• Edição 220
  • 17 de junho de 2010

Saúde e Prevenção

O coração e a Copa

Cardiologista orienta torcedores em período de tensão e alimentação pesada


Thiago Etchatz

“Haaaja coração, amigo! É teste pra cardíaco!”. Não é privilégio das transmissões de Copa do Mundo o velho bordão do Galvão Bueno, mas a cada quatro anos ele ganha em intensidade e em número de torcedores angustiados à frente da telinha. A tensão causada por eventos como um jogo do mundial e o impacto ao coração já é motivo de estudo por parte de pesquisadores da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e a preocupação aumenta quando combinada à alimentação pesada e ao consumo excessivo de álcool.

“Realmente, eventos cardiovasculares podem ocorrer durante períodos de tensão emocional, como partidas de futebol. Já temos vários exemplos desse fato com casos sendo relatados pela imprensa e em revistas especializadas em medicina”, revela o doutor em cardiologia Edison Migowski, chefe da Unidade Coronariana do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF/UFRJ).

Estudo da Sociedade Brasileira de Cardiologia

Diante de tais acontecimentos, quatro hospitais com unidade coronariana foram selecionados para estudo da SBC. Eles monitoraram o total de eventos cardíacos (crises de arritmias, angina, infartos e derrames) e a sua gravidade, durante o mês de maio, para compararem os resultados com os eventos do período da Copa da África do Sul.

O objetivo é estudar o problema do ponto de vista científico, tendo por fim a prevenção. Anteriormente, já houve tentativas de mensurar eventos cardíacos em Copas, mas não havia registros confiáveis das causas dos problemas cardíacos. A única pesquisa sobre o tema – Cardiovascular events during World Cup Soccer - realizada por pesquisadores alemães no último mundial analisou 4 279 infartos.

De acordo com Dikran Armaganijan, diretor de Promoção de Saúde Cardiovascular da SBC, uma emoção repentina, seja positiva ou negativa, provoca uma descarga de adrenalina no sangue levando ao aumento da frequência cardíaca, da pressão arterial e da velocidade de circulação sanguínea. Isso pode levar à instabilidade do endotélio, uma camada das artérias.

Se a pessoa tem problemas cardiovasculares, uma placa de ateroma (lipídeos e tecido fibroso, que se formam na parede dos vasos) pode se romper e causar um infarto ou acidente vascular cerebral. Um fator de preocupação para as pessoas com histórico familiar de problemas cardíacos é que, geralmente, tais eventos não são precedidos por sintomas para alertá-los.

Alimentação e consumo de álcool

Para o doutor Edison Migowski, é difícil solucionar o problema do controle da tensão. “Diante de tantas fontes de tensão, é impossível escolhermos não nos aborrecer. Uma partida de futebol pode adquirir proporções dramáticas não esperadas. O principal seria controlarmos aqueles fatores de risco frequentemente associados à ansiedade como: obesidade, sedentarismo, tabagismo e dieta inadequada, rica em gorduras e carboidratos.”

Porém, Migowski avalia que o tradicional churrasco e a feijoada, regados à cerveja, durante os jogos da seleção brasileira não justificam maiores preocupações, a menos a curto prazo. “Quanto à alimentação, talvez com exceção do sal, seus efeitos são vistos mais a médio e longo prazo. Pode ocorrer aumento de colesterol, triglicerídeos e glicose sanguínea com elevação de peso, aumentando a chance de formação de placas de gordura nos vasos arteriais culminando com eventos graves como infarto do miocárdio e derrame”.

Em relação às consequências do consumo do álcool, o cardiologista faz a seguinte ponderação: “a ingestão de até 30 gramas de álcool (duas garrafas de cerveja ou duas taças de vinho) por dia para homens, e a metade para mulheres, pode provocar dilatação dos vasos sanguíneos e contribuir para queda da pressão arterial, além de combater levemente a ansiedade. Acima deste limite entra em cena a ativação de substâncias como cortisol, angiotensina, adrenérgicos e endote (que aumentam a pressão arterial e frequência cardíaca). Além disso, o álcool possui um efeito tóxico direto sobre músculo cardíaco que pode se enfraquecer provocando um quadro grave conhecido como insuficiência cardíaca”.

O cardiologista faz questão de ressaltar que momentos como a reunião com amigos e familiares para assistir à Copa do Mundo são aliados da saúde do coração. “A celebração e o prazer são as antíteses do estresse e tensão emocional. Quando um entra o outro sai. É natural supor que momentos de lazer impeçam os efeitos ruins da ansiedade extrema”.

E recomenda: “o principal é cultivar hábitos saudáveis. Os benefícios do exercício físico regular, controle do peso, do fumo e uma dieta balanceada com frutas, verduras e legumes não são alcançados por nenhum medicamento. Acredito que nós cardiologistas até concordaríamos em liberar uma feijoada ou um churrasco de quatro em quatro anos caso os pacientes sigam todas essas recomendações”.