundo ele, “em uma sociedade marcada por grandes desigualdades sociais e econômicas como a nossa, encontramos a desinformação como fator determinante na ausência ou deficiência de cuidados com a alimentação, higiene, sexualidade e à valorização da vida como um todo”. Portanto, ainda segundo o medico, tal quadro é característico de uma situação de pobreza e tem como conseqüência os maus-tratos às crianças. “O conceito de negligência, por sua vez, se refere ao ato de omissão do responsável em prover as necessidades básicas para o seu desenvolvimento, e a negligência se configura quando tal falha não é determinada pelas condições de vida além do controle do indivíduo”, disse.
Outro tema muito abordado na mesa foi o da notificação de casos de violência contra a criança. De acordo com a palestra da medica Maria Angélica Nogueira, entendemos que embora a notificação seja necessária para o bom funcionamento da rede de proteção contra a violência, ela ainda ocorre de maneira pontual e assistemática, pois muitos profissionais da saúde ainda têm dificuldade de notificar, seja por medo ou falta de informação, e ela acredita que deveria ser feita uma capacitação nesse sentido. “O ato de notificar não implica em denúncia, pois não visa julgar o caso em si, mas proteger a criança. Notificar significa dar ciência ou noticiar para, assim, intervir e facilitar o instrumento de cuidado e proteção”, concluiu.