Assim como pessoas, há lugares que parecem surgir para o mundo com uma vocação. É o caso do centenário prédio do Hospital Escola São Francisco de Assis (Hesfa). Encravado no Centro do Rio de Janeiro, em uma região que é revitalizada por obras e construções modernas, o prédio sempre abrigou profissionais voltados para cuidar da saúde dos desfavorecidos socialmente. Nos próximos anos, o Hesfa tem tentado se tornar referência no atendimento com qualidade às demandas da Atenção Básica de Saúde (ABS) e dos Programas de Saúde de Família. Deverá, todavia, passar por uma série de reformas para alcançar o objetivo, em um processo lento e gradual que nada tem a ver com os contos de fadas.
As obras estão previstas para começar, ainda este ano, com recursos do BNDES e da própria universidade. A prioridade será a restauração da fachada e do telhado do bloco de prédios mais antigo do hospital, construído em estilo panótico, exemplar único na América Latina. Em 1876, a Princesa Isabel lançou a pedra fundamental da edificação projetada por Heitor Rademacker Grunewald para ser o Asilo da Mendicidade, inaugurado três anos depois por D. Pedro II. Os primeiros quatro prédios erguidos eram voltados para a atual Avenida Presidente Vargas. De 1892 a 1920, concluiu-se o resto da estrutura que, vista de cima, tem forma de um semicírculo com raios e uma torre no centro. O conjunto arquitetônico foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em 1983.
De acordo com o diretor de Preservação de Imóveis Tombados da UFRJ, Paulo Bellinha, tudo feito na estrutura do Hesfa precisa de autorização do instituto, razão pela qual houve diversos impasses que, associados à falta de recursos, levaram ao estado decadente do prédio. “Conseguimos a aprovação do Iphan e ficou decidido que parte da obra será custeada pela própria reitoria e com os primeiros recursos liberados pelo BNDES, um pouco mais de R$ 2 milhões. A prioridade será o restauro do bloco mais antigo, que fica voltado para a Avenida Presidente Vargas”, informou.
A ideia desde 2004 é restaurar todos os prédios tombados pelo patrimônio, remover as estruturas anexas erguidas após 1922, quando o lugar passou a se chamar Hospital Geral São Francisco de Assis e erguer dois modernos edifícios anexos até 2017. Mais de R$ 30 milhões serão necessários para a recuperação de todo o conjunto e levantar as novas estruturas. Segundo Bellinha, diversas fases serão seguidas e só após a completa restauração subirão as novas edificações. “As primeiras etapas serão voltadas para garantir a segurança dos prédios. São obras de recuperação dos telhados, da fachada, das instalações elétricas, de trechos da estrutura e para descupinização”, revela.
Desativado em 1978, foi reaberto dez anos depois para abrigar idosos de um asilo em Santa Teresa, destruído pelos temporais que atingiram o Rio de Janeiro na ocasião, o Hesfa hoje tem quase a metade da estrutura interditada, o que impede a ampliação do atendimento como unidade de atenção básica aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). No futuro, há planos para que o Hesfa seja um grande ambulatório para atendimento de casos relacionados ao atendimento da mulher, da terceira idade, dependentes químicos, entre outros.
Para o diretor do Hesfa, José Mauro Braz, é a oportunidade de uma unidade hospitalar universitária inserir um programa de capacitação profissional voltado para a Atenção Básica de Saúde (ABS). “O projeto pedagógico do Hesfa é se tornar uma unidade formadora de profissionais de ABS. A UFRJ dá um passo para o resgate do hospital, não só do ponto de vista patrimonial, mas, principalmente, no de produção e prática acadêmica de assistência às pessoas que não contam com planos de saúde. Até porque esse hospital não poderia se tornar um grande hospital com CTI de emergência, não é essa a visão”, disse.
De acordo com a vice-diretora do Hesfa, a professora Maria Catarina Salvador da Motta, a ABS é a porta de entrada do indivíduo no sistema de saúde, tanto em resposta a demandas curativas de doenças, quanto na prevenção de enfermidades, em vários âmbitos. Segundo ela, há necessidade de qualificar e certificar as equipes de saúde da família, por exemplo. Assim, a UFRJ vai lançar no mercado de trabalho profissionais com conhecimentos sedimentados na área pública e não apenas com formação para o setor privado como acontece atualmente. “É formar gente para um monitoramento da população e evitar as complicações de diabetes, de hipertensão, de obesidade que hoje levam as pessoas paras os pronto-socorros e emergências”, diz.
A grande vantagem para a sociedade, de acordo com Maria Catarina, é que serão criados vínculos entre as pessoas e os profissionais de saúde. “Elas saberão quem é o agente comunitário que vai cuidar delas, qual é a unidade para onde elas vão se dirigir em uma emergência, qual é o médico e a enfermeira que as atenderão”, disse.
Na opinião do diretor do Hesfa, em um país como o Brasil, uma universidade que tem a responsabilidade de formar profissionais para a área de saúde não pode deixar de lado a principal demanda da população: a atenção básica. Segundo ele, a UFRJ não deve formar apenas quem pense nos casos de alta complexidade, onde o foco é o diagnóstico com remédios caros e exames sofisticados. “É uma estratégia de atenção à saúde, com uma visão de prevenção e promoção da saúde, mas que contempla também um repensar da saúde, para favorecer uma prática que crie novos subsídios aos projetos de políticas públicas de saúde. O Brasil precisa responder a demanda de muitos brasileiros que não estão cobertos pelos planos. É um dever constitucional do Estado”, concluiu José Mauro Braz.