A série Por uma boa causa sobre transplante de órgãos chega ao fim. Nesta última edição abordamos o transplante de pulmão, o mais raro realizado no país. Para se ter uma ideéia, no Brasil 3.455 transplantes renais ocorreram contra apenas 50 de pulmão em 2008, embora o rim seja o órgão mais transplantado no mundo. Considerando, é claro, que hoje, das 66 mil pessoas que aguardam por um transplante no país, cerca de 34 mil esperam por um rim e apenas 200 por um pulmão.
Para Alexandre Pinto Cardoso, coordenador da Unidade de Pesquisa Clínica da Pneumologia da UFRJ e diretor do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), o atual índice de transplante pulmonar é insuficiente, mesmo com o reduzido número de pacientes à espera do órgão — responsável pela transformação do sangue venoso (de cor escura e rico em anidrido carbônico) em sangue arterial (de cor vermelha e rico em oxigênio) —, tendo em vista a angústia e o sofrimento dos pacientes.
“As pessoas que estão aguardando o transplante (de pulmão) sofrem de doenças respiratórias crônicas e enfrentam no dia a dia as limitações impostas por essas doenças. Alguns têm que seguir uma medicação rigorosa e numerosa, outros usam oxigênio (por aparelhos). Há restrições quanto a frequentar alguns lugares e, dependendo da gravidade, até de se relacionar com algumas pessoas para evitar infecções respiratórias”, esclarece o médico. Os principais problemas que levam à necessidade do transplante são bronquite crônica, enfisema pulmonar (DPOC), fibrose pulmonar e muco viscidose.
Um complicador para a realização de transplantes de pulmão é a sua alta vulnerabilidade. “Ele sofre agressões mais facilmente do que outros órgãos de possíveis doadores, porque está em contato com o ambiente. Outro aspecto a ser considerado é o tempo de resfriamento (tempo que um órgão pode permanecer resfriado, entre a captação e o transplante), que é de apenas seis horas. O terceiro fator limitante é o tamanho do órgão, que tem que ser compatível com o do receptor”, explica Alexandre Cardoso.
Daí o transplante com doadores vivos. “Esse tipo de transplante é realizado em crianças que tenham muco viscidose. Os doadores são os pais. Normalmente, o pai doa um lobo inferior e a mãe o outro. É um caso menos frequente”, analisa o doutor. Esses dois enxertos crescem acompanhando a maturação da criança em razão da ação do hormônio do crescimento.
No Brasil, desde 1999, quando foi feita a primeira cirurgia com doador vivo, mais 26 procedimentos como esse foram realizados em jovens com até 17 anos. No mesmo período, apenas seis pacientes dessa faixa etária receberam pulmões de doadores com morte cerebral.
Necessidade de assistência
Uma mostra de que o serviço de transplante pulmonar carece de maior assistência pelo Ministério da Saúde — que no último mês anunciou o investimento recorde de R$ 24, 1 milhões para o incentivo a transplantes no país em 2009 e 2010 — está no atual panorama do Hospital Universitário. “O programa de transplante de pulmão do HUCFF não está ativado no momento, pois não há anestesista para atender a demanda por cirurgias desse tipo na unidade. O quadro poderia ser revertido com a realização de novos concursos”, garante o diretor.
Por fim, o médico esclarece que o órgão transplantado pode durar a vida toda, caso não haja um fator complicador. E alerta que “os medicamentos que evitam a rejeição predispõem o paciente a infecções mais frequentes”. Nos três primeiros meses após a cirurgia, “os maiores riscos são rejeição aguda, infecção bacteriana e septicemia. De três meses a um ano e meio, os maiores problemas são infecções oportunistas decorrentes dos medicamentos imunossupressores. Após esse período, é a bronquiolite obliterante”, conclui.