Nos últimos meses, o Brasil tem assistido ao crescente número de casos de falsos médicos atendendo a pacientes ou casos de erros médicos cometidos por profissionais despreparados ou por aqueles que ainda estão em formação e/ou atuam sem a supervisão adequada. Ao cidadão comum resta muito pouco para se proteger, além de ter a saúde posta em risco.
O deputado federal Paes de Lira (PTC/SP) apresentou um projeto que torna necessário realizar um Exame de Habilitação para o exercício da Medicina no Brasil. Muitos profissionais são contrários à medida, inclusive o próprio órgão da classe, o Conselho Federal de Medicina. O Olhar Vital traz agora o ponto de vista de dois profissionais da UFRJ sobre o tema, o coordenador de Graduação da Faculdade de Medicina, Sergio Zaidhaft, e o chefe do serviço de Psiquiatria e Psicologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF/UFRJ), Dr. Marco Antonio Alves Brasil.
Sergio Zaidhaft
Coordenador de Graduação Faculdade de Medicina da UFRJ
“Não acho necessário realizar um Exame de Habilitação para o exercício da Medicina no Brasil, ou algo semelhante à proposta do deputado federal Paes de Lira (PTC/SP), defendida pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp). Penso que deve haver uma avaliação da formação dos médicos em todo o país, em um processo que verificaria de forma contínua as escolas médicas, o processo pedagógico e os profissionais recém-formados.
O paciente tem todo o direito de recusar atendimento de qualquer aluno ou de qualquer médico em quem ele não confie (se não for o caso de iminente risco de morte). No entanto, a experiência mostra que, quando o aluno se apresenta como tal, tem supervisão, é atencioso com o paciente e se mostra competente dentro de suas limitações, é extremamente raro que os pacientes não aceitem ser examinados por ele. Na verdade, às vezes até preferem o atendimento de um estudante ao feito por médicos apressados e pouco atenciosos.
Estágio sem supervisão e o exercício ilegal da profissão são a mesma coisa. Enfim, o cidadão para se proteger dos falsos profissionais, deve denunciar aos órgãos competentes: desde a direção do respectivo estabelecimento ou sua ouvidoria ao Conselho Regional de Medicina.”
Marco Antonio Alves Brasil
Chefe do serviço de psiquiatria e psicologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF/UFRJ)
“Não sou a favor de um Exame de Habilitação para o exercício da Medicina no Brasil. Um único exame não é suficiente para uma avaliação adequada. Sua aplicação seria muito complexa, já que não poderia ser apenas uma prova teórica, sem uma avaliação prática. Vejo em um processo de avaliação contínuo das escolas médicas e do processo pedagógico o melhor caminho para assegurar uma formação médica de qualidade.
Além disso, concordo com os que defendem uma punição para Escolas de Medicina que não obtiverem um bom desempenho nas avaliações, podendo inclusive diminuir números de vagas, suspender vestibulares e até mesmo em casos excepcionais encerrar as atividades. Sem dúvida, isso é necessário para que se consiga uma qualidade mínima e imprescindível entre as faculdades.
O exercício ilegal da profissão é quando alguém assume a realização de um ato médico, sem que esteja qualificado para tanto, ou seja, formado em Medicina. Já na realização de um estágio sem supervisão, o médico estagiário poderá incorrer em falha ética (imprudência e/ou negligência) por falta de supervisão adequada. O cidadão deve sempre ser informado sobre a condição de estudante da pessoa que irá assisti-lo, podendo rejeitar ou não o atendimento. Caso seja aceito, o estagiário deverá sempre informar o nome do seu supervisor responsável.
Não podemos deixar a responsabilidade de ser atendido por um médico bem preparado e ético nas mãos do cidadão. Na maioria das vezes, o cidadão não está capacitado para julgar os conhecimentos técnicos de um médico. A responsabilidade da qualidade do atendimento é do médico que assiste o cidadão e isso é intransferível. O médico terá que arcar com as consequências do erro médico (omissão, negligência e imperícia) e não pode atribuir essa responsabilidade a mais ninguém.
Portanto, não cabe ao cidadão ter que se proteger de um falso ou mau profissional, mas, sim, haver mecanismos legais eficientes que coíbam a existência do mau ou falso profissional.”