No final do ano passado uma comissão independente de ginecologista dos EUA sugeriu novas recomendações sobre o papanicolau (exame preventivo do câncer do colo do útero). De acordo com a comissão, o exame só é necessário para jovens a partir do 21 anos e deve ser feito a cada dois anos, quando, em regra, os médicos indicam a realização anual do papanicolau assim que as pacientes iniciam a vida sexual. Os norte-americanos ainda descartam a necessidade do exame para mulheres acima de 65 anos cujos três últimos testes tenham sido negativos.
A justificativa para este novo paradigma em relação à prevenção do câncer do colo do útero, causado pelo vírus HPV, se deve a conclusão do Conselho Americano de Obstetrícia e Ginecologia que após estudos constatou que é muito pequena a incidência efetiva da doença em jovens até 21 anos.
Outro problema alegado pela comissão de ginecologistas é que é comum as adolescentes apresentarem anomalias semelhantes à tumores em estágio inicial, mas que desaparecem naturalmente. Porém, muitas vezes os médicos se precipitam e adotam medidas que podem ser prejudiciais às pacientes, como procedimentos invasivos que lesionam o útero.
Para opinar sobre as novas orientações dos ginecologistas norte-americanos o Olhar Vital consultou o ginecologista Renato Ferrari e o oncologista Eduardo Côrtes.
Renato Ferrari
Professor Adjunto do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFRJ e ginecologista do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF/UFRJ)
Existe sempre uma preocupação dos governos em diminuir os custos na assistência à saúde, no Brasil tem o SUS que mal ou bem, atende a milhares de pessoas. Tende-se a diminuir os custos. Trabalhos estatísticos são feitos para orientar programas governamentais de prevenção que vão nortear qual a população que deverá ser atingida pelos determinados programas.
Os EUA possuem um controle de qualidade muito grande dos trabalhos realizados e com certeza devem ter suporte para orientarem a realização do exame preventivo do câncer do colo do útero, conhecido como Papanicolau, onde se faz uma leve raspagem do colo uterina para colheita de células, apenas a partir dos 21 anos.
No Brasil, a recomendação do início da realização do exame preventivo é assim que a mulher comece a vida sexual. Nessa oportunidade ela também receberá orientações e fazer o exame de Papanicolau. É recomendado que se faça o exame de ano em ano, mas é uma tendência nos países mais desenvolvidos de que após três resultados normais se faça o exame a cada três anos.
Pode ser que no futuro, ficando mais embasado os dados norte-americanos, venhamos a adotar o início do exame somente a partir dos 21 anos, mas acho pouco provável, pelo início muito precoce da vida sexual na população feminina, principalmente nas classes sociais mais baixas. Por enquanto, a orientação ainda é para se fazer o exame de Papanicolau a partir do início da vida sexual.
Quanto a recomendação para as mulheres com mais de 65 anos, concordo que após três exames negativos não há necessidade de colher mais outros. Primeiro porque ele é bastante desconfortável. Segundo que se até essa idade a mulher não teve nada, a chance de apresentar algum problema a partir dessa idade é muito pequena. Geralmente não haverá grande exposição ao vírus do HPV diminuindo muito o risco do câncer do colo do útero.
As mulheres adquirem o vírus e algumas, dependendo do tipo do vírus e da imunidade da paciente, algum tempo depois apresentam a doença. Uma mulher que tenha uma defesa baixa pode ser contaminada com um único parceiro, mas o maior número de parceiros aumenta o risco de entrar em contato com o vírus HPV, o agente facilitador do desenvolvimento do câncer do colo do útero.
Como dito anteriormente, no Brasil, estamos vendo que as meninas estão começando a vida sexual cada vez mais cedo. Em muitos casos, com 12 anos já são ativas sexualmente e esperar até os 21 anos para começar a prevenção seria muito tempo. Um perigo muito grande.
Os ginecologistas norte-americanos concluíram que se deve fazer o exame apenas a partir dos 21 anos. Porém, é importante sabermos quando iniciaram a vida sexual de tais pacientes que foram analisadas para tirarem essa conclusão.
No exame de Papanicolau e na mamografia pegamos lesões muito iniciais e que nos obriga a tomar alguma atitude, isso certamente vem nos levando a ser mais agressivos, a retirarmos mais ‘pedaços’ do que talvez fosse necessário, ou seja, a evolução dos métodos diagnósticos propiciam um tratamento por vezes exagerados. Muitas vezes algumas alterações identificadas precocemente não necessariamente evoluíriam para uma doença mais grave, possivelmente muitas vezes nada teria acontecido. O problema é termos certeza de quais lesões devem ser tratadas e quais devem ser deixadas e acompanhadas.
Diminuindo a colheita, diminui o custo do sistema de saúde, o que é interessante economicamente para o país. O exame preventivo feito em larga escala demanda valores altos na sua realização: profissionais, materiais, laboratório, e a economia desses recursos, poderia redirecioná-los a serem aplicados em outros setores da saúde pública. Se a orientação dos norte-americanos for comprovada com trabalhos científicos que possam ser transportados para a nossa realidade de modo a garantir que o exame de Papanicolau só seja necessário a partir dos 21 anos será um grande avanço no sentido de diminuir custos sem comprometer a abrangência da prevenção.
Eduardo Côrtes
Professor Adjunto da Faculdade de Medicina da UFRJ e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Câncer da disciplina de Oncologia da FM e do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF/UFRJ)
“No site do INCa está escrito quem deve fazer e quando fazer o exame preventivo. ‘Toda mulher que tem ou já teve vida sexual deve submeter-se ao exame preventivo periódico, especialmente as que têm entre 25 e 59 anos. Inicialmente, o exame deve ser feito anualmente. Após dois exames seguidos (com um intervalo de um ano) apresentarem resultado normal, o preventivo pode passar a ser feito a cada três anos’. Esta é a recomendação brasileira oficial, que se encontra no site do Instituto Nacional do Câncer http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/tiposdecancer/site/home/colo_utero/deteccao_precoce.
A recomendação de que se deve começar a partir dos 21 anos é comum a vários comitês nos EUA, e acho razoável. Outra recomendação é de que deveria iniciar de dois ou três anos após a mulher iniciar sua atividade sexual, se o fizer bem antes da idade de 21 anos.
Toda recomendação é feita dentro de um contexto, em determinada época. À medida que se vai mudando esse contexto, as recomendações deverão ser atualizadas. Um exemplo disto foi a descoberta, já há vários anos, de que o HPV, transmitido sexualmente, estava ligado ao câncer de colo do útero.
Naturalmente que as recomendações teriam de ser atualizadas frente a esse novo conhecimento. Sobre os impactos, não acredito que causaria nenhum impacto maior. É só uma questão de iniciar mais cedo algo que está programado para mais tarde.
A incidência e prevalência abaixo de 21 anos é realmente baixa, mas devemos lembrar que essas recomendações são para a população em geral, podendo ser diferente para sub-grupos de mulheres que iniciam a vida sexual muito cedo ou que são expostas a múltiplos parceiros. Lembro que mesmo as menores de 21 anos que não se encaixam nessas características, deveriam sempre ser orientadas quanto a práticas sexuais seguras.
Acredito que essa afirmação (da comissão independente de ginecologistas norte-americanos) ficará mais clara com maior tempo de observação. Não é de todo infundado a recomendação de se iniciar esses procedimentos em maiores de 21 anos, principalmente quando consideramos que foi feita para a realidade dos EUA.
A recomendação antiga nos EUA falava em 70 anos. Algumas instituições naquele país ainda consideram 70 anos como a idade a partir da qual se poderia descontinuar o controle, desde que houvesse três ou mais testes negativos, realizados de maneira apropriada”.