O Projeto Café na Merenda alcançou em torno de um milhão de crianças e adolescentes nas escolas de todo o Brasil em 2010. O professor PhD Darcy Lima, da Faculdade de Medicina da UFRJ e coordenador do Programa Café e Saúde, no Instituto de Neurologia Deolindo Couto (INDC/UFRJ), defende que o aluno que toma café com leite regularmente, comparado ao que não toma, apresenta rendimento escolar mais satisfatório.
As dúvidas quanto à ingestão da bebida pelas crianças, entretanto, ainda preocupam muitos pais, professores e educadores. Afinal, qual é a quantidade de café ideal para os alunos beberem? O consumo pode ser diário? Ele deve ser puro ou misturado ao leite?
Para esclarecer essas e outras questões, como as vantagens e as desvantagens dos efeitos da cafeína para as diversas faixas etárias, o Olhar Vital buscou a opinião de dois especialistas no assunto.
Christine Erika Vogel
Nutricionista especializada em Nutrição Clínica Doutoranda em Cardiologia da Faculdade de Medicina da UFRJ
“O café foi associado à redução de risco de diabetes em diversos estudos no Japão, EUA e Europa. O descafeinado também mostrou o mesmo resultado, o que sugere que outros componentes que não sejam a cafeína podem estar envolvidos no processo. O ácido clorogênico presente no café mostrou melhorar o metabolismo de glicose, também por ser boa fonte de magnésio e lignanas. A cafeína presente no café, em pequenas doses, pode excitar o sistema nervoso central além de agir sobre o músculo cardíaco. Pode, ainda, diminuir a fadiga após esforços físicos ou mentais, além de aumentar o estado de alerta e de ansiedade em doses acima de 300mg por dia.
Um estudo realizado em 2002 por Smith mostrou que o uso da cafeína melhorou o desempenho em tarefas cognitivas simples, mas não em complexas. Além do café com leite, a oferta da merenda escolar por si só já é um grande fator responsável pela redução do absenteísmo em escolas e estimula o aluno a aumentar sua concentração em sala de aula. O que se deve atentar a quantidade excessiva do açúcar que se coloca no café com leite, aumentando o poder cariogênico e obesogênico do alimento. A quantidade de café também varia com a faixa etária, o que deve ser orientado pela nutricionista das unidades escolares. Já o leite, é fonte de cálcio, que possui ação atenuante para o tamanho das células de gordura e o ganho de peso. É importante para a contração muscular, atua na transmissão nervosa, é fonte de proteína, o que gera saciedade e é importante para o crescimento de pré-escolares, escolares e adolescentes. A sua queda leva à redução da imunidade, podendo gerar cárie dental e periodontite, levar à insônia, à diminuição da memória e à depressão.
Quando há excesso de cafeína na alimentação, o organismo tende a desenvolver a hipercalciúria, uma perda de cálcio pela urina, gerando, assim, deficiência deste mineral e, em grau crônico, os sintomas desta deficiência.”
José Mauro Braz de Lima
Professor Ph.D de Neurologia da Faculdade de Medicina da UFRJ Diretor do Hospital Escola São Francisco de Assis Coordenador do Programa de Álcool e Drogas do Centro de Ensino, Pesquisa e Referência de Alcoologia e Adictologia (CepralEPRAL)
“O café tem como a substância principal a cafeína, que possui uma ação excitante, que melhora a performance e a atenção cognitiva pelo fato de ser um estimulante. Dessa forma, aumenta a frequência cardíaca, melhora a ventilação, a vigília, assim como outras drogas excitantes – cocaína, anfetamina etc.
O café, que obviamente não tem comparação com a cocaína no sentido da intensidade do efeito, embora esteja na mesma linha, foi elevado à categoria de bebida globalizada por ser um excitante. Nessa perspectiva, a medicina começou a analisar algumas situações em pessoas com problemas cardiovasculares, que fazem de abuso de café, como o aumento exagerado da frequência cardíaca. As crianças, devido a seu próprio desenvolvimento neuropsicológico, têm comportamento típico desse processo. Nesta faixa etária, então, o café não tem muita pertinência no sentido de seu uso habitual. Eventualmente, um café com leite no lanche, um chocolate, que também possui uma quantidade de cafeína, é o indicado na fase da infância.
No Instituto de Neurologia Deolindo Couto (INDC/UFRJ) tivemos, em um período do final dos anos 70, fazendo uma pesquisa para investigar o uso do café em crianças com problema especial de atenção, o transtorno do déficit de atenção, que na época se chamava disfunção cerebral mínima. Em parceria com o doutor Levefre, neuropediatra, constamos que, a princípio, existiria um efeito indicativo do café para crianças que tivessem hiperatividade decorrente desse tipo de disfunção. Não se pode, porém, estabelecer outros conceitos que sejam fantasia, por exemplo, o de que o café irá resolver o transtorno de atenção.
Chegar a pensar em colocar o café numa perspectiva de uma cultura de massificação do uso de café nas escolas, não é prudente antes que haja uma boa pesquisa, uma investigação. A indicação terapêutica do café a priori não deve ser feita, antes que haja um diagnóstico apropriado.”