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Edição 223
8 de julho de 2010
O Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (Necvu) do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (Ifcs) da UFRJ promoveu, na última quinta-feira (01/07), o segundo e último dia do seminário internacional “Violência e Democracia na América Latina”, no Salão Dourado do Fórum de Ciência e Cultura (FCC) da UFRJ.
O evento contou com dois painéis, “Polícia, segurança cidadã e democracia na América Latina” e “O inquérito policial em três países: Resultados de uma pesquisa”, apresentado por Benjamin Lessing, doutorando em Ciência Política na University of Califórnia, Berkeley (UC Berkeley). Além disso, o professor Michel Misse, diretor do Necvu e coordenador dos debates, promoveu o lançamento do livro “O inquérito policial no Brasil: uma pesquisa empírica”, organizado pelo próprio.
O primeiro painel teve Lorena Perez Floriano, pesquisadora do Colégio de La Frontera Norte, no México, e José Vicente Tavares dos Santos, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), como convidados. A pesquisadora fez um panorama da polícia mexicana a partir do resultado de pesquisa realizada em conjunto com Jorge González, da University of Texas-Pan American (UT-Pan Am). O objetivo do trabalho, segundo Perez, “era entender o comportamento organizacional da polícia mexicana, bem como o contexto comunitário e institucional em que se desenrolam suas atividades”. A pesquisadora analisou que “o sistema de Justiça falido do país, a falta de vínculos entre as corporações policiais e a guerra do narcotráfico são alguns fatores que ajudam a pensar a conduta policial no México”.
José Vicente Tavares dos Santos analisou o problema da educação policial em suas várias dimensões. A partir de propostas pedagógicas e currículos, o docente traçou um perfil das escolas de polícia e da falência de sua missão pedagógica. “A crise das academias e escolas policiais vem de uma herança militarista e juridicista, em que falta pensamento crítico e ênfase nas Ciências Humanas e Sociais”, afirmou.
O professor observou ainda a importância da formação integrada de policiais a partir de convênios com universidades. “Acordos entre universidades públicas e escolas de polícia indicam um movimento de transformação de currículos e de concepção do ofício policial, o que é importante para o policial refletir a própria prática”, analisou. Michel Misse reforçou a legitimidade do tema: “É preciso superar os obstáculos do corporativismo, pois o diálogo entre o setor da segurança pública e a universidade é fundamental para consolidar a democracia”, afirmou o coordenador.
Violência associada ao narcotráfico e o caso mexicano
Após o primeiro painel, Benjamin Lessing comentou a lógica da violência nas guerras do tráfico. “É importante pensar quando e por que o crime organizado opta pela violência. O tráfico é uma atividade econômica que, embora ilegal, é consensual. Armas e violência não são inerentes na produção de lucros ilegais”, observou. Lessing analisou o caso do México a partir de um estudo realizado entre 2001 e 2010 no país.
O doutorando fez um histórico do narcotráfico mexicano em que “nota-se diferentes estratégias e usos de violência entre os cartéis” e destacou uma tendência “cada vez mais audaz, que confronta o Estado por meio de uma violência intimidatória e punitiva”.
Segundo painel: “O inquérito policial”
Na segunda parte do seminário, Joana Vargas, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), fez um panorama do inquérito policial no Brasil. A docente comentou o conflito de interesses entre “tiras”, isto é, o policial investigador com experiência nos códigos e regras da atividade policial, e “delegados”, detentores do saber jurídico e da capacidade de produzir inquéritos com maior autoridade. A docente destacou o “privilégio da atividade burocrática e cartorial em detrimento da atividade investigativa no Brasil”.
A professora alertou ainda para os altos índices de registros que são perdidos na fase de inquérito. O vice-presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Paulo Poloni, comentou o grau de complexidade e ineficiência do inquérito policial dentro do processo investigatório. Segundo Poloni, “a burocracia jurídica engessa as investigações e, como consequência, gera impunidade”.
Também foram apresentados os resultados das pesquisas realizadas por Brígida Renoldi, pesquisadora do Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas na Universidade Nacional de Misiones, na Argentina, e Lucia Eilbaum, mestre em Antropologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), que fizeram um panorama de como é estruturado o Poder Judiciário na Argentina para, em seguida, comparar ao modelo brasileiro. Vivian Ferreira Paes, professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), analisou a experiência francesa no que concerne à investigação policial e à instrução criminal, comparando com o Brasil.
Lançamento do livro
Após os painés, o livro “O inquérito policial no Brasil: uma pesquisa empírica” foi lançado no Salão Moniz Aragão do FCC. No sentido de repensar o inquérito policial no Brasil, o livro, organizado por Michel Misse, fornece elementos empíricos que permitem a análise do processo de investigação policial no país. A pesquisa, encomendada pela Fenapef e coordenada pelo Necvu-Ifcs-UFRJ, foi desenvolvida por professores de cinco universidades, de cinco capitais do país: Arthur Trindade Costa, da Universidade de Brasília (UnB), Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, da Pontifícia Universidade do Rio de Grande do Sul (PUC-RS), José Luiz Ratton, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Joana Vargas, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e Michel Misse, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Segundo Michel Misse, foi constatado em todas as capitais estudadas um volume elevado de ocorrências criminais em comparação ao número de investigadores e autoridades policiais incumbidos de dar-lhe tratamento. A pesquisa também mostrou baixa capacidade de elucidação de crimes graves, como roubo e homicídio, como também na produção de provas periciais em homicídios.