Tradicional acessório de profissionais da saúde e pesquisadores, o jaleco branco é, para os que não são da área, apenas um utensílio que identifica o campo com o qual o usuário trabalha. Assim, muitos o vestem e admiram fora do ambiente hospitalar ou do laboratório, por ser uma marca que transmite respeito e agrega valor à pessoa que o usa.
Contudo, a explicação para o uso do jaleco é mais que meramente estética. Esse acessório é um modo de proteção que o profissional tem para não se expor tanto aos riscos de contaminação e infecção que seu local de trabalho oferece. A função é semelhante à de uma luva, por exemplo, e, dessa maneira, o jaleco torna-se, entre outras coisas, um vetor para transmissão de doenças.
Entretanto, apesar do risco já comprovado por pesquisas, é comum ver médicos, enfermeiros, pesquisadores e estudantes da área em locais públicos vestindo jaleco. Assim, para tentar inibir esse mau hábito, o prefeito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda (PSB), sancionou a lei que proíbe profissionais da saúde de circular com equipamentos de proteção individual fora do ambiente de trabalho. No entanto, o prefeito vetou as medidas punitivas para quem desrespeitasse a regra, como multas e advertências.
Do que vale uma lei, se o seu descumprimento não é punido? Será realmente que os que costumam a usar o jaleco, em local inapropriado, vão se sentir acuados com uma lei que não oferece risco de punição? Para saber mais sobre o tema, o Olhar Vital entrevistou especialistas da UFRJ para nos esclarecer sobre os riscos do uso do jaleco fora do ambiente hospitalar e de laboratórios, e como deveria ser a punição para isso.
Marco Antônio Lemos Miguel
Membro da comissão de biossegurança do CCS da UFRJ e chefe do Laboratório de Microbiologia de Alimentos do Instituto de Microbiologia Professor Paulo de Góes (IMPPG)
“O jaleco é considerado um Equipamento de Proteção Individual (EPI) e, assim como luvas, máscaras de proteção entre outros, deve ser utilizado somente nas situações em que o profissional está exposto aos perigos químicos, físicos ou microbiológicos. Se você vê um profissional com uma proteção é porque ele ‘foi exposto’ e consequentemente pode transferir este perigo para outras pessoas ou ambientes. Em nosso laboratório, estudos mostram que as bactérias causadoras de infecções hospitalares podem permanecer até 17 semanas no jaleco, e que o número de bactérias intencionalmente contaminadas no tecido do jaleco não se reduz durante a jornada de trabalho de 8 horas de um profissional de saúde. Ao sair do ambiente de exposição, este profissional deve retirar este EPI (rua, restaurantes ou áreas de escritório). Microrganismos resistentes aos antibióticos causam uma grande dificuldade no tratamento do paciente aumentando os custos e os riscos de morte.
O uso de jalecos fora do ambiente de trabalho alerta para vários problemas associados aos serviços de Saúde. Um deles é a falta de informação dos profissionais de Saúde em relação à Biossegurança, tema este que é abordado durante os cursos de Graduação e de formação de técnicos. Outro problema é a falta de educação de alguns, que sabendo do problema ignoram os perigos e utilizam os jalecos como casacos ou peças de vestuário para valorizar o ego. A falta de estrutura nos ambientes de trabalho para guardar, de forma segura, também tem sido utilizada para justificar este uso inadequado.
Entretanto, o jaleco não é a única fonte de risco de difusão de microrganismos multirresistentes do ambiente hospitalar ou laboratorial para a comunidade. A falta do uso dele também deve ser encarada como um ato falho do profissional de Saúde que entra em contato com equipamentos, pacientes, culturas e reagentes perigosos. Neste caso, a roupa do indivíduo passa a ser o veículo de difusão. O que seria mais contaminado do que o próprio sapato que utilizamos nestes ambientes? Assim, fica clara a necessidade do estabelecimento controle de acesso no ambiente de Saúde, que estão sempre cheios de alunos, visitantes, representantes comerciais, entre outros. Entre as possíveis soluções podem ser utilizadas barreiras químicas de descontaminação, como tapetes adesivos ou pedilúvios (pequenas banheiras para lavar as solas dos sapatos) ou o uso de protetores de sapatos (como as toucas), que seriam descartados na saída.
A proibição do uso do jaleco fora do ambiente de Saúde é importante, pois fecha uma das portas por onde germes extremamente perigosos podem acessar a comunidade. Mas existem outros caminhos que também devem ser vigiados, como as mãos, que devem ser frequentemente lavadas; as roupas pessoais, que deveriam ser de uso exclusivo em trabalho; além, é claro, do controle de acesso a estes ambientes. O manejo dos resíduos também deve receber uma atenção especial. Todos os profissionais devem ser envolvidos. Alguns dizem que não entram em contato com o ambiente hospitalar, como aqueles que trabalham com diagnóstico por imagens, mas os pacientes que eles atendem muitas vezes são pessoas que estão internados. Outros trabalham com Biologia Molecular e reagentes perigosos.
Desta forma, acho que deveria haver uma campanha por parte da Anvisa para reeducar os profissionais de todas as áreas da Saúde, uma vez que muitos já se esqueceram das noções básicas de Biossegurança. A população também tem um papel importante reclamando do uso inadequado do jaleco. É comum ver profissionais com roupa de centro cirúrgico ou jalecos sujos de sangue em lanchonetes ou na rua. Estes profissionais deveriam ser punidos, juntamente com a instituição em que trabalham que permitiu um profissional seu sair pela porta da frente (ou dos fundos) com um EPI. Seria agradável sentar para almoçar com um profissional desentupidor de esgoto com o avental sujo na sua mesa? Então por que um profissional de Saúde pode? E olha que os ‘monstros’ que ela carrega no jaleco podem ser piores...
Rafael Silva Duarte
Professor Adjunto e chefe do Laboratório de Microbactérias do Instituto de Microbiologia Professor Paulo de Góes
“Os micro-organismos patogênicos podem ser depositados em tecidos de jalecos por diversos meios (mãos, secreções, contaminação ambiental), e não são eliminados em períodos curtos, permanecendo viáveis por períodos prolongados. O Mycobacterium tuberculosis, por exemplo, agente etiológico da tuberculose permanece viável no tecido de algodão em até 50 dias, como já comprovado por experimentos em nosso laboratório (dados em fase final de redação). Portanto, os jalecos podem servir como reservatórios de micro-organismos, e devido ao trânsito de usuários em diversos ambientes, podem ocasionar a disseminação dos mesmos.
No contexto em que vivemos, especialmente em relação aos aspectos culturais e educacionais em nosso país, muitas vezes se faz necessária a criação de leis para que as medidas sejam devidamente cumpridas. Outra solução seria os responsáveis por restaurantes, lanchonetes e outros atuarem proibindo o uso desse tipo de vestimenta em suas propriedades, já na entrada dos estabelecimentos.
Considero uma medida simples, utilizar o jaleco como propriedade individual e somente em ambiente de trabalho, alocando-o em lugar seguro, livre da circulação de pessoas. Se existir a necessidade de uso de jaleco em diferentes instituições, ter disponíveis jalecos específicos para uso em cada instituição. Em último caso, se for necessário o transporte do mesmo, armazenar dentro de saco plástico.”
Edição 253 – publicado em 31 de março de 2011