• Edição 193
  • 15 de outubro de 2009

Saúde em Foco

Perda de DNA faz célula se "especializar", mostra pesquisa da UFRJ


Eduardo Geraque e Reinaldo José Lopes - da Folha de S.Paulo

Ninguém imaginaria que arrancar pedaços substanciais do DNA das células pudesse ser importante para a correta estruturação do cérebro, mas é justamente isso que o trabalho de pesquisadores da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) anda demonstrando. A degola de material genético parece estar ligada à divisão de tarefas nos muitos tipos de células do sistema nervoso.

Ainda é difícil afirmar exatamente o que os achados significam, mas Stevens Rehen, Bruna Paulsen e seus colegas da UFRJ já flagraram o fenômeno estudando dois tipos diferentes de células-tronco, as embrionárias (como o nome diz, oriundas de embriões no estágio inicial de seu desenvolvimento) e as iPS (células adultas que, manipuladas em laboratório, retornam a um estado que lembra muito o embrionário).

A alteração detectada pela equipe é conhecida como aneuploidia, forma indigesta de dizer que as células ditas aneuploides possuem um número irregular de cromossomos, as estruturas parecidas com carretéis que carregam o DNA.

Como regra geral, toda célula do corpo humano deveria carregar 23 pares de cromossomos. Cada membro do par é "doado" respectivamente pelo pai e pela mãe aos filhos. A aneuploidia consiste na presença de pares "mancos", sem um dos membros, ou "excessivos", formados por trios, por exemplo. Há doenças importantes ligadas à aneuploidia, como a síndrome de Down (cujos efeitos, aliás, vão muito além do desenvolvimento mental do portador).

Lado bom

A hipótese de trabalho de Rehen e companhia, no entanto, reabilita parcialmente o número irregular de cromossomos. "A aneuploidia também pode funcionar para o bem, para moldar o cérebro de uma forma única", afirma o pesquisador, que foi o primeiro a detectar o fenômeno no sistema nervoso, em pesquisa de 2001. Até 30% dos neurônios do córtex (a área mais desenvolvida e complexa do cérebro em seres humanos) podem ser aneuploides.

Mais recentemente, Rehen topou outra vez com a aneuploidia ao estudar como as células-tronco embrionárias, responsáveis por construir todo o organismo humano, passam pelo processo de diferenciação (especialização) que as transforma em neurônios. A surpresa é que, quando viram neurônios, as células também perdem cromossomos. Coincidência ou relação de causa e efeito?

"Chegamos a pensar que a aneuploidia poderia ser efeito do ácido retinoico [substância empregada para induzir as células a se especializar]", diz Rehen. Não era, a julgar por experimentos posteriores. O mesmo fenômeno foi verificado enquanto as células iPS, também com propriedades embrionárias, foram "convencidas" a virar neurônios, afirma ele.

Os pesquisadores ainda estão longe de bater o martelo em relação a esse paradoxo. A próxima fase dos experimentos deve envolver o caminho oposto: em vez de induzir especialização celular e observar aneuploidia, Rehen e companhia planejam arrancar cromossomos das células e ver se isso as ajuda a se diferenciar em neurônios.

Ainda é cedo para dizer aonde essas pistas conduzem, mas não é impossível que a aneuploidia esteja ligada à grande complexidade celular do cérebro, que está repleto de neurônios de todos os tipos e especialidades. E talvez ajude a elucidar por que, afinal, nenhuma cabeça pensa igual à outra.

"Ele poderá até ajudar a explicar a diferença que existe entre o comportamento de gêmeos idênticos, por exemplo", diz Rehen. A alteração nos cromossomos introduziria um elemento de inesperado no processo que leva à maturação do cérebro ao longo da vida.

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