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Edição 228
12 de agosto de 2010

Ciência e Vida

Cérebro de policiais do Bope é tema de estudo neurocientífico

Vivian Langer

O alto índice de aproveitamento dos policiais do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) virou objeto de estudo de cientistas do Laboratório de Mapeamento Cerebral e Integração Sensório-Motora da UFRJ. Com apoio do Instituto de Neurociências Aplicadas (INA) e da Fundação de Amparo à Pesquisa (Faperj), os pesquisadores acompanharam os cursos de formação do Bope e desenvolveram instrumentos para auxiliar o treinamento do batalhão. Durante dois anos, de 2007 a 2009, realizaram uma série de testes a fim de avaliar de que forma a neurociência pode contribuir com a formação dos PMs e com a prevenção de erros cometidos no desempenho de suas funções. 

“Recentemente, vários tipos de deslizes cometidos por policiais vieram à tona. O aspecto que estudamos é o da tomada de decisão, isto é, todo o processo de identificação que envolve a integração da informação do meio com a experiência prévia do indivíduo. A partir desse processo, uma resposta é escolhida e executada, que pode ser adequada ou não”, explica a psicóloga Bruna Velasques, doutoranda do Laboratório de Mapeamento Cerebral e Integração Sensório-Motora da UFRJ. 

De acordo com o professor do Instituto de Psiquiatria (Ipub) da UFRJ e coordenador do projeto, Pedro Ribeiro, “com o estudo, podemos entender aspectos cerebrais de policiais e levá-los à melhor avaliação possível das situações, na tentativa de diminuir os índices de erros”. O coordenador diz ainda que “se levarmos em consideração o número de operações do Bope, o montante de pessoas envolvidas, tanto do batalhão como das comunidades, vemos que se trata de um número muito baixo de fatalidades.” 

O objetivo do projeto é evitar a repetição de erros e acidentes graves, que, segundo Ribeiro, “são perfeitamente evitáveis com treinamento constante e eficiente”. O estudo conclui principalmente que a tecnologia aliada ao treinamento constante pode melhorar significativamente o desempenho dos policiais. "Boa parte das falhas que policiais cometem tem a ver com a questão do treinamento. Um policial bem treinado ganha mais consciência da importância do seu trabalho e das consequências de seus atos. Logo, ele tende a evitar os erros", avalia o pesquisador. 

Implementação de sistemas nos treinamentos  

A partir do conceito de “tomada de decisão”, foram implementados sistemas dentro do treinamento do Bope a fim de testar as funções cognitivas, a capacidade de memória, atenção e a tomada de decisão. “Pensamos em sistemas simples e baratos que englobassem o conceito da tomada de decisão. É preciso condicionar o policial a uma tomada de decisão acertada e consciente, ao invés de uma resposta automática, isto é, o policial precisa ter controle sobre aquilo que executa”, observa Ribeiro. 

Foram realizados diferentes tipos de treinamentos a partir de equipamentos criados pelos próprios pesquisadores. Na avaliação, os policiais do Bope mostraram que podem exercer diversas funções simultâneas, ativando várias áreas do cérebro. “Isso ocorre porque, com o treinamento, desenvolvem, entre outras coisas, percepção, raciocínio rápido e capacidade de tomar decisões em situações extremas”, explica Bruna Velasques. 

Os aparelhos empregados na pesquisa estão sendo gradualmente incorporados ao treino no Bope e a PM estuda estender o projeto a outras unidades. “A ideia é introduzir os treinamentos nos cursos de formação para desenvolver a percepção dos policiais militares de outros batalhões de modo a reduzir o número de erros e acidentes”, diz o coordenador. 

O papel da Universidade em causas públicas 

Ribeiro comenta que um grande aspecto do projeto é fortalecer as parcerias incentivadas pelo Estado através da Faperj com as universidades públicas, as unidades da polícia militar e da polícia civil. “Se conseguimos fechar um ciclo, será possível investir o conhecimento produzido nas universidades em causas públicas, e esse é o nosso ponto central”, declara. 

Bruna Velasques acrescenta que “o campo para o trabalho conjunto entre um instituto de pesquisa e as instituições do estado é grande, e, no caso da segurança, por mais elevado que seja o nível de treinamento dos policiais, mesmo no Bope, onde já existe uma excelência, sempre há um campo enorme de aprimoramento e projetos que podem ser estendidos à rotina de outros batalhões”. 

Os pesquisadores comentam a importância da participação de outros segmentos no projeto. “A nossa contribuição foi na vertente neurofisiológica a partir de um tratamento mais pontual do treinamento. É importante que outros segmentos da sociedade participem, com projetos sociais, pesquisas ou ações de conscientização, por exemplo.” 

Outras unidades militares 

Pedro Ribeiro e Bruna Velasques fizeram uma breve análise do desempenho dos policiais do Bope e compararam a outros batalhões a partir da experiência de dois anos em que acompanharam os treinos da tropa de elite. De acordo com Velasques, “podemos apontar o treinamento e a exposição como fatores diferenciais. O treinamento e a prática diários aprimoram a habilidade e refletem no desempenho, o que infelizmente ainda é muito precário em outros batalhões”.  

“Trata-se de um grau de combate que só encontramos em aparatos militares. Treinamento é um aspecto fundamental em qualquer atividade, inclusive na policial. É preciso treinar continuamente a tomada de decisão de modo a diminuir as lacunas na formação militar, especialmente sob o estresse das situações de risco”, complementa Ribeiro. 

A psicóloga observa que “os policiais que estão diretamente nas ruas, em contato no dia a dia com a sociedade, não têm tanta exposição a esse treinamento pontual, o que acarreta sérios riscos”. 

A questão policial no Brasil 

Os pesquisadores comentaram ainda a questão policial no contexto brasileiro. Segundo o coordenador, “a polícia é um dos efeitos, ou consequências, que aparece nesse contexto social que o Rio de Janeiro e o próprio Brasil estão inseridos”.  

O docente analisa que “a principal diferença é que, no nosso caso, o tráfico de drogas tem um nível de armamento muito grande. Esses dois aspectos envolvidos geram uma situação que é praticamente de guerrilha, o que justifica esse treinamento específico do Bope, bem como sua participação contínua no confronto”. 

Bruna Velasques acrescenta que a abordagem policial vai variar dependendo do contexto em que está inserida. “Em várias partes do mundo existe tráfico de drogas, mas algumas exceções apresentam um aspecto armado associado ao tráfico, como é o caso do Rio de Janeiro. Os confrontos são outros, e, portanto, as estratégias também têm de ser.” 

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